30 de julho de 2004

O Estado é mau em tudo

O Estado, genericamente e em sentido amplo, é mau em tudo. É mau proprietário! Não acautela o seu património e não zela as suas propriedades. Permite que as invadam, deixa que se abatam em ruínas. É mau senhorio! Mesmo quando pratica rendas baixas não assume as suas responsabilidades e não faz manutenção daquilo que aluga. Não condescende com atrasos nos pagamentos e calcula juros a taxas de especulação. É mau inquilino! Regateia o valor das rendas até valores que não dão para a dízima e, mesmo assim, não paga a horas por falta de verbas. Paralelamente vandaliza a propriedade alheia, cola folhas de calendários nas paredes e esburaca tectos e soalhos. É mau aluno! Verifica-se sempre no ano seguinte que nunca aprendeu nada no ano anterior, como com os incêndios. É mau gestor! Porque o dizem o engenheiro Ludgero Marques e o senhor José Manuel de Mello. E ainda porque gasta dinheiro em submarinos que não servem para o combate aos incêndios. Nem tão pouco para que o ministro os use para viajar até Bruxelas, de forma a comparecer a horas às reuniões com o doutor José Barroso.

Mas o Estado é uma entidade abstrata de que todos somos parte. Invariavelmente mal gerido por pessoas como nós, que nós elegemos para o dirigir. O que significa que a culpa é nossa porque votámos em incompetentes, votamos em incompetentes e seguramente votaremos de novo em incompetentes. Se o sistema o permite, o sistema está errado e deve pertencer à cadeia de que fala o doutor Dias da Cunha. Então é preciso reformá-lo para que o Estado melhore. Para que seja melhor proprietário, melhor senhorio, melhor inquilino, melhor aluno. E sobretudo melhor gestor para que não gaste em inúteis campos de futebol e poupe em meios de prevenção de incêndios.

Guilhermina Suggia: a morte há 54 anos

A 30 de Julho de 1950, na sua casa da Rua da Alegria, na cidade do Porto, morreu Guilhermina Suggia. Depois de uma intervenção cirúrgica, em Londres, tinha regressado ao Porto, para morrer, duas semanas antes. O seu funeral saiu de sua casa, a 1 de Agosto, para o cemitério de Agramonte, depois da missa de corpo presente na Igreja da Lapa. Tinha 65 anos e nascera no Porto embora o seu prestígio artístico tivesse sido adquirido essencialmente nos salões londrinos.

Não quero deixar em claro o trabalho exemplar e a devoção que a Guilhermina Suggia têm devotado Vírgilio Marques e Catarina Campos. Tanto mais que, diariamente, passo em frente ao número 665 da Rua da Alegria pelo menos duas vezes. Para verificar que a casa alberga, nesta altura e nas traseiras, uma oficina de motociclos. Depois de ter sido pouso de uma central sindical, paraíso para ratos e esperança especulativa de qualquer construtor civil. Curiosamente vem sendo sujeita, de há uma ou duas semanas para cá, a uma maquilhagem apressada, sem cuidados, com o efeito imediato de um disfarce nada conseguido. Discos de esmeril fizeram por branquer-lhe o granito da frontaria, borraram-lhe as paredes com um rosa-pantera e aplicaram-lhe nas caixilharias de madeira uma qualquer coisa que pudesse assemelhar-se a verniz.

Nada de resto e para além disso pessoalmente me espanta. A vida e o tempo, infelizmente, habituaram-me a descrer das instituições e das pessoas que ciclicamente as dirigem. O Porto e a sua Câmara Municipal ignoram Suggia, como ignoram tantas coisas e tanta gente que não merecem o esquecimento. Deu-se-lhe o nome a uma rua que, por ironia, não fica a mais de 500 metros da casa que foi sua, onde viveu e onde morreu. E de cuja curta descrição toponímica, para o muito pouco que sei, constam algumas evitáveis incorrecções.

29 de julho de 2004

Segredo bancário

O presidente do Peru, Alejandro Toledo, autorizou ontem o levantamento do segredo bancário, de forma que as autoridades judiciais possam investigar denúncias de enriquecimento sem causa nas últimas semanas contra si e sua mulher, Eliane Karp. O mandatário disse que a autorização é extensiva tanto ao seu património "pessoal" como "conjugal". Esta é uma medida firme e radical, tendo em conta o meu papel como Chefe de Estado, disse Toledo, que discursava por ocasião da festa de independêndia do país. A popularidade do presidente está em baixa, entre sete e nove por cento.
[Público, Mundo, 29.07.2004]

Li a notícia com a naturalidade europeísta de quem sabe que, em Portugal, posição idêntica pode ser facilmente assumida por qualquer pessoa, do presidente da república ao comandante dos bombeiros de um qualquer concelho que arde todos os anos, por esta altura. O segredo bancário em Portugal não é notícia, até porque não afecta as contas sediadas em seguros e discretos "offshores", para onde nem sequer há voos regulares ou correio directo. Tão pouco o enriquecimento aparentemente sem causa. Em Portugal apenas se enriquece de uma maneira: com os ganhos da especulação bolsista. As cotações da bolsa sobem, ganha-se. Descem? Ganha-se na mesma. Não se mexem, nem para cima nem para baixo? Ainda assim se ganha. Com a certeza de que os ganhos conduzem ao enriquecimento inevitável, quase sempre acidental, quantas vezes até indesejado. Nada se pode fazer para contrariar os insondáveis caprichos do destino. E o destino, como se sabe, marca a hora. A lista dos milionários que a bolsa produz cresce de ano para ano. Até mais do que aquela que vai crescendo com a crise da indústria textil do vale do Ave onde os prejuízos continuam a ser investidos em moradias de luxo, em automóveis de topo de gama e em namoradas de países de leste. Por isso os industriais reclamam contra a insuficiência das ajudas do Estado, berram pela alteração imediata das incompreensíveis leis laborais e esperam pelo aumento da produtividade. O ministro promete satisfazer-lhes a vontade e dar seguimento às suas justas reinvindicações.

A questão do segredo bancário só realmente pode ser notícia do peru e, a sua quebra, porventura consequência de perua ainda em fase de ressaca. Ou no Peru, país distante, quase com nome de galinha, latino-americano, que apenas se sabe ficar em casa do diabo mais velho, terceiro-mundista e, portanto, perfeitamente desprezível.

28 de julho de 2004

Os traidores... fuzilam-se!

O presidente da Câmara de Proença-a-Nova, Diamantino André, foi acusado pelo seu partido, o PSD, de traição por ter participado numa acção de apoio ao candidato ao cargo de secretário-geral do PS, José Sócrates, na semana passada, em Castelo Branco.

O PSD local ficou indignado pelo facto do autarca ter aparecido ao lado dos socialistas numa acção de carácter estritamente partidária e apresentou queixa ao conselho de jurisdição nacional dos Autarcas Sociais Democratas, ASD.

A presença insólita do autarca é de estranhar e repudiar, refere um comunicado da comissão política concelhia, sublinhando que o PSD de Proença-a-Nova não pode pactuar com indecisões, traições ou qualquer acção que ponha em causa os valores da social-democracia e do PSD no concelho de Proença-a-Nova e que todos os militantes, autarcas e eleitos do partido devem defender em todos os momentos e circunstâncias o partido.
[Público, Nacional, 28 de Julho de 2004]

Ora cá está uma atitude sensata e uma concelhia que patrioticamente se empenha na intransigente defesa da sua quinta, dos seus caciques e dos ideais perseguidos pela social-democracia, à semelhança do governador da Madeira e do impoluto deputado Silva, de Águeda. Não se pode, de facto, pactuar ou sequer conviver com o inimigo. A não ser assim iríamos um domingo destes encontrar o primeiro-ministro e o Dr Louçã sentados à mesma mesa num dos restaurantes do Guincho, aproveitando a ausência do professor Marcelo na sua novena vespertina. Ninguém ainda imaginou o Dr Portas, aquartelado no centro do forte, a receber para o almoço de domingo o deputado Bernardino Soares, sentando-se ambos ao abrigo de um guarda-sol, a petiscarem uns pipis e a saborearem umas cervejas enquanto a televisão passava a missa no convento do Beato e a D. Cinha, em altos berros, cantava êxitos planetários da D. Ágata.

Por mim, sou franco! Desde que assinei a proposta para sócio do Boavista nunca mais ninguém me ouviu falar do seu presidente nem tão pouco do seu pai ou das funções que ambos desempenham. E toda a gente sabe como isso é difícil! E mais! Cortei de todo com alguns amigos e muito mais conhecidos que militam ou simplesmente torcem pelo inimigo. Seja ele o FCP, o Salgueiros ou os Passarinhos da Ribeira. Esqueci de todo alguns passeios de Verão que até tínhamos feito em conjunto, queimei as fotografias que os recordavam e estabeleci um novo itinerário diário para evitar passar à porta de qualquer deles. Ponham lá os da VCI um boneco de um dragão à porta, de metal ou de pedra, que em segredo sou voluntário para lá ir de noite a pintá-lo aos quadradinhos brancos e pretos. Há-de ficar bonito o bicharoco, muito mais bonito do que os sacanas puseram a felina e gloriosa pantera à entrada do Bessa.

Tudo isto sem contemplações e sem a mínima cedência. Os traidores não se expulsam que isso queriam eles para voltar a casa, calçar as pantufas e aninharem-se ao borralho. Não! Os traidores fuzilam-se em público, no largo da vila, para exemplo!

No dia nacional da conservação da natureza

Com o enfado próprio de quem tem a praia à espera - com o mar sem ondulação e a água a convidativos 22 graus - e a ansiedade de quem vê esgotarem-se os lugares sentados nas esplanadas da Quinta do Lago, o governo de Verão terá hoje o seu programa aprovado pelo parlamento. Por entre algumas quatro moções de rejeição das oposições, cujo somatório dá zero noves fora nada, e uma moção de confiança da maioria, que representa uma fracção cujo numerador é nulo, podem todos, confortavelmente, correr para casa a apressar o arranjo das malas e voarem aos respectivos destinos.

Por ironia, sem moções de confiança e sem reservatórios onde os helicópteros possam reabastecer-se de água, com a benção do Estado, o país comemora o Dia Nacional da Conservação da Natureza. Fá-lo enquanto, como há anos, a paisagem arde de norte a sul. Por entre as cinzas que escorrem da Serra da Arrábida para o mar e as labaredas que lambem o cocuruto dos pinheiros no Parque Nacional da Peneda-Gerês o ministro mantém-se politicamente ausente. Segundo afiançam está preso a Lisboa na procura de instalações dignas para o gabinete e, já agora, prevenindo as vertigens que sempre lhe deram as viagens de helicóptero e salvaguardando o verniz espelhado dos sapatos.

27 de julho de 2004

Porto: Muralha Fernandina

Porto: restos da chamada Muralha Fernandina

26 de julho de 2004

Centro de informação sobre Darfur

É pena, é lamentável que muitas vezes as tragédias passem ao lado da atenção que concentramos em assuntos mais directamente relacionados connosco e mais próximos de nós. É nesse aspecto de todo louvável a mensagem que o Nuno dirigiu a um leque relativamente alargado de bloggers. Do mesmo modo pudesse a atitude de cada um de nós contribuir para a divulgação do drama e, indirectamente, para a respectiva resolução. África é, por ironia do destino e capricho ambioso dos homens, um continente mártir. Onde, mais do que em qualquer outro lado, os índices de mortalidade infantil são escandalosos, a esperança matemática de vida é um cálculo que se resume à utilização dos dedos das mãos e a fome - no sentido em que representa a insuficiência de calorias indispensáveis para manter a vida - é a perspectiva com que amanhecem milhares de crianças e adultos.

Não temos, nenhum de nós, razões racionais para apregoarmos sociedades ditas da ambudância e reclamarmos como vértices do desenvolvimento humano aquilo a que chamamos sociedades de consumo. Enquanto acontecerem tragédias com a de Darfur não há sociedades de abundância nem de consumo. Assim houvesse uma vergonha colectiva que nos responsabilizasse a todos. E pudesse impôr que estas situações não ocorressem e fossem definitivamente expurgadas.

Santana: o homem incompleto

A revista Grande Reportagem, que passou a ser distribuída com o Jornal de Notícias, Diário de Notícias, Açoriano Oriental e DN (Madeira) inclui na edição de sábado passado, dia 24, um trabalho assinado por Torcato Sepúlveda que, lamentavelmente, não pode ser encontrado on line. Mas, mesmo assim, não deixam de merecer destaque especial as seguintes passagens:

O seu quotidiano é caótico. Divide-o entre a política, os negócios e o ensino - só começando a trabalhar depois das 11h00 da manhã - e as noites tempestuosas nas discotecas de Lisboa e do Algarve. Participa num cruzeiro pelo Mediterrâneo, surgindo nas fotografias das revistas cpr-de-rosa com um colorido lenço em volta da cabeça, à maneira de um pirata. Apaixona-se por uma jovem cujo pai ameaça dar-lhe um tiro de caçadeira. As zangas e reconciliações com Cinha Jardim são cíclicas e passam a integrar a liturgia das crónicas mundanas nacionais.

Um político africano que o teve como professor na Faculdade de Direito de Lisboa, não resiste à comparação com Marcelo Rebelo de Sousa:
Marcelo é sabedor, estudioso, brilhante. Santana nem preparava os pontos que nos marcava. Não compreendo a direita portuguesa - entre o génio e o preguiçoso, prefere o preguiçoso.

Fora da política, as experiências redundavam em fracasso, como a presidência do Sporting, direcção da qual saiu corrido e acusado de despesismo e ineficácia; ou a sua passagem meteórica pela Amostra, departamento de sobdagens da Universidade Moderna... A sua presença na comunicação social torna-se obsessiva, desde jornais até televisões... Chega ao ponto de caricaturar o próprio desejo quando participa no programa A Cadeira do Poder, da SIC, onde perde o lugar de primeiro ministro virtual para José Manuel Torres Couto e o apresentador, Artur Albarran, lhe entrega um cheque em directo.

Em Dezembro de 2001 ganha a presidência da Câmara de Lisboa. Prometeu tudo a toda a gente: u túnel no Marquês de Pombal que permite a entrada de mais automóveis em Lisboa; o fecho das faixas laterais da Avenida da Liberdade, enquento toda a via não pudesse ser encerrada ao trânsito; tornar o transporte público fashionable, proibição de automóveis em certos bairros históricos, mas parques de estacionamento por todo o lado; hotéis de charme e esplanadas no Terreiro do Paço; recuperação do Parque Mayer, com regeneração da revista à portuguesa; liberdade para a iniciativa privada, mas ameaça de expropriação aos proprietários que tardassem na rcuperação dos seus prédios; casas para jovens no centro da cidade e regresso em quatro anos de 200 mil pessoas que haviam abandonado a capital; piscinas, pavilhões desportivos e jardins em todas as freguesias; e, cereja em cima do bolo para alegrar até a extrema esquerda, a possibilidade de salas de chuto. Que resta hoje destas promessas?

Depois disto apenas se não compreende como Miguel Sousa Tavares, depois do Tabagismo e do FCPortismo, adquiriu outro vício extremado: o Anti-Santanismo. Afirma, com total desplante, que «Santana tornou-se possível essencialmente por culpa nossa, dos jornalistas, entre os quais directamente me incluo. Sempre lhe desculpámos o vazio ...». Ora isto é absolutamente falso: todos os jornalistas dos jornais de opinião sempre embirraram com Santana Lopes, sempre o abominaram, sempre zombaram dele como vítima da exclusão cultural.



25 de julho de 2004

Serviço público...

Enquanto esta tarde o país ardia e os incêndios obrigavam ao corte da auto-estrada do norte, na zona de Torres Novas, a nossa querida televisão de serviço público transmitia uma tourada. Detidos quase no meio das chamas, sem possibilidades de prosseguir a sua marcha, os automobilistas entraram em pânico, hesitaram, não sabiam que fazer. Mal ou bem, optaram por inverter a marcha e seguir em contra-mão. A brigada de trânsito, provavalmente, entretinha-se num outro ponto qualquer a garantir que nenhum condutor excedia os 120 quilómetros por hora previstos no Cógido da Estrada. Não foi isso suficiente para que não ardessem casas, não morressem animais queimadas, não houvesse pessoas de repente mais atingidas pela miséria.

Por muito que isso nos custe, desacreditamos de todo: este país é uma merda. A última tragédia nacional foi o resultado da bola contra a Grécia!

23 de julho de 2004

Uma lição de cátedra

Está aqui. Onde fui ter graças à coluna da esquerda - de que outro lado poderia ser, carago? - destes bacanos.

Carlos Paredes para sempre

Carlos Paredes: 1925 - 2004Tivesse o teu país sabido merecer-te e ninguém daria pelo facto de hoje, compacta e insistentemente, apenas se falar de ti e se ouvir aquele conjunto de sons impossíveis que só tu conseguias arrancar ao conjunto de doze cordas tensas. Enquanto tu, discreto, pelo fim da madrugada, seguias tranquilamente o teu caminho, carregando a guitarra às costas, caminhando lento e desengonçado, o sorriso mordaz encovado no fundo dos olhos tristes e inquietos. Hoje não acabou nada porque, como na química, nada se perde e tudo se transforma. Não é tempo de despedidas nem de invocações. Nada mudou! No pino do Verão Lisboa espera uma temperatura máxima de 34 graus centígrados. Deixa-nos com tudo o que foste e com tudo o que és. Como sempre, não são necessárias as palavras que sempre te embargaram a voz. Tão só te basta a agilidade dos dedos e o turbilhão de ideias com que, estarrecidos, nos quedamos a ouvir-te. Para sempre!

22 de julho de 2004

Porto: património mundial - 1

Em plena cidade baixa, em frente ao edifício do Jornal de Notícias. Instalações onde funcionou o grupo de teatro Os Modestos do Porto. À atenção da Dra Teresa Caeiro, digna secretária de Estado das Artes e do Espectáculo. A rapaziada contenta-se com pouco. Acha é que o país deve preservar as suas instituições e as construções que as acolheram. Isto não é um pedido de subsídio. É a oportunidade que se lhe oferece de começar o grande trabalho a que se referia antes da sua tomada de posse o presidente do seu partido. Cujo nome, por lamentável lapso de memória, me não ocorre.

Isto no caso de nada se ter alterado e de V. Exa., continuando a ser filha e neta de militares, não ter sido de novo remetida para a Defesa nacional. A bem da moral das tropas e da definitiva reconquista de Olivença aos castelhanos.

Cronologia de uma anedota anunciada

Ontem, em Viana do Castelo - havemos de ir a Viana ó meu amor de algum dia! -, confortado na sua condição de ministro de Estado, da Defesa nacional e dos Assuntos do mar, Paulo Portas ajeitava-se no seu fato de riscas enquanto encomendava barcos. Num lapso revia a trapalhada do Dr Guedes, ministro do Ambiente, que acha que o ministério não serve para nada e que, assim sendo, nada o impede de desempenhar o cargo em part-time. Excepção aberta, a pedido, para o ordenado, as verbas adicionais e as mordomias que aceita receber por inteiro. De preferência sem recibo, sem que o facto seja divulgado, para que não possa chegar ao conhecimento do amigo das finanças e do tesoureiro do Benfica.

Matutava nas contingências da vida, no que penara para chegar onde chegou. No tirocínio que fizera percorrendo feiras e mercados, incluindo as bancas de peixe e os locais de venda de animais vivos. No muito que tivera que estudar para colmatar algumas falhas de formação no aspecto militar tanto mais que, na mocidade portuguesa, nunca desajeitadamente fora além de chefe de quina. Mas valera a pena - tudo vale a pena se a alma não é pequena! - porque hoje dispunha das tropas, exonerava-lhes os chefes e indicava uma secretária de Estado adjunta e para os ex-Combatentes.

Anunciou-o depois, orgulhoso, com a vaidade contida num dos bolsos de dentro do casaco. Era um acto histórico em tantos anos. Nem D Afonso Henriques, o Condestável ou mesmo o frouxo D Sebastião tinham tido a ideia, quanto mais a ousadia. A selecção fora complexa, a publicar anúncios, recolher respostas e analisar currículos. Mas lá conseguira encontrar uma mulher, filha e neta de militares. O que fora difícil porque os militares, como se sabe, quase sempre preferem e optam por fazer filhos varões, relegando as mulheres, quando lhes caiem em sorte, para as lides domésticas, os chás-canasta e, mais recentemente, para a medicina. Enquanto o bastonário da respectiva Ordem lhes não vetar o acesso e as remeter, de regresso, à nobre missão de ter filhos e prepará-los para a conversão dos comunistas e a divulgação do terceiro segredo de Fátima.

A decisão, por palavras próprias, revelava visão e modernidade. Visão acrescida para quem, como ele, nem sequer se socorria de óculos, tão pouco frequentava a consulta do oftalmologista de família. Modernidade porque os tempos que correm lhe são favoráveis, a par de outras modernices mais esquisitas que não vale a pena enunciar. E assim começava a cronologia, em regime de contra-relógio, como nas bicicletas!

16:17
É divulgada a lista oficial dos secretários de Estado. Teresa Caeiro vem designada como Secretária de Estado Adjunta e dos Antigos Combatentes.

16:36
O ministro da Defesa, Paulo Portas, faz declarações em Viana do Castelo, sobre Teresa Caeiro. É a primeira vez que uma mulher exerce um cargo governativo no sector da Defesa, sublinhou Portas, acrescentando que Teresa Caeiro tem experiência governativa e é filha e neta de militares.

18:00
Hora marcada para a tomada de posse dos secretários de Estado. A cerimónia não arranca nessa hora.

18:28
Em plena espera para a cerimónia de tomada de posse no Palácio da Ajuda, é divulgada a notícia de que Teresa Caeiro passa da Defesa para a Cultura e será a nova secretária de Estado das Artes e Espectáculos. Paulo Portas explica que houve um "acerto final". Teresa Caeiro revelou-se mais necessária na Cultura do que na Defesa, justifica o ministro.

18:36
Nova lista oficial dos secretários de Estado, já com Teresa Caeiro como secretária de Estado das Artes e Espectáculos.

18:55
Começa a cerimónia da tomada de posse, com 55 minutos de atraso, devido à mudança de Teresa Caeiro da Defesa para a Cultura. Foi necessário alterar o auto de posse.
[cronologia de uma anedota: segundo o jornal 24 Horas]

P.S. - No meio disto tudo o país apavorou-se. Os noticiários da rádio invadiram a noite. Os jornais encheram de parangonas as primeiras páginas. Os profissionais da comunicação social excitaram-se, entraram em transe, cederam às facilidades da histeria ou aos calores ocasionais da menopausa, conforme os casos. Felizmente durante a manhã veio à antena da TSF o comissário político - ou cronista do regime? - Luís Delgado. Como sempre, ponderado, sensato, inteligente, brilhante e toda a sequência de qualificativos que o almirante Thomaz costumava usar. Para salientar que na América que é a América, no início do seu primeiro mandato também Bill Clinton - que por acaso até era democrata! - Caíra numa série de equívocos e fizera uma série de asneiras. Publicando anúncios, recebendo respostas, analisando currículos e admitindo estagiárias. Caindo até na desfaçatez de "comer" algumas delas e de o confessar publicamente. E não foi por isso que deixou de ser um dos maiores presidentes que a Casa Branca já acolheu. O que é verdade. Com o seu metro e noventa de altura!

21 de julho de 2004

Rendo-me à evidêndia da trapalhada

A fama de chegar sempre atrasado à aula fica com o menino Tonecas. O proveito, segundo me asseguram, fica com o ex-ministro, small size, Marques Mendes. Ao que parece nunca usou relógio, não tenciona usar e sustenta um fino ódio de estimação por quem usa. Não acontece isso com o governo do Dr Santana que hoje ficou completo. É um governo às direitas - muito mais do que se pensa! - que não compromete e não trai princípios elementares. À semelhança de quem o indigitou, pondera maduramente as decisões. Um secretário de estado que era às quatro da tarde já deixou de ser às seis para tomar posse às sete. Tudo para que, democraticamente, o primeiro ministro possa ter o governo que quer, quando quer, com as pessoas que quer, nos lugares que quer. Como disse!

O governo nasceu ao ritmo a que as empresas de trabalho temporário arranjam ocupação para os candidatos inscritos. Se houver mais afilhados há mais secretarias de estado, gabinetes, assessores e contínuos. Com o devido respeito, que os contínuos não têm culpa nenhuma. O ministro da defesa considerava histórico que pela primeira vez na história uma mulher fosse secretária de estado da defesa nacional e dos ex-combatentes. Quer dizer, fosse minha secretária de estado! Era inovador, era chiquérrimo, a Lili certamente aplaudiria e o Zé Chateau levaria a notícia para a Riviera. Além disso a senhora apresentava-se com qualificações, filha e neta de militares. Como o ministro! Inveterado visitante de quarteis e conhecido apreciador das delícias do mar.

Isto começa a ambientar-se

O país, mais ou menos estupefacto, chegou a pensar que este governo era apenas um equívoco do Dr Jorge Sampaio. Indesejado, lastimável e porventura fatal para a sua popularidade, mas simplesmente um equívoco. Mas o tempo vai permitindo que o país, que é lento de raciocínio e de pedalada, comece finalmente a encaixar as peças do puzzle. Desde logo como a sua composição foi sendo conhecida, seguindo os mesmos critérios dos sorteios semanais do totoloto, embora a velocidade reduzida. Sempre depois de ter aceite todas as apostas e todos os palpites e de não permitir o acerto na combinação escolhida. Depois de duas semanas em que apenas se ouviu o silêncio da meditação presidencial seguiu-se apenas uma em que pessoas houve que foram convidadas para ministros de oito pastas, tomaram posse em quatro, renunciaram em duas e acabaram a não ser nomeados para nenhuma.

Depois a forma como os ministérios foram arrumados e as modernas designações que lhes foram atribuídas. Desde logo, por exemplo, o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território para que foi nomeado o Dr Luís Nobre Guedes, amigo próximo e incondicional do titular dos assuntos do mar, correlegionário do Dr Paulo Portas e destacado militante do CDS, também conhecido por PP. Ao que consta, todavia, o Dr Guedes não é ministro, é presidente de uma comissão liquidatária porque ele próprio, em tempos, teria advogado a extinção daquela pasta. Sendo assim vai seguir-se, sem concurso público e por ajuste directo, a venda ao desbarato e eventualmente por lotes das tralhas sem préstimo que de há tempos vêm sendo acunuladas pelos serviços. Provavelmente alguns dos proveitos daí resultantes aparecerão, no futuro, em tranquilas contas bancárias abertas na Suiça, em nome de um discreto e bem sucedido motorista de táxi.

Agora vêm Os Verdes que, como a alface e o agrião, são quem está mais próximo do ambiente, contestar a nomeação e invocar a incompatibilidade do cargo atribuído ao Dr Guedes com os cargos que desempenha ou desempenhou e com o rol de clientes de que o seu escritório de advogado cobra honorários. O ministro, à maneira democrática que professa, recusa comentar. Nunca foi de dar confiança a vermelhos, quanto mais a verdes. A única cor que tolera, de longe e de sempre, é o azul. E, mesmo assim, sempre entendeu que as listas brancas estavam a mais. Então ser presidente da assembleia geral de duas sociedades tem alguma importância? Prestar serviços à sociedade das reciclagens - por ironia designada por Ponto Verde - merece algum reparo? Naturalmente que não e que, como dantes, quartel general em Abrantes e está tudo bem.

20 de julho de 2004

Palácio do Freixo: pormenor dos jardins

Palácio do Freixo: pormenor dos jardins

Talvez mais do que Nicolau Nasoni conhece-se, no Porto, a sua obra mais emblemática: a Igreja dos Clérigos. Mas este arquitecto italiano deixou a sua marca espalhada pela cidade em inúmeras obras para além daquela que o país conhece. O palácio do Freixo é uma delas, recentemente recuperada e ainda sem destino estabelecido.

Porto: pontes ferroviárias

Pontes de D. Maria e de S. João

Pontes ferroviárias do Porto: D. Maria e S. João. A primeira, como é hábito na zona e no país, está ao abandono desde que a segunda foi inaugurada e passou a ser sistematicamente utilizada pelos comboios que atravessam o rio Douro. Apesar de ser obra do arquitecto Gustavo Eiffel e de dever, no âmbito do mais ligeiro sentido de senso comum, constituir importante património da região e do país.

19 de julho de 2004

José Mourinho ainda não é número um

Se quisesse um trabalho fácil ... teria ficado no Futebol Clube do Porto, numa bonita poltrona azul, troféu da Liga dos Campeões a meu lado, Deus e, depois de Deus, eu.
[José Mourinho, treinador de futebol, em declarações à TV Guia]

Ao menos! Mesmo tarde, apenas depois de ter ganho uma taça de Portugal, dois campeonatos da Superliga, uma taça Uefa e uma Liga dos Campeões e de ter partido para empregado bem pago de um russo qualquer, sou forçado a reconhecer-lhe a modéstia e a humildade que o pai, Félix Mourinho, lhe enaltece. Mesmo que, já em Londres o tivesse ouvido dizer que Tiago não é um grande jogador, é apenas um bom jogador. Para ser um grande jogador precisa de trabalhar, sob as suas ordens, durante dois anos. Mas, mesmo assim, acaba por reconhecer, com a sua tal característica humildade, que Deus ainda está acima dele no organigrama. Não diz é por quanto tempo ainda vai permitir essa situação!

18 de julho de 2004

Freixo: entre o palácio e a ponte, o Douro!



Numa tarde quieta e quente de Julho como a de hoje. Por entre batelões descendo o rio, motos de água cedendo aos caprichos de jovens marinheiros de água doce e barcos rabelos transportando turistas com o auxílio poluente dos motores. Para o resto, o Douro morreu. A faina fluvial é agora outra. O vinho não desce rio abaixo ao encontro de Vila Nova de Gaia para se crismar em vinho do Porto. Não há cargueiros que subam, transbordando de cereais, para acostarem ao cais das moagens Harmonia. Tão pouco que vindos do mar vençam o Cabedelo e venham de entranhas prontas para o cimento da Secil.

17 de julho de 2004

O Dr Sampaio já tem governo

De novo, ao fim de duas semanas, regresso da minha ida a Ourém sob um quente e cinzento céu de Verão. Ouço música durante a viagem e deixo de lado o interesse pelas notícias. Nunca é tarde para a desgraça e, assim sendo, esta bem pode esperar. Arrumo o automóvel e subo as escadas - dois andares - de regresso a casa. Num saco plástico carrego uma melancia, fruto que apenas saboreio uma vez por ano. Há muitos anos. A melancia é um fruto simpático: sendo de boa qualidade, é refrescante. Mesmo não sendo, é enganadora e traiçoeira para quem a não conhecer: verde por fora, revolucionariamente vermelha por dentro. Com a particularidade multiracial das sementes: pretas umas, brancas outras. Dou por mim a ensaiar comparações que esqueço rapidamente. As escadas, felizmente, são curtas e a melancia é demasiado pesada. Não adianta pensar no que me lembra ou no que me faz lembrar.
 
Em casa ponho-me indecorosamente de chinelos. Esperando não escandalizar os rígidos princípios de decoro da vizinha da frente: uma velhinha com mais de setenta e cinco anos, viúva, cabelo esmeradamente tratado e - penso eu - confortável pensão de reforma. Confortavelmente aumentada pela ex-ministra das finanças nos dois últimos anos. Na intenção de fazer de Portugal um dos países mais desenvolvidos da Europa. Atiro-me, como se isso fosse um desporto radical, à procura das notícias. Importantes desde logo duas. Avidamente nem lhes tomo o gosto, engulo-as inteiras como se fossem comprimidos. Mas sem sequer precisar da ajuda de um qualquer líquido.
 
A primeira: Lance Armstrong chega aos Pirinéus, mobiliza as tropas, ataca por ali acima, destroça o inimigo. Parece W. Bush a atacar o Iraque: vai tudo à frente. Com a diferença de não haver petróleo em Andorra e de Armstrong comandar ele, em pessoa e no cenário real, a batalha pela amarela. Que ainda não conseguiu. Resta saber quando unilateralmente declarará terminada a guerra, decretará a democracia e será atacado por todos os resistentes ases do pedal. Nós temos atrás dele, como aliado, um nosso compatriota. Que se não limita a anunciar a chegada dos convidados e a apresentar aos comensais a lista de vinhos. Sem que isto me recorde seja quem for e, seguramente, sem que haja comparação possível. Nem com nada. Nem com ninguém.
 
A segunda: para que tudo fosse de sua responsabilidade o Dr Sampaio empossou o seu governo. Que ontem, a coberto do pseudónimo de Santana Lopes, ele próprio anunciara. Com treze ministros - que pode dar um azar do caraças quando se sentaram à mesa do Gambrinus - seis dos quais fora do prazo de validade como os iogurtes. Dos outros sete, uns aposentados, outros desconhecidos. Nem tendo quem o faça - o professor Amaral recusou o convite - o Dr Sampaio faz ele próprio o elogio do governo. Que cheira a esturro e parece sopa requentada que tem bispo, aquele amargo sabor a fumo. A cerimónia é suave, Santana está divertido, até ousa uma graçola ou outra. Fala de rigor orçamental, o que me faz rir e me recorda Guterres a dar uma conferência sobre a aritmética e a sua complexa aplicação ao PIB. Bagão fará seminários sobre finanças públicas e os mais de oito anos que Jacob, associado do Benfica com mais de vinte cinco anos de quotas em dia, penou à espera do triunfo na superliga. E vai continuar a penar.
 
O Dr Sampaio está feliz e contente. A mulher e os filhos orgulham-se dele. O Herman José vai convidá-lo para aquele programa cujo nome se esqueceu. O major Loureiro sugere que se reveja a constituição e se proponha Sampaio para um terceiro mandato e se aumente a duração deste para dez anos. Que as legislativas se realizem quando a maioria absoluta do eleitorado o requerer. Que as autárquicas se realizem quando os eleitos morrerem ou quando pedirem escusa, desde que esta obtenha o parecer favorável da maioria dos munícipes, do pároco e do sacristão, nos casos em que este ainda exista.
 
O Dr Sampaio tem um presidente. O Dr Sampaio tem uma maioria. O Dr Sampaio tem um governo. Como se isso não bastasse, o Dr Sampaio tem ainda um cartão de sócio do Sporting Clube de Portugal.
 

16 de julho de 2004

Obras de Santa Engrácia perdem monopólio

A globalização chega a tudo. Onde ainda não chegou, ameaça. Prudentemente as instituições e as pessoas previnem-se. Acautelam-se. Tomam previdências. Os serviços públicos criam novas direcções, recrutam directores e subdirectores no exterior. De forma expedita, sem concurso. Seleccionam os melhores, os que têm cartão e sabem de cor e salteado a salve rainha que interessa. A pretexto da globalização o país vive em pânico. O cidadão comum não sabe o que isso é, mas sabe que não é bom. Os idosos convencem-se de que ela os fará morrer mais cedo.

As obras que nunca acabam deixaram de ser monopólio de Santa Engrácia. Têm hoje, no que respeita a Lisboa, a concorrência feroz do túnel do Terreiro do Paço. Pelo menos. Que começou a ser escavado em 1994, mesmo sem autorização da tutela, para poupar tempo e dinheiro. Como no Centro Cultural de Belém, na Expo 98, na Ponte Vasco da Gama na Casa da Música. Passados cinco anos nem o governo acreditava que pudesse estar pronto em 2002 e custar os 24 milhões de contos inicialmente previstos. Seria uma ignomínia. Desde início que houve dúvidas sobre o local por onde o tunel deveria passar, devido à conhecida fragilidade do solo. Em 1999 o advogado José Sá Fernandes atrapalhou-lhe a marcha, embora por pouco tempo. O progresso não pode parar, o futuro nunca espera pelos retardatários.

À semelhança de quem o concebeu e o pôs em marcha, a 9 de Junho de 2000 o túnel começou a meter água, a terra abateu e o solo continuou a afundar-se lentamente. Decidiu-se inundá-lo de vez. Um ministro da época atribuiu a culpa ao excesso de confiança, a modos da selecção antes do jogo contra a Grécia. Avesso ao celibato anunciou que a culpa teria noivo e acabaria casada. Foram-se fazendo acusações, aos árbitros, às mulheres, aos progenitores e aos filhos. Prometia-se o fim das obras para 2003. Em Julho de 2004 um miúdo que ainda aprende a tabuada e sabe subtrair conclui que passaram dez anos. João Soares só se apercebera de uma diferença de menos de um milhar de votos. A culpa ia ficando irreversivelmente para tia. Desflorada e violada vezes sem conta, nenhum malandro a levava ao altar. Faziam-lhe filhos e não assumiam a paternidada.

Arrojado, o ainda ministro das obras públicas admitiu em Dezembro passado que havia alguns atrasos. Com coragem, arriscando imagem, funções e presença na televisão do Estado. Agora vai-se embora para ser presidente de uma coisa para que não foi eleito, o que está na moda. O Dr Sampaio dá-lhe uma oportunidade mas todas as tardes apontará de Belém o seu óculo de longo alcance, a ver se as pessoas ainda atravessam o estaleiro do Terreiro do Paço. Em 2005 a obra deve estar concluída. A menos que o rio seque de todo. Sempre ajudaria a ganhar alguns meses na cerimónia do corte da fita.

15 de julho de 2004

O ministro da agricultura vai embora

Um amigo meu, que S. Pedro já sentou à sua direita, na condição de não usar telemóvel nem quebrar o segredo de justiça, tinha uma mulher culta, instruída e simpática. Mas, apesar disso, bastante doente: tinha todos os sintomas, sofria com tudo o que era dor, engolia tudo quanto era cápsula ou comprimido, disponibilizava as nádegas para quanto era agulha de seringa e mezinha injectável. Quando o encontrava, por educação elementar que também recebi, perguntava-lhe como ia a esposa. Respondia-me invariavelmente: vai bem felizmente. Sabe, ela para aguentar com tanta doença tem que ter uma saúde de ferro!

Ontem, ao ouvir o ainda ministro da agricultura, lembrei-me deste meu amigo, da respectiva mulher e daquilo que me dizia. Por linear analogia. Mais ou menos o ainda ministro da agricultura dizia a repórteres que o questionavam que não estava disponível para eventualmente participar no novo governo. Não, não tinha nada contra o indigitado primeiro-ministro, proclamado da varanda do município, como se a data fosse o 5 de Outubro. Tão pouco contra o desertor, que já se não sabe se ainda é ou se já não é, cuja imagem vai chegando até nós exercitando línguas estrangeiras e sorrisos pepsodent. Nem sequer nenhum receio da reforçada fiscalização que se adivinha por parte dos fiscais da Emel, do universo dos revisores de contas e do inquilino de Belém. Não se manifestava disponível apenas por cansaço, ao fim de dois anos e meio de pesados trabalhos no exercício de funções.

Tem razão o ministro e, antes que se veja coagido a consultar psiquiatras, ingerir ansiolíticos e ser estreitamente acompanhado por uma equipa de psicólogos, é melhor que se recolha a um isolado monte alentejano, proteja a moleirinha do sol do meio dia e repouse tanto quanto puder, seguindo um regime alimentar ligeiro e saudável. Porque de facto é preciso muito e árduo trabalho para manter inoperante, inútil e inexistente um ministério monstro que dá pelo nome de MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS.

A prová-lo fica o trabalho deste maduro - sem nenhuma intenção pejorativa, bem pelo contrário! - com o serviço público que nos presta a todos ao descrever 10 dos 29 serviços do ministério, onde se incluem 7 de âmbito regional. E isto, veja-se, para que, felizardos, possamos comer cebolas e tomates vindos de Espanha, peixe capturado pela frota espanhola, frangos degolados em Espanha, bife de reses abatidas em Espanha e tentar combater alguns incêndios com aviões e tripulações vindas de Espanha. E, apesar disso, manter as nossas vacas loucas, sem acompanhamento médico e sem internamento hospitalar. O que, creio, se fica a dever à reduzida dimensão dos serviços de veterinária. Exactamente onde o amigo tinha de interromper a descrição, porra!

A continuidade das políticas...

À atenção de quem a impôs, por via de um acordo de cavalheiros, por falta de disposições constitucionais que lhe dessem cobertura. O acordo começa a ser traído quando publicamente apenas foram anunciados os nomes de dois ministros. Resta esperar para ver o que se seguirá e aguardar pelas declarações do Dr Dias da Cunha. Mas isto deve ser o sistema a funcionar. Ainda antes do sorteio da superliga, do arquivamento do processo do apito e da promoção a desembargador do filho do assessor jurídico da Câmara de Gondomar. As condecorações terão que aguardar pelo dez de Junho, ainda quase tão distante como o próximo S. João. Das Fontaínhas, carago!

14 de julho de 2004

Os incêndios de Verão

Para não variar aí estão de novo, intensos e trágicos, os incêndios de Verão. Para não variar também aí estão de novo, alinhadas e monótonas, todas as contas do rosário das lamentações. Falta tudo! Faltam acessos, zonas de corta-fogo, aviões, helicópteros, tripulações, viaturas, homens, mangueiras, material o mais diverso. Apenas não falta, infelizmente, o fogo. Ah! E o ministro, mesmo em saldo, sobra todo. Ninguém lhe pega. Nem indo por aí fora, abruptamente, na percentagem do desconto. Sugere-se que seja incluindo num lote de trastes e monos em que ninguém tenha ainda mostrado o mínimo interesse. Para que seja adjudicado a um feirante que tenha possibilidades de o passar na Ladra ou na Vândoma, ainda pela madrugada, a coberto do lusco-fusco!

Questões elementares

Sendo eu ribatejano por razões de nascimento e erros de obstetrícia, portuense pela crise da habitação e carestia de vida, português por pormenores de passaporte e desdita do destino e negro pela leitura compulsiva de Vinícius de Moraes, submeto à superior e inteligente consideração de V. Exa. as seguintes questões essenciais:

Sendo o ministério da cultura do tomate transferido para Santarém será de imediato construído o TGV que o ligue ao paternal e protector Terreiro do Paço? Os combóios movimentar-se-ão a velocidades idênticas às que Michael Schumaker atinge no circuito de Hocknheim, sem perigo de descarrilamento? Nenhum juiz, ainda mesmo que desembargador, terá fundamentos jurídicos que lhe permitam embargar a obra por imprevisíveis atentados ao pudor? Não haverá presos preventivos nem tão pouco respeitáveis cidadãos, vestindo Versace, que sejam obrigados a termo de identidade e residência? Em protecção dos mais desfavorecidos, o passe social será válido para o respectivo percurso, sem aumento de preço ou redução arbitrária de regalias? Incluindo mesmo os mais necessitados, como os chefes de gabinete, os secretários de estado e o inimitável Luís de Matos Delgado? O desenho dos fardamentos a usar pelos funcionários será encomendado a Fátima Lopes que terá que respeitar o uso tradicional do barrete de campino? E Fátima Lopes será justa e convenientemente remunerada, mas em espécie, de preferência em diamantes das plantações angolanas de José Eduardo dos Santos?

Assim sendo, fico muito mais tranquilo e manifesto-me disposto, sem condições, a aceitar o irrelevante cargo de adido cultural no vizinho distrito de Leiria, com direito a casa, mesa e roupa lavada. E verba conveniente para despesas de representação. Pode V. Exa. fazer o favor de me convidar, antes que o Dr Pedro Roseta, mesmo ficando-lhe à desamão, venha a saber e a interessar-se pelo lugar.

13 de julho de 2004

Pasmem os heróicos lusitanos

Data: 13 de Julho de 2004, terça-feira. SIC Notícias, jornal das 9. Em estúdio uma apresentadora de aspecto ainda jovem e frequentes tiques à Manuela Moura Guedes. Ainda o Secretário de Estado José Manuel Soares, calvo, nitidamente mais velho do que ela. Também Duarte Caldeira, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses. Propósito ouvir a opinião de ambos sobre a actualidade dos fogos no país, nomeadamente no concelho de Portel. O diálogo, iniciado pela apresentadora.

Começo por si, secretário de estado! ...

Mais adiante:

Ó Duarte Caldeira! ...

Conclusão! A rapariguita afinal apenas parecia mais nova do que ambos os convidados. De facto não o era, a avaliar pela familiaridade manifestada para com eles. Devem até ter mesmo frequentado a mesma escola de costura ou cumprido o serviço militar na mesma unidade. E se calhar ainda se encontram às sextas-feiras à noite para o copo da ordem, com as alcagoitas à mistura. Esta gente podia até não ter sido educada de forma a saber lidar com o próximo. Mas devia ao menos ter tido umas aulitas de ética no ensino básico. Ou ser instruída por um qualquer chefe que tenha frequentado o ensino secundário ou sido membro dos escoteiros da paróquia. Até o convívio com o sacristão teria auxiliado a mais correcto desempenho!

12 de julho de 2004

Pior a emenda do que o corneto

Ontem à noite, no seu habitual sermão de domingo, o cónego Marcelo Rebelo de Sousa dizia, parece que a título de mera curiosidade, que tinha ido à missa do 30º dia da morte do professor Sousa Franco e que encontrara amigos e colegas. Quanto a políticos, vira dois. Um deles, recordo-me, tinha sido Guilherme Oliveira Martins que tinha relações de proximidade com Sousa Franco que teriam exactamente criado amarras na faculdade. Relativamente ao outro, honestamente, escorreu-se-me o nome à mesma velocidade a que foi pronunciado do púlpito. Creio ter sido José Sócrates mas não tenho memória que possa garanti-lo.

Mas, também, o importante não é isso. É o número de políticos que, passado um mês, se recolheu à nave de uma igreja para um acto religioso em memória de um correlegionário morto na curva do caminho que ainda está ao alcance da vista. Sintomático! A describilização da política - toda! - não é isto mas é também isto. O político move-se por inconfessáveis interesses, particulares ou de grupo, sem projectos de interesse colectivo e com o fito nos bens materiais e no poder económico. Luís Figo será deputado quando quiser, desde que o queira, fundamentalmente pelas ideias que o mundo político tem sobre o saldo das suas contas bancárias. E não propriamente pela facilidade com que o seu pé direito coloca uma bola no lado oposto do campo, a quarenta metros de distância.

Adiante! O apresentador de serviço correu a esclarecer, pouco depois, que afinal também Ferro Rodrigues estivera no adro da igreja para dar um abraço solidário à viúva. Apenas não entrara por não ser católico. O raciocíonio é válido para qualquer edição do Big Brother a para a erudição dos respectivos participantes. E pergunta-se se Ferro Rodrigues assumiu o mesmo comportamento relativamente à missa de corpo presente que fez parte das cerimónias fúnebres. Porque não se entende que o facto de se não ser católico impeça seja quem for de assistir à procissão das velas no Santuário de Fátima. Sem ser obrigado a rezar a Avé Maria e o Padre Nosso!

11 de julho de 2004

Para que conste: 11 de Julho...

...de 1822. As Cortes Constituintes votaram a Lei Eleitoral; a primeira, em Portugal, a prever o sufrágio directo e secreto. Completam-se hoje 182 anos, incluindo hiatos, interrupções e recursos.

10 de julho de 2004

O circo

Não percebo! Especialmente sendo eu, desde sempre, um fervoroso admirador do circo, não sei como acontece esta coisa estranha de conviver tão mal com o quotidiano político desta nesga de terra plantada entre Melgaço e Vila Real de Santo António. Às vezes fica-me a amarga sensação que isso se deve ao desacerto dos equilibristas e ao excesso de palhaços sem grande habilidade para a pantomina. Logo eu, que não sei por que carga de água, sempre entendi como uma traição a morte de Camus sem ter escrito sobre o circo. Ele, que eu pensava ser a pessoa indicada para o fazer! Malhas que o império tece...

Se assim aconteceu, assim está certo

Se assim aconteceu, assim está certo! Nem se compreendia que o sítio continuasse a insistir na megalomania de fingir eleições, nomear primeiro-ministro e exaurir recursos em mordomias e automóveis de luxo à prova de bala. De verdade qualquer presidente de junta, artilado, com o antiquado hábito de rapar a barba todas as manhãs e passar um aftershave perfumado, usar camisa lavada com a fralda metida dentro das calças, ambas de marca mesmo que compradas na feira de Carcavelos, facilmente poderia suportar o fardo. E, à transumante maneira da província, aqui chamada de "país profundo", continuar a acumular com o sucesso da gestão da serração que aproveita para tábuas os pinheiros lambidos pelos fogos ávidos de Verão ou da cerâmica que vai transformando em tijolo-burro terrenos que ontem eram de cultivo onde medrava o milho de regadio para alimentar moínhos de água.

Assim fica melhor e o sítio não terá mais que adaptar-se a alguns diferentes hábitos e familiarizar-se com diferentes pronúncias e periféricos neologismos urbanos. Ganha a pátria e a D. Margarida Rebelo Pinto, com lugar certo na academia e no olimpo. Contra a burocracia das locomotivas da CP, à velocidade a que atravessavam o Douro suspensas na ponte de D. Maria, o sítio passará a despachar mais e mais frequentemente. Despachará de tudo, desde sumo de laranja com vodka, a cerveja sem álcool, vinho verde, mistelas diversas reinventadas em shots e até Martin's de 20 aninhos como a primeira dama de honor da miss universo. Despachará informalmente, perto do bebedor, nas docas, levando o serão, em directas de trabalho, a unir-se à alvorada do dia seguinte. Há-de descobrir-se quem, pela zona de Santos, sirva o chocolate quente que anuncia a madrugada e os croissants a fumegar ainda o calor trazido do forno.

Bonacheirão há-de aparecer pela matina, madrugador, o vigilante olhando a densa neblina sobre o rio e o comportamento do noctívago despacho, do alto do seu varandim de previlégio, com vista para o descanso justo e para o conforto da pensão de reforma próxima. Talvez que com o dissipar da bruma lhe apareça, subindo para o Cais das Colunas, esse de há tanto desaparecido D. Sebastião, por alcunha O Desejado!

9 de julho de 2004

O ritual do Haraquiri

Com o devido respeito, tomo a liberdade de trancrever daqui a descrição do ritual do Haraquiri. Quem quiser pode ir ao site e ler quanto ali está escrito sobre os samurais. Falta de imaginação ou não, nada mais há que me ocorra.

O Harakiri é um dos mais intrigantes e fascinantes aspectos do código de honra do samurai: consiste na obrigação ou dever do samurai em suicidar-se em determinadas situações, ou quando julga ter perdido a sua honra. Significa literalmente "corte estomacal". Esse suicídio ritual é também denominado seppuku, que é uma forma mais elegante de dizer exactamente a mesma coisa.


Várias circunstâncias podiam levar o samurai a praticar o harakiri:
- Como castigo e forma de recuperar a sua honra pessoal, uma vez que esta foi perdida em alguma atitude indigna do nome da sua família e/ou dos seus ancestrais;
- A fim de evitar ser prisioneiro em campos de batalha, pois entre os samurais era considerada uma desonra render-se ao adversário; assim, preferiam renunciar à vida do que entregar-se aos inimigos. Além disso, a rendição também não era uma boa escolha, pois os presos eram quase sempre torturados e maltratados;
- Num acto de pura lealdade, o samurai chega a matar-se para chamar a atenção ao seu senhor acerca de algo de errado que este esteja a fazer, advertendo-o. Alguns samurais também se suicidavam ao ver o declínio dos seus senhores, ou mesmo quando estes morriam, como forma de acompanhá-los eternamente e seguir o preceito de que um samurai não serve mais que um daymio na sua vida.


O ritual do harakiri era praticado da seguinte forma:
O suicida banhava-se, de forma a purificar o seu corpo e a sua alma e dirigia-se ao local de execução, onde se sentava à maneira oriental. Pegava então na sua espada curta [wakizashi], ou num punhal afiado e enfiava a arma no lado esquerdo do abdómen, cortando a região central do corpo e terminava por puxar a lâmina para cima. Era importante o corte ser no abdómen, pois era considerado o centro do corpo, das emoções e do espírito pelo povo japonês. Assim, o samurai estaria literalmente a cortar a sua "alma".
A morte por evisceração era lenta e dolorosa, e podia levar horas. Apesar disso, o samurai devia mostrar absoluto controlo, não podendo dar sinais de dor ou medo.


Ao lado do suicida ficava um amigo ou parente, o "kaishakunin", que portava uma espada. Era uma espécie de assistente do ritual; se o samurai demonstrava não conseguir suportar mais a dor, o kaishakunin dava-lhe o golpe de misericórdia, decepando sua cabeça. Seria considerada uma imensa falta de respeito se a cabeça do samurai rolasse diante de seus parentes, que geralmente também assistiam à execução. Por causa disso o kaishakunin devia acertar o pescoço do samurai de modo a deixar a sua cabeça pendendo, para que esta não fosse degolada. Assim, o kaishakunin devia ser um exímio espadachim, pois não poderia falhar o corte. Era uma função considerada honrosa.
Tornou-se costume entre as famílias de samurais ensinar o filho homem, na véspera de ingressar na vida adulta, o modo exacto de se praticar o seppuku.


Nem sempre o ritual era seguido à risca com todos os seus detalhes. Em alguns casos extremos, como em campos de batalha, onde não havia tempo para tais preparos, o samurai abandonava a vida apenas enfiando a espada em sua barriga.
O primeiro harakiri registrado na história data de 1170, quando Minamoto Tametomo, figura quase lendária do clã Minamoto, se suicidou após perder uma batalha contra o também famoso clã dos Taira.
O suicídio ritual tinha grande significado para o povo japonês. Vencendo o medo da morte, o samurai vencia também esse grande enigma da humanidade e destacava-se então das outras classes existentes na época. É esse mesmo espírito do samurai que levou os pilotos suicidas [os kamikazes] a explodirem junto com os seus aviões durante a 2ª Guerra Mundial.

Rui Rio diz que não muda de casa

A casa continua com inquilinoAs coisas são como são. Pão, pão. Queijo, queijo. Não fosse o diabo tecê-las, Rui Rio antecipou-sa e anunciou já não ser sua intenção mudar de casa, mesmo que alguém, em Lisboa, possa tentar seduzi-lo com outra, com maior número de assoalhadas e com vista para o Tejo. Mantem-se fiel à antiga Praça do Município, - actualmente de Humberto Delgado - com vista para os tapumes das obras do Metro do Porto e para o cavalo da Praça da Liberdade. Não dá para ver mais longe que o Douro corre lá bem mais ao fundo, fora de vista. Assim sendo o Dr Menezes continuará a alimentar a expectativa de que a casa "fique de vago" apenas depois de concluído o mandato e, entretanto, terá de continuar a receber Pinto da Costa por paragens de Mafamude.

Realmente... é melhor dormir a sesta

Nenhuma das decisões de Jorge Sampaio é boa para o País.

[Proença de Carvalho, Focus]


... se ele o afirma, ficamos a sabê-lo! Agora que isto acaba a fazer-nos sofrer mais do que a selecção de futebol no encontro contra a Espanha, não restam dúvidas. O Dr Sampaio ausculta individualmente meio mundo, perturbanco-lhe a ida a banhos e informa-se sobre o que pensam e sobre o que não pensam. Chama a Belém os partidos políticos com assento parlamentar para ouvir o que pensam ou o que não pensam. Alguns alugaram mesmo uma camioneta e deslocaram-se em excursão, parecida com aquelas que as câmaras municipais promovem desinteressadamente. Convoca o Conselho de Estado com o qual se senta à volta da mesma mesa. E, depois de tudo isso, vem iluminado o Dr Proença revelar que nada do que for decidido será bom para o país.

Alguém corra a Belém, porra, que ainda é tempo. Leve a Sampaio a notícia, feito rei mago e diga-lhe que pura e simplesmente não decida. Mande destroçar a brigada do reumático sentada à roda da mesa, mande que lhes sirvam um almoço volante. Ligeiro e modesto como dizem que exige a austeridade do orçamento. Que depois sigam aos seus destinos que o fim de semana obriga. O Dr sampaio, como já cancelou a ida à Indochina, vá à sesta. Não deve ser contra a opinião do Dr Proença e, segundo este, será em benefício do país. Do país da sesta!

8 de julho de 2004

Processo de democratização em curso

Com intranquilidade, sobressaltos e atropelos variados, lá continua, cantando e rindo, o processo de democratização do Iraque. Em má hora decidido por W. Bush que, entre outras coisas, poderá ter abdicado de um segundo mandato na Casa Branca e privado a sua família de alguns convívios ao serão e de férias mais prolongadas no rancho do Texas.

O termo da guerra foi, como se sabe, anunciado da mesma forma como foi divulgado o seu início: unilateralmente e sem testemunhas. Neste ainda foi anfitrião José Barroso, - forget about Durão! - primeiro-ministro do governo de gestão português que, nos Açores, serviu os aperitivos e as entradas. Depois disso a paz vem-se consolidando, cada vez à custa de mais vidas humanas e de mais cruzes plantadas nos cemitérios dos Estados da União. Com a alegria e o orgulho de quem triunfa.

Entretanto, democraticamente, W. Bush fez nomear o governo interino do Iraque com cuja posse rejubilou o povo iraquiano. Especialmente quando lhe foi exibido, como se fosse uma pessoa, o ex-ditador Saddam, usando roupas lavadas e sem rasgões à vista. Convenientemente acorrentado como se fosse descer ao porão de antiga nau transatlântica, de proa já apontada à foz do rio Hudson, a agarrar-se, como voluntário à força, a um pesado par de remos. Para o exercício físico que lhe mantenha a forma e lhe prolongue a vida.

Não perdeu tempo e, democraticamente também, o governo interino tomou decisões que, durante horas, na manhã de ontem, foram aplaudidas em batalhas ruidosas - e ruinosas! - nas ruas de Bagdad. Sem bailarinas e sem danças do ventre, embora com duas mil e uma noites no horizonte. Sendo assim, atribuiu-se as competências necessárias para a imposição da lei marcial, a proibição de reuniões e protestos e a intercepção de cartas e telefonemas. O processo de democratização continua em curso!

Desmascarar a monstruosidade

O caso Felgueiras é uma teia monstruosa na qual a Justiça se deixou envolver. Estive e estou disponível para desmascarar esta teia.
[Fátima Felgueiras, ao DN]


... de preferência a partir da praia de Copacabana, em directo e à hora dos telejornais. O serviço público pode ir contratanto tempo de satélite e seleccionando o enviado especial para me ouvir as desventuras do exílio. Enquanto numa esplanada nos dessedentamos com uma loira. Estupidamente gelada, como Chico recomenda!

7 de julho de 2004

Coligação de carreirinha

Bonito de ver as delegações dos partidos que compõem a maioria na deslocação à Presidência da República. Parecia que ia o partido completo, todos muito bem vestidos, como se fossem visitar a madrinha em Domingo de Ramos. Melhor só ficariam mesmo se fossem de bata de riscado, aos quadradinhos azuis e brancos. Meio monárquicos, meio portistas. Saliente-se o bom comportamento e o ar sisudo dos "his master's voice". Sem pestanejar. Aplausos.

Pena que um ministro de um governo de gestão não tenha lido primeiro os manuais da D. Paula Bobone antes de abrir a boca em frente às câmaras de televisão, envergando um "very british" fato às riscas e afivelando uma máscara sinistra de quem, por Deus, tem o encargo de salvar a pátria e vingar a derrota contra a Grécia. Mas coitado do rapaz porque nem todos puderam frequentar os exemplares internatos dos Maristas. Se isso tivesse acontecido teria o senso comum - porque não era necessário sequer bom senso nenhum! - para não esquecer deliberadamente alguns aspectos e tratar os outros, sejam quem forem, com o mesmo respeito que certamente gosta que usem para consigo. Se é que consegue distinguir...

6 de julho de 2004

Rigorosamente, ao cronómetro

Não ganhámos o Euro 2004 e fomos como os outros - nós duplamente! - vencidos pela Grécia. Área que não domino, deixo à consideração de um qualquer Perestrelo ou José Estebes. Se todos dizem que os gregos não jogam nada é porque não jogam e, sendo assim, ganham. Compreendo, tardiamente, porque razão o Sporting jogando sempre bem perdeu jogos atrás de jogos e campeonatos atrás de campeonatos, durante 18 anos. Até que Augusto Inácio pusesse aquela malta a baixar o pau sobre as canelas dos adversários e deixasse a bola para o recreio dos infantários. Foi o que se viu: ganharam logo! Queira Deus que o tal de Trapattoni, ainda agora chegado, não venha aqui ler isto. Para o Benfica continuar a jogar bem…

Mas uma coisa é certa: a organização foi bué de gabada, o ministro das polícias esmerou-se na segurança e mesmo o ministro Arnault que, como se sabe, nunca esteve de acordo com a desproporção do investimento na bola comenta publicamente que foi o maior sucesso de Portugal nos últimos cem anos. Espaço de tempo para o qual eu pensava que apenas D. Duarte de Bragança pudesse ter memória por via ancestral, de um tio-avô ou coisa assim. Assuntos de linhagem.

Mas foi bonito de ver os jogos a iniciarem-se ao cronómetro, com a mesma pontualidade britânica com que queremos o ordenado na conta bancária e o início das férias. Parece que, mesmo dispensado da marcação do ponto, nem Marques Mendes chegou alguma vez atrasado aos encontros a que compareceu. Ter-se-á apressado, aligeirado as doses de desodorizante e de colónia, descuidado ligeiramente a franja e as madeixas. Mas conseguiu.

O exemplo já tão de repentemente frutifica. Assim, sem perda de nenhum escusado tempo, que é Verão de sol e praia. O conselho de administração da Casa da Música anuncia a inauguração deste orgulho do Porto, com pompa e circunstância, para os dias 14 e 21 de Abril de 2005. Apenas quatro anos depois do Porto 2001, capital da cultura, de que é expressivo emblema. Assim, rigorosamente. Com a exactidão monótona e chata de um cronómetro suíço. A gente não falha, nem brinca em serviço!

Neste país não se passa nada

Ontem desfizeram-se as últimas centelhas do Euro 2004. Até mesmo os cem gregos forçados a pernoitar ao relento de Lisboa, por falta de avião para o regresso, terão voltado a Atenas. Os jogadores ataviaram-se a rigor, de fato e gravata, como se fossem casar-se aos Jerónimos ou a Fátima. Rumaram a Belém, para o almoço. Onde, por entre lágrimas furtivas e discursos, o presidente Sampaio distribuiu condecorações. Como se os rapazes encobrissem nos fatos a heroicidade de um trolha a subir e a descer andaimes, à custa do salário mínimo, para subsistir e mandar à escola meia dúzia de gandulos que se acumulam num barraco periférico.

Depois, à noite, por falta de motivo, a televisão entreteve-se a entrevistar um gajo conhecido das docas e da presidência do Sporting. Último e único emprego que se lhe conhece, às ordens do Dr. José Roquete. Com o cabelo que lhe resta empapado em brilhantina, afivelou um discreto sorriso Pepsodent e enfrentou as câmaras como se gravasse um anúncio para peúgas, com o cachet já previdentemente arrecadado. E disse ele que o governo que aí vem deve incluir pessoas de todos os pontos do país, de Melgaço a Vila Real de Santo António. Passando pela Camacha e chegando à ilha do Corvo. Não esquecendo os pastores da transumância, se ainda habitarem a Serra da Estrela.

Realmente neste país não se passa nada de importante. Se até o primeiro-ministro emigra para jogar no estrangeiro…

5 de julho de 2004

Memória de elefante

O impacto do Euro 2004 ultrapassa tudo o que se fez em Portugal nos últimos cem anos.
[José Luís Arnault, ministro]

É o que se chama memória de elefante, para além da permanente atenção a tudo o que durante aquele espaço de tempo se foi passando no país. Pessoalmente não tenho a mesma memória e, se calhar por isso mesmo, não sou ministro. E isso é esquisito porque nem sequer andei envolvido na implantação da república e não fui mobilizado para a primeira guerra mundial. Pouparam-me, ao menos, ao sacrificado trabalho da abertura das trincheiras. Mesmo mais tarde, o Adolf Hitler só o conheci por fotografia e mal me lembro daquele francês muito alto que era general e se chamava De Gaulle.

Mas é gratificante saber que um atento ministro sabe o que o país fez nós últimos cem anos e o tem apontado tintim por tintim. Estamos em boas mãos com tais sobredotados. Fiquemos agora a aguardar, para ver o que ele diz daqui a outros cem anos.

4 de julho de 2004

Ponto final

Terminou o Euro 2004. Da mesma forma que tinha começado, entre as mesmas duas selecções. A de Portugal e a da Grécia. O desfecho final é conhecido. Nunca, em boa verdade, esta tarde incomodámos a Grécia. Nunca a perturbámos sobremaneira. Deixando aos especialistas os comentários sábios e sensatos, creio que apenas nos podemos queixar da lesão de Miguel que, por si, também não teria conseguido ganhar o jogo.

Fique o meu pessoal desabafo: a melhor selecção que esteve neste torneio foi a República Checa. Com o futebol mais espectacular, de ataque, vistoso, desenvolvido por praticantes acima da mediania. Tiveram algum azar no encontro com a Grécia, com a lesão de Nedved. E depois nos quinze minutos fatídicos do prolongamento em que os gregos conseguiram fazer muito mais do que nos noventa minutos regulamentares. E mandá-los para casa com um só golo.

Quanto à Grécia foi o seu resultado contra a República Checa que, de todo, me deixou apreensivo e preocupado. Tinha, infelizmente, razão. Quando hoje marcaram ficou-me a sensação imediata de que tínhamos perdido ali, naquele momento. Apenas me fica uma dúvida: como é que os russos conseguiram marcar dois golos a esta equipa? Mesmo que ela fosse, no grupo a que pertenciam, a que mais os preocupava. Como desde o início disseram. Não adiantam lamentações. Ponto final.

2 de julho de 2004

Marlon Brando, 1924 - 2004

Marlon Brando


Nasceu em 3 de Abril de 1924 em Omaha, Nebraska. Morreu a 1 de Julho em Los Angeles, Califórnia. Como salienta o Barnabé, não se fazia ideia que fosse mortal. Afinal era.

A transparência política do Estado

Em Portugal o cidadão comum, o cidadão sensato, não confia no Estado. Não confia no Estado nem naqueles que, pela via do voto, o dirigem politicamente a partir do topo. A rejeição é reacção involuntária, subconsciente, visceral. O cidadão já nem precisa de pensar e de ponderar prós e contras de tão escaldado que está. Mas, mesmo assim, o Estado não se cansa de dar ao cidadão mais e maiores argumentos para que amplie e mantenha viva a desconfiança.

O Estado age cada vez mais com o estatuto de malfeitor e tem consciência disso. Especialmente quando proclama o interesse nacional em relação a decisões que toma e depois, como um cobarde, se embuça, confunde-se com a noite encostado às paredes de ruas mal iluminadas e se porta como salteador medievo. Por um lado a ministra das finanças - se ainda existe com cargo e cadeira a que possa sentar-se! - instiga os contribuintes a que reclamem do picheleiro a emissão de factura pelo conserto de uma torneira. Por outro recruta no sector privado um director geral para o serviço dos impostos, sem obediência a regras, sem a realização de nenhum concurso e com um ordenado que, no mínimo, será cinco vezes superior ao que ela própria aufere. Um director cujo coeficiente de inteligência não foi divulgado mas que, seguramente, será superior ao dos 700.000 funcionários públicos que foram preteridos. Nenhum destes terá no fundo discordado da medida. Mas passarão os próximos tempos empenhados a solicitar a protecção dos deuses para que sejam benévolos com os coeficientes de inteligência que se dignem conceder aos seus filhos.

Agora, um dia destes, a coberto da noite e bem no fundo de uma qualquer caverna que se presume lúgubre, húmida e doentia, no gabinete da ministra, foi conferida posse a esse director que, como se sabe, apenas persegue o interesse nacional e o bem comum. Como o primeiro-ministro que, coagido, parte a engrossar a emigração, longe da pátria que tanto ama e da mãe que lhe assegurava o sono tranquilo de um anjinho, mesmo sapudo. Não houve cerimónia pública, nem convites aos dirigentes da administração tributária, nem presença de jornalistas. Um qualquer contínuo que ocasionalmente atravessava os corredores apercebeu-se do acto e, quebrando o segredo de justiça, trouxe-o para a luz mortiça dos candeeiros do Terreiro do Paço.

A comunicação social questionou o ministério sobre o assunto porque a sua função é questionar. Umas vezes de forma sensata, outras de forma obtusa. Desta vez de forma sensata. O ministério respondeu porque uma das suas funções é responder. Umas vezes de forma obtusa, outras de forma obtusa. Desta vez, para variar, de forma obtusa: o director geral de Impostos tomou posse, ontem, nos termos exactos previstos na lei. Lapidar!

As conferências de imprensa na Academia de Alcochete - 2

A conferência de imprensa de ontem acolheu a entrada dos jogadores na sala com palmas dos jornalistas. Digo bem, com palmas! Surpreso, apenas deixo a questão: então os profissionais de comunicação social não são, por princípio, eticamente isentos? Ou o aplauso passou a ser uma forma de demonstração da isenção? E a pateada? Passou a ser uma forma de demonstração de parcialidade? Como nos últimos dias tem insistido Pacheco Pereira: pobre país, o nosso!

As conferências de imprensa na Academia de Alcochete

Diariamente a TSF acompanha, em directo, as conferências de imprensa realizadas na Academia de Alcochete a que estão sempre presentes dois dos jogadores de futebol seleccionados para a campanha do Euro 2004. Tais conferências são dos maiores sucessos humorísticos que o país já conheceu, muitas vezes dignas do non-sense do nosso grande Raul Solnado da guerra de 14-18. E, contra o que se poderia esperar, não é apenas pelas respostas obtidas, genericamente equilibradas. É, muito mais, pela natureza tola das perguntas que são feitas.

Ontem, por exemplo, um qualquer profissional da comunicação social, muito provavelmente com canudo de licenciatura no bolso, atacava Cristiano Ronaldo: como é que acordou hoje? O rapaz, com o seu sotaque fino, à Alberto João, deveria talvez ter respondido: olhe, de bexiga cheia, com uma vontade de mijar do caraças. Mas não respondeu!

1 de julho de 2004

J. Pacheco Pereira: Coisas que devem ser ditas

Domingo, Estádio da Luz: Portugal - Grécia



Sem comentários. O que for, será. Mas há uma motivação adicional: o desaire da abertura ainda está bem fresco!

Valentim Loureiro inclui a merda no Guinness

O distinto oficial do exército português, major Valentim Loureiro, na reserva, foi ontem absolvido num processo que lhe foi movido por um agente da PSP, por injúrias que lhe terão sido dirigidas. O caso remonta a inícios de Outubro de 1999, altura em que Valentim Loureiro terá discordado das intenções de dois agentes da PSP, os terá abordado e lhes terá dirigido algumas palavras menos pensadas e mais mal cheirosas.

A absolvição fundamentou-se no facto de apenas ter ficado provado que Valentim Loureiro terá utilizado o vocábulo merda. Não se apurou todavia se terá dito isto é uma merda ou vocês são uma merda que são, explicitamente, expressões distintas de todo. A merda, como certamente saberão, é a mesma. Substantivo do género feminino, de consistência e cor variáveis, com cheiro activo e desagradável, cuja intensidade pode igualmente variar. Muitas vezes utilizada pela patologia clínica para a realização de análises cujos resultados constituam meios auxiliares de diagnóstico. Mas, por mais consistência, cor, cheiro ou utilidade que tenha, não deixa de ser merda.

Consulto, debalde, o meu vulgar Dicionário Editora à procura do vocábulo merda: não consta! Faço a pesquisa no Google para as páginas escritas em língua portuguesa. Sou mais afortunado: cerca de 149.000 páginas de merda. Repito a pesquisa no Sapo que me devolve resultados muito mais modestos: apenas 11 resultados. Nova tentativa no Yahoo com resultados surpreendentes: cerca de 1.530,000 respostas e ainda sugestões imaginativas e de utilidade. Also try: di merda. Did you mean: merida? Sponsor results: Merda - $7.89.

Homem culto e amigo do seu amigo, Valentim Loureiro contribuiu para que a situação fosse pelo menos minimizada e reclamou a inclusão do vocábulo no Guinness porque o mesmo implicou várias sessões de um julgamento e o dispêndio de muito dinheiro. E, com Guinness ou sem ele, nada justifica que se gaste, em tempo de vacas magras, tanto dinheiro com merda. Não é época de o país se alhear e se deixar ir em merdas!