9 de setembro de 2020

Minha Mãe: treze anos

 

Minha Mãe: na ponta dos meus dedos, depois de treze anos, repousa ainda o insustentável frio do teu rosto. Alisaram-se-te as vastas rugas esculpidas pela idade, virou de pedra o teu sorriso de olhar o mar, voou sozinho o pequeno melro nascido no ninho feito no arbusto à esquina da casa. Está ainda distante o amadurecimento dos medronhos que vão crescendo à sombra esparsa dos pinheiros. O tempo parou sob a inusitada canícula de setembro. A sombra dos carvalhos protege do sol as melancias expostas no largo da igreja, enquanto o padre, vindo de fora, apressa o fim da eucaristia e o início da procissão à roda da colina, para celebração da festa grande e para venerar-te.



Tudo mudou, todos os velhos morreram e até eu já sou mais velho do que tu. Talvez por isso, sou o único a ter memória de todos os antigos caminhos que sobem pela encosta, até ao alto onde apenas rangem os ramos dos pinheiros mansos. O único ruído que atravessa o silêncio da tarde e a breve brisa marítima que chega da beira-mar, derrubando as pinhas abertas de onde caiem os pinhões que se espalham pela terra erma dos carreiros. Além do eco esganiçado e próximo do latido do rafeiro que me sai ao caminho, escorrendo do meio do tojo agreste. O último grande afecto que cultivámos em comum e que te protegeu todos os curtos passos, enquanto por ali andaste a desbravar passados. Até perder o faro e a companhia, e ver chegar as temporãs chuvas do outono.