Partir de madrugada
Partir de madrugada, quando
ainda há madrugada no teu corpo e sonhos no fundo claro dos teus olhos
cerrados. Partir silencioso, sem deixar rasto nem lágrimas, espalhando a
saudade breve sob a luz mortiça dos candeeiros das esquinas, prestes a
apagarem-se. Aproveitar as ruas ainda desertas, ter a certeza de estar só,
saber que apenas poderei estender a mão à manhã que se anuncia e levá-la ao
bolso das calças, para guardar coisa nenhuma. Baixar a cabeça para evitar as
pedras do caminho e os acidentes do percurso, e saber que assim darei alguma
protecção à esperança verde que carrego no cansaço magoado dos meus olhos.
Seguir pela beira do rio que
corre sereno, trazendo consigo o sol que brota com as primeiras águas da
nascente. Todos os barcos quietos, de luzes apagadas e sem pessoas no convés,
presos às amarras que os prendem ao cais adormecido, aguardando pela azáfama
irrequieta da jornada. Aguardar pelo meio da manhã e sentir que o sol me aquece
os ombros e conforta o vazio largo que trago no estômago. Saber que por essa
hora o sol já te atravessa as frinchas da janela e te beija o corpo que
espreguiças, em decúbito dorsal, coberto de organdi azul. E que não deste nem
vais dar pela minha ausência.
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