24 de fevereiro de 2017

Quando te dei a mão

Quando te dei a mão, a calçada descia lentamente para poente. Não falámos e o sorriso dos teus olhos disse-nos todas as palavras que se podem esperar ao fim da tarde. Ouvia-se claramente o chilreio dos pássaros, recolhendo-se aos seus abrigos discretos, no tempo das árvores ainda despidas pelos dias de Fevereiro. O sol era uma nuvem tímida, cobrindo o crepúsculo por detrás dos quintais, onde o chão floria de pétalas caídas das flores abertas em tempo de inverno.



Quando nos sentámos lado a lado, para nos vermos nos olhos, estava a casa vazia e a mesa posta de nada. A inquietude dos dedos tamborilou-te sob o tampo, quando se acenderam as luzes da rua e brilharam os ladrilhos cerâmicos do chão. Enroscou-se ainda mais o gato ao canto da lareira. E tu inventaste o caminho de regresso, como se já fosse tarde demais. Na estrada apagou-se o amarelo das mimosas e foi-se abrindo o escuro da noite. Pousados no teu joelho, foram os meus dedos ouvindo o discurso macio da tua mão e respondendo às perguntas que sempre soube que me farias. Foram-se-te iluminando os olhos de toda a ternura e enchendo o firmamento da distância próxima das estrelas, à medida que se aproximava o vazio do regresso e o peso do sono crescendo nas pálpebras. Depois desapareceste, engolida pela primeira curva da estrada e ficou comigo apenas a calada ausência de tudo.

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