Domingo de manhã
Porto.
Domingo, manhã de verão. Os termómetros a prometerem mais de 30 graus
centígrados. As ruas desertas às oito da manhã, uma brisa fresca que corta a
canícula que desce e ocupa todos os espaços. A mesma cidade, perdida no tempo,
só ruínas, destroços e palavras ocas de políticos por correspondência. Que
prometem a morte à memória da cidade e a ressurreição às carreiras deles, sem
esforço, sem trabalho e sem risco.
É
cedo para a vida que há de retomar se na segunda feira de manhã, os bancos
abertos, os cofres vazios, o contribuinte a transpirar euros para a crise e
para a desemprego. É cedo até para a missa de quem usa velhos hábitos de ir à
igreja todos os domingos, curvando a cabeça e esperando pela hóstia. Quantas
igrejas tem a cidade? Muitas, tantas que nunca serei capaz de nomeá-las todas.
Grandiosas, ricas, monumentais. Desprezadas também, à falta de cuidados e de
restauro. Fica um nome apenas: Santa Clara, com a sua talha dourada e a vontade
de D. João I, a casar se na Sé, do outro lado da rua. No cimo da Penaventosa,
um nome a que me rendo, um princípio que me fascina, uma história que se
esquece.
Nas
esplanadas vazias um ou outro casal de idosos acoita-se à sombra dos
guarda-sóis, troca olhares, enreda-se no namoro, nunca é tarde para nada. Há
sempre um amor por que se esperou a vida toda e que surge exatamente esta
manhã, fugindo à frente do calor e da brisa que lhe ameniza o ímpeto e as
intenções. Passeio aqui, passeio acolá, um ou outro grupo de jovens, descalços,
senta-se no piso já quente do pavimento. Despertam da noite que não dormiram,
com a memória da muita cerveja consumida ainda a transbordar dos copos e das
vozes. Magros e doentes, esquecidos até pelo calor que já sobra, há passageiros
da droga que vagueiam à procura de destino. Hão de encontrá-lo num portal
fechado, onde dê alguma sombra. E hão de dormir pelo dia fora, os rostos e a
ressaca contra o fresco do cimento.
Assim,
domingo de manhã, com a cidade deserta,
fica me a sensação de que as ruas me pertencem por inteiro. Posso ocupar as
sombras, escolher o percurso, atravessar as ruas, ignorar os semáforos.
Regressar a casa, resguardar me do calor, ingerir líquidos como mandam. E
lamentar esta pena de cidade, sem pessoas e sem vida! Só destroços e promessas
ocas...
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