29 de agosto de 2005

GNR recruta teclistas

Antigamente os soldados da GNR eram recrutados com esmero, obedecendo a regras rígidas e imutáveis, não podendo ser parentes do senhor D. Duarte Pio de Bragança até à ínclita geração e repudiar com a maior firmeza todas as ideologias comunistas ou afins, mesmo que pudessem ser defendidas nas homílias de domingo pelos párocos de província e pelo senhor Cardeal Patriarca de Lisboa.

Só de olhar para eles a gente atemorizava-se e fugia, o que lhes poupava imenso tempo, muito trabalho e alguns dissabores à conta de meia dúzia de intrometidos ditos jornalistas do reviralho e do bota-abaixo. Todos pareciam, inevitavelmente, ter já nascido de bigode farfalhudo e revirado, calçando botas cardadas, de cano alto, sempre a brilhar no meio dos lameiros de inverno e dos caminhos poeirentos que levavam às romarias do 15 de Agosto.

Os elementos da GNR não montavam equídeos, a que chamavam cavalos. Tratavam deles, davam-lhes palha, escovavam-nos, aparelhavam-nos e subiam-lhes para o dorso, com a ajuda do estribo. Depois deixavam-se ir, segurando-se para não caírem. Os cavalos, como eles, parecia já ter nascido ferrados, não precisavam que o cavaleiro os atirasse para cima dos amotinados da bola ou dos perigosos oposicionistas do regime. Consta até que Álvaro Cunhal se terá evadido do forte de Peniche para não sentir o peso das ferraduras nas costas e que, senhor de mais recursos e melhores conhecimentos, Mário Soares conseguiu o exílio em S. Tomé à força da cunha, onde não havia nem GNR nem cavalos.

Com o advento do ministério Portas, um género de valente soldado Scheweik, o serviço militar obrigatório foi extinto, Portugal passou a recrutar mercenários voluntários para o Kosovo, o Afeganistão e até mesmo o Iraque, a troco daquilo com que antigamente se compravam os melões em Almeirim e ainda do bom nome do país, da memória de D. Pedro V e do respeito que se deve à coragem de Fuas Roupinho e à honestidade de Egas Moniz. Quanto aos melões passaram a chegar-nos de Espanha, com as cores portuguesas na etiqueta e a surpresa do preço no curto silvo electrónico das caixas registadoras.

Entretanto tudo mudou. Depois do ministério Portas o único militar de que o país dispõe é o general Loureiro dos Santos, na reserva, a quem as diversas televisões muito pouco tempo deixam para as guerras e para a antevisão atempada dos conflitos do próximo milénio, tanto o ocupam na explicação das tácticas de Alexandre o Grande, de Napoleão Bonaparte e do Santo Condestável que Deus tenha. Ao mesmo tempo que se acabava com o serviço militar obrigatório, com o qual o país não era nem mais, nem menos do que é com os paisanos da política que o decompõem, impunha-se que cada candidato a GNR tivesse previamente cumprido dois anos de serviço militar, nem que tivessem sido como auxiliares do oficial capelão, a ajudar à missa e a guardar os paramentos nas improvisadas sacristias.

Em dois anos os candidatos que se apresentaram a concurso desceram de 16 para pouco mais de dois mil e, destes, setenta e cinco por cento reprovaram nas provas de cultura geral a que foram submetidos. Muitos houve que confundiram a imagem de um cilindro com uma medida de litro sem asa, outros que não souberam dizer qual o primeiro nome do primeiro-ministro José Sócrates, e alguns ainda que julgavam estar a concorrer para teclistas ou baixos e não para agentes de mandar soprar no balão!

1 Comentários:

Às 7:40 da tarde , Anonymous Anónimo disse...

Dois pequenos dramas:
a) A baixa cultura/formação escolar dos candidatos da mili (começo a falar castelhano). O desinteresse desta população pela sua melhoria académica.
Adaptados a uma certa boa vida na mili, o pouco gosto em queimar pestanas a estudar e prepararem-se para a vida/GNR.
b) A relutância da juventude portuguesa que concorria à GNR nos niveis anteriores (dezena de milhar), em sugeitar-se por dois anos ao incómodo e ao esforço ainda presentes no serviço da mili.
x)Lindo futuro.

 

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