30 de março de 2009

Menos encanto

Fui a Coimbra com um propósito antigo e sempre adiado: visitar o Jardim Botânico. Para além do gosto pessoal, poderia admirar espécies únicas e exercitar a minha curta habilidade para a fotografia. E o meu desejo foi induzido pelo prestígio de que a instituição disfruta e, ainda, pelo conteúdo do sítio de que a mesma dispõe na internet.
Ao mesmo tempo poderia rever alguma coisa da cidade, que não visito com frequência e que, de facto, não conheço como gostaria.

Mas esqueci-me que Coimbra, como o Porto, é uma cidade portuguesa. Gerida pelo mesmo tipo de políticos com que a fatalidade nos presenteou e que ajudaram a que desembocassemos na crise que não entendem. A cidade, como o país, está velha e decrépita. Esboroa-se em ruínas, cresce em entulho, à míngua de cuidados e manutenção. Definha! E, com ela, o Jardim Botânico, onde Brotero, mesmo de pedra, se contorce enquanto D. Afonso Henriques volteia no túmulo.

A maior parte do jardim está vedada ao público, com lentas obras em curso ou à espera delas. O abandono é notório e o desleixo sem qualificativos. Parece ter sido deixado à sua sorte, à espera do euromilhões e de verbas com que os orçamentos da cidade e do país se não preocupam. Prioritárias são as mordomias, as ajudas de custo e os automóveis topo de gama que devoram os quilómetros das auto-estradas. Ao mesmo ritmo a que o ministro das finanças nos vai ao bolso e o licenciado em engenharia civil autoriza "outlets" e delapida o erário colectivo com maluqueiras de Alcochetes (a localidade estará por acaso assombrada?) e pesadelos de TGVs para ir a Madrid pedir esmola.

Para acreditar nas muitas espécies centenárias que povoam o Jardim Botânico de Coimbra, e que vão resistindo, é preciso visitá-lo. Para acreditar no abandono e no descuido a que está votado, também. Entregue à gestão da universidade de maior prestígio do país, não se podem assacar responsabilidades a quem o dirige. Mas cheira a falta de dinheiro em tudo o que é erva, Musa x paradisiaca, Strelitzia nicolai ou Eucalyptus cornuta. Que pena que, como sempre, não saibamos preservar a história e as riquezas que ela nos tem legado!

18 de março de 2009

Barqueiros

Até há dias o país não ouvira falar de Barqueiros e menos ainda na escola que leva o sinistro nome da Lagoa Negra. Até o ignorado presidente da Junta de Freguesia ter achado que não seria de todo muito normal ter 17 crianças de etnia cigana enjauladas num contentor, plantado no pátio, a tentar aprender a cartilha do Sr. João de Deus. E não hesitou nos qualificativos, classificando linearmente a situação como de segregação.

A primeira reacção pública, creio, veio da DREN. Sendo que DREN quer dizer Direcção Regional de Educação do Norte ou Margarida Moreira, o que vem a dar no mesmo. Exímia no uso da língua portuguesa, como já anteriormente certificara o Sr Vasco Pulido Valente, a senhora não deixou méritos por mãos alheias e negou tudo, à boa maneira do Sr Jô Soares e dos seus saudosos programas.

O Sr Presidente da Junta saberia do chafariz da terra, dos cadernos eleitorais porque vai haver eleições e, provavelmente, até da agenda do pároco e dos horários das missas. Mas de educação sabia zero e,pior do que isso, nem sequer tivera o cuidado de se informar.

Primeiro o contentor não é um contentor, mesmo que o pareça. Mas, como se sabe, nem sempre o que parece é e, sendo assim, é um monobloco, seja lá isso aquilo que for. Porque o ouvi já chamar a cofres que, apesar disso, são estruncados e a automóveis que, nem por isso, deixam de ter o seu preço agravado com impostos, a bem da nação, do governo e da avaliação dos professores. Depois o que foi feito teve o consentimento dos pais das crianças que aplaudiram o uso do tal monobloco, dotado de porta e de janelas gradeadas à frente e atrás, que asseguram a integridade dos seus filhos contra a hipotética intrusão de cães vadios, gatas com cio ou mesmo remotos descendentes dos povos celtas. Para não falar no lobo ibérico e no lince da Malcata!

E sendo discriminação, apesar de tudo, valha-nos Deus e a D. Margarida Moreira: é positiva! O que quer dizer que a discriminação é como a temperatura, podendo ser negativa ou positiva. O que, por outro lado, implica uma discriminação negativa. A daqueles a quem não é permitida a segurança oferecida pela gaiola. Fosse eu pai de um dos alunos que utilizam as salas de aula normais e estaria revoltado. Não me conformaria, revoltar-me-ia mesmo, com o facto de ter um filho discriminado negativamente!

8 de março de 2009

A pândega

Apesar da distinta crise este país é um país pândego. E esse, honestamente, é o factor que mais me anima a aceitar o aumento dos impostos e das taxas moderadoras para ajudar à recuperação(?) e aos bolsos vazios e necessitados do governo. Haja boa disposição, haja sentido de humor, haja criatividade. Seja esta da Fátima Lopes, desenhadora de traparias, de Afonso Candal, digno descendente do celebrado autor de um qualquer manifesto anti não sei o quê ou mesmo do injustamente ignorado José Eduardo Martins, linguista de palavra fácil e indiscutível erudição.

O norte, como sempre e como Rui Reininho, é uma nação, carago! E lidera na criatividade política como há muitos anos lidera no futebol. O que é um orgulho para o país e uma mais valia para a geminação com a Galiza. Ainda agora o Sr José Lello, com dois eles, divertiu meio mundo com a sua rábula sobre o poeta Alegre e o seu comportamento a "raiar a falta de carácter". O Sr José Lello, com dois eles, assume-se, muito justa e despretenciosamente, como o guardião da moralidade e do carácter. E tenha o licenciado em engenharia civil algum respeito e alguma consideração e fará dele, ainda antes das calendas e do mundial de futebol da África do Sul, ministro para salvaguarda da virtude e extinção do vício. Já não bastava o guarda Augusto, com apenas um a e o seu jeito político para a porrada e para a sociologia...

Mas o norte é pródigo e pândego muito mais do que parece e muito mais do que as suas figuras políticas deixam entender. O pediatra Menezes, a meio de uma convenção e dois bolinhos de bacalhau, admite fazer pressão e deixar que as palavras lhe saiam com bolinhas, como a seven-up. Não se perfila para nada, a não ser para as sessões de febras durante as campanhas eleitorais, mas sempre sugere o distinto Branco para candidato a Matosinhos e o incontornável Borges para candidato a Loures. E amanhã, antecipa-se, há-de sugerir a Sra Ferreira Leite para candidata à freguesia de Marvila... A ver se o Oriental, finalmente, consegue regressar à primeira divisão!

5 de março de 2009

O regresso

Poderia ter voltado pura e simplesmente porque se me esgotara a preguiça ou porque me regressara o bom senso. Mas não, nem uma coisa, nem outra. A crise não fez com que uma entregasse a alma ao Criador. Tão pouco que o outro renascesse das cinzas e tivesse ressuscitado ao fim de meses de ausência. Mas é todavia por causa da crise que regresso. Atento às palavras do presidente da república, de momento no estrangeiro, colaborando na demolição do muro de Berlim e aos incentivos do primeiro ministro, regressado da sua excursão à feira de Espinho.

A crise, de facto, é como a Toyota: veio para ficar. E é importada, como aquela marca e como reafirma o primeiro ministro. Fosse ela indígena, de esquerda ou de direita, e bem o guarda Augusto lhe teria malhado como é seu hábito, seu gosto e sua competência de ministro. E até de nada valeu que o seu colega Manuel tivesse sobrevoado a autoestrada, a mais de 200 à hora, para chegar ao Terreiro do Paço a tempo de assinar a portaria decretando o seu falecimento, muito antes do seu nascimento. A crise, sacana, é como os gatos: tem sete fôlegos, mais os que não foram inventariados. E, assim sendo, com ela apenas lucra a Servilusa, Cangalheiros, Sa.

A crise justifica tudo e atinge todos. Impôs alojamentos pouco convenientes a banqueiros muito inteligentes e melhor sucedidos. Afectou de modo irreversível a memória, outrora privilegiada, de ex-ministros e conselheiros de Estado. Levou os lucros da Galp a níveis mais pornográficos do que o carnaval de Torres Vedras, embora com o contributo de administradores de alto gabarito, com tirocínio na direcção de autarquias falidas e de ministérios com polícias. Alterou dicionários, substituindo vigarice e fraude por imparidade e contabilidade criativa. Levou o Banco Central Europeu a descer taxas de juro e os bancos da Rua do Ouro a aumentar aquilo a que, em mirandês, chamam "spread", continuando os clientes do crédito habitação escravizados para a vida. Inspirou o licenciado Sócrates a lançar um pacote de medidas Complex II que vai permitir, finalmente, que eu deixe de carregar comigo o boletim da vacina contra a febre amarela. Uma doença terceiro mundista que se usa na Guiné Bissau. Onde ainda mata, a par com a cólera, a raiva, as bombas com detonação remota, as catanas e as antiguidades que dão pelo nome de G3!