Poema para um domingo qualquer
A vida é isto, como um
sótão, esconso e insalubre, escuro e húmido. Um lugarzinho a que se chega com
esforço, à força de braço, uma escada de que se cai sem defesa, porque não tem corrimão
nem degraus para descer. Um cão velho abandonado, arrastando os quadris pela
berma hostil dos passeios da cidade, uma memória antiga do osso descarnado e
seco, fugindo debaixo da mesa, até à distância de um canto. A indiferença
sobranceira das manhãs de domingo, a caminho das missas que se cantam nas naves
altas das igrejas. O repicar dos sinos, a solenidade hipócrita da hóstia, os
paramentos dos dias de procissão, o recolhimento de cabeça baixa, a contrição
da mão pousada sobre o peito, sentindo bater o coração ao ritmo preciso e certo
de um relógio suíço.
A vida é isto, a morte com
fome e sem culpa das crianças de África, a guerra que se faz em nome da
liberdade, enquanto se leva às bolsas de valores o petróleo apetecível e fácil
do Iraque!
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