Quando te dei a mão
Quando te dei a mão, a
calçada descia lentamente para poente. Não falámos e o sorriso dos teus olhos
disse-nos todas as palavras que se podem esperar ao fim da tarde. Ouvia-se
claramente o chilreio dos pássaros, recolhendo-se aos seus abrigos discretos, no
tempo das árvores ainda despidas pelos dias de Fevereiro. O sol era uma nuvem
tímida, cobrindo o crepúsculo por detrás dos quintais, onde o chão floria de
pétalas caídas das flores abertas em tempo de inverno.
Quando nos sentámos lado a
lado, para nos vermos nos olhos, estava a casa vazia e a mesa posta de nada. A
inquietude dos dedos tamborilou-te sob o tampo, quando se acenderam as luzes da
rua e brilharam os ladrilhos cerâmicos do chão. Enroscou-se ainda mais o gato
ao canto da lareira. E tu inventaste o caminho de regresso, como se já fosse
tarde demais. Na estrada apagou-se o amarelo das mimosas e foi-se abrindo o
escuro da noite. Pousados no teu joelho, foram os meus dedos ouvindo o discurso
macio da tua mão e respondendo às perguntas que sempre soube que me farias.
Foram-se-te iluminando os olhos de toda a ternura e enchendo o firmamento da
distância próxima das estrelas, à medida que se aproximava o vazio do regresso
e o peso do sono crescendo nas pálpebras. Depois desapareceste, engolida pela
primeira curva da estrada e ficou comigo apenas a calada ausência de tudo.
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