1 de maio de 2022

Mãe

 

A estrada de terra batida chegava ao bairro vinda de longe, já cansada do caminho. E ali se aquietava um pouco, numa curva suave e longa, antes de seguir para mais longe, para o Kuando ou para o Bailundo. De um lado debruando a margem da mata de eucaliptos, do outro limitando o casario que se ia estendendo para o pequeno ribeiro que, ainda distante, corria entre o caniço. Era numa casa térrea que funcionava a escola primária, repartindo o quadro preto da sala de aulas com o balcão da loja ao lado, onde um barril de vinho repousava sobre o balcão, aguardando a abertura da torneira e o enchimento do copo de vidro.

Ali tive uma carteira de madeira – sim, de madeira, talvez mesmo de girassonde – com um tampo suavemente inclinado, que se levantava, com um tinteiro a meio e dois rasgos para os lápis de cada um dos lados. O tinteiro era regularmente abastecido de tinta e, como os outros, utilizei para as minhas primeiras letras uma pena de madeira em cuja ponta se encaixava um aparo metálico que se mergulhava no tinteiro para o alimentar, sempre que isso era necessário. Faculdade minha, nunca sujei os dedos com tinta, nunca esborratei o papel e com alguma facilidade me habituei a desenhar regularmente as letras e a fazê-las redondas e agradáveis à vista. Sem erros no ditado e sem rasuras nas cópias e nas contas.


Foi assim e ali que aprendi a desenhar-te o nome, numa letra redonda e limpa que a professora me elogiava. E foi assim que fui pondo em cada letra o brilho tranquilo do teu olhar, a suavidade do teu sorriso envergonhado, a humildade magnânima de teu feitio e do teu avental de riscado. Mesmo contigo distante de mim, é esse prazer lúdico que conservo: sentir nos dedos o toque único da primeira pena, depor em cada letra o alto sentido do meu amor que vem de sempre. Tanto fui aprendendo com tanta gente e mais ainda tenho para aprender com outra tanta. Mas foi ali que eu aprendi a escrever, num cursivo redondo e limpo, a palavra MÃE. Para dizer-to hoje!

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