29 de maio de 2013

Nojo da política

Poucas linhas, numa vinda apressada, sem vontade de perder nenhum tempo com o assunto. A política não é coisa que se recomende, nem em que se acredite, nem que se respeite. A política é feita por uma corja de indigentes que não trabalhou e não trabalha, que não estudou, que não conhece o bairro onde mora e que de todo ignora onde se situam as fronteiras deste protetorado da troika. E que se serviram e servem da política para os seus negócios pessoais, ilegais e ilegítimos, e para o enriquecimento ilícito cuja criminalização recusam. Defendendo que para enriquecer vale tudo, desde aquilo a que chamam ultraliberalismo, à condenação à morte de vítimas à míngua de alimentos, do roubo e do homicídio e tentativas. Às vezes falhadas, para seu desgosto e adiado proveito...

A classe política faz tudo: define as regras, nomeia os árbitros, atribui-se os subsídios e joga o jogo. A política é um Relvas licenciado por equivalência, a reformar o país, até contra as normas definidas pelos seus pares, e a conhecer uma escola quando vai dar aulas numa do ensino superior. Privado, evidentemente. A política é um vulgar Silva, doutorado algures em Inglaterra, a trepar a coqueiros na linha do equador, e a chegar a presidente da república para perguntar a terceiros se deve congratular-se ou ofender-se pelo facto de alguém o apelidar de palhaço. Sem se preocupar se o facto seria grato aos honestos profissionais da pantomina ou se, legitimamente, a comparação lhes insultaria a família.


A política diz que os partidos são instituições indispensáveis ao funcionamento da democracia. Mesmo que vivam à custa da austeridade a que nos vergam, ocupem edifícios em ruínas e sejam conhecidos pelos calotes que deixam atrás de cada nova tarefa. Sem no mínimo sugerirem, ou  deixarem entender, que democracia deveria ser o governo do povo para o povo. Mas sendo, teoricamente e por definição, exemplos basilares da prática democrática. Era, não era? Por serem o fulcro da democracia é que os partidos políticos de “maior dimensão”, aqueles que à vez se vão refastelando no conforto do poder governativo, são exemplos do funcionamento democrático, a coberto da ditadura que exercem à custa de uns poucos milhares de militantes que, muitas vezes, pagam as quotas em atraso para acederem ao poleiro. E impõem aquilo a que chamam a disciplina de voto, na verdade uma intransigente ditadura do voto. Que assume, mais do que os contornos, a acabada forma da malvadez.

Tanto assim é que o PPD/PSD, que não é nem PPD, nem PSD, nem sequer PPD/PSD acaba de ameaçar com processos disciplinares os seus militantes que, pessoal e democraticamente, decidiram já apoiar candidatos independentes às próximas eleições autárquicas, como acontece no Porto. E o que é um candidato independente? O mesmo que eu sou em relação ao Sporting, de que nunca fui sócio mas de que sou adepto desde os tempos áureos do Zé da Europa. Como o Dr. Rui Moreira que é assumidamente sócio do Futebol Clube do Porto e que tem uma forte inclinação para o azul, seja do clube, seja do CDS/PP. Mas parece que nunca preencheu a proposta para membro da quadrilha do Dr. Portas. Nem mesmo depois deste já lhe ter declarado publicamente o seu apoio...



24 de maio de 2013

O país de pernas para o ar


Parece que o senhor Miguel de Sousa Tavares, conhecido adepto do Futebol Clube do Porto e proprietário de um monte alentejano, escreveu mais um livro, na sua persistente luta contra o analfabetismo e como desinteressado contributo para o novo acordo ortográfico, que se faz velho sem que entre em vigor e sem que o senhor Vasco Graça Moura o celebre em eruditos versos alexandrinos.

Escrever um livro é um acto heróico  como fazer um filho e plantar um chaparro. Como se sabe são os três actos que realizam um homem e o fazem entrar no restrito número de cidadãos a quem a troica e o senhor ministro das finanças reservam alguma consideração, desde que não peçam crédito para uns dias de férias nas Caraíbas.

Vai daí, e como é previsível e justo, foi o senhor Tavares convidado para entrevistas, declarações avulsas – incluindo a do IRS -, idas à televisão, motivo central das crónicas dos gatos fedorentos e, talvez, inspiração para um dos próximos sucessos musicais do senhor Quim Barreiros. E numa dessas entrevistas alguém, menos avisado ou mais bronco, lhe terá falado – presumo! – no senhor Beppe Grillo. Um respeitável e assumido palhaço italiano que recentemente, com a maior facilidade e como era de prever, bateu nas urnas os respeitáveis políticos transalpinos, incluindo o do bunga-bunga, apenas por ser mais sério do que eles.



Tal foi suficiente para que o conhecido adepto do Futebol Clube do Porto, que não costuma mandar recado por nenhum comentador político, incluindo o filósofo que estagia na televisão pública, dissesse directamente que nós já tínhamos um palhaço e que esse era o senhor Silva, cujo cargo actual parece ser presidente da república, não se sabe porquê nem para quê. E não é que o senhor Silva levou a mal, que a Procuradoria Geral da República abriu um inquérito e que a população de Boliqueime está em estado de choque, tendo mesmo encerrado a escola básica e o centro de saúde?

Mas um mal nunca vem só e, pior do que isso, é que o senhor Beppe Grillo, em defesa da honra, por se sentir ofendido, intenta uma acção criminal contra o senhor Tavares, por difamação. E a respeitável ordem dos palhaços portugueses lhe segue as passadas, exige uma declaração pública de desagravo e mantém a decisão de também agir judicialmente contra o proprietário alentejano, por se sentir grosseiramente injuriada na referência feita.

É o país do avesso, com a troica a persistir no esforço de o endireitar, a taxas de juro de agiota. Para desgosto e inveja do grupo nacional de banqueiros, que não aguenta tal afronta...

23 de maio de 2013

Luís Osório, nome de burro


Antigamente, no tempo em que o arroz carolino era ao preço da uva mijona, carregava-se um burro com dois alforges cheios de livros e tinha-se um doutor, ilustrado, culto e sábio, com carta de curso e tudo. Que de repente era capaz de escrever português que não envergonhasse o saudoso Fernando Pessa, falar francês, ler as legendas dos filmes americanos de “cowboys” e acompanhar a missa em latim.

Mas os tempos mudam tudo e, para além da vergonha, de uma atrasada e vil tristeza e de uma vida de miséria, o país, e os respetivos indígenas, perderam a vergonha, a independência, as boas maneiras e os princípios essenciais que as gerações anteriores respeitaram e nos tentaram transmitir. E mesmo o burro, para ser doutor, não precisa de ser carregado de manuais e de compêndios. Pode consegui-lo ao domingo – porque já nem os burros têm semana inglesa -, por equivalência – à semelhança de qualquer ex-ministro, a espécie vegetal mais parecida com o burro – ou simplesmente usando nome de gente. E, para complemento, sentar-se à frente de uma estante carregada de revistas com que se ilustram as socialites da linha – grande termo e distinta ocupação -, misturadas com alguns dos sucessos da D. Margarida Rebelo Pinto, a olhar para um computador pessoal que se não sabe para que serve e muito menos como funciona.



Arranje-se um distinto jumento de Miranda e dê-se-lhe um nome vulgar, até Luís Osório serve. Ver-se-á como o processo é mais rápido do que as licenciaturas de Bolonha. Meta-se a cunha, fundamental e indispensável, para a inscrição no sindicato dos jornalistas e arregimente-se um empenho junto de um dos acionistas de um semanário que, mesmo editado nesta freguesia do Cabo da Roca, seja propriedade de ricaços angolanos, democratas como o Zédu e descendência. Teremos de imediato um jornalista de sucesso, no ordenado, no carro de serviço, no cartão de crédito, nos convites para os programas de televisão e nas reportagens no estrangeiro. E para isso terá apenas de fazer o que não sabe, que é escrever. Sobre assuntos que desconhece como, por exemplo, a chegada dos filhos dos retornados ao poder. Porque o nosso asno doméstico – por contraposição a retornado! -  ignora que quem está no poder são os fanáticos dos popós, como ele... Se tiverem dúvidas sigam a ligação abaixo e tirem-nas: é uma obra prima da ignorância e da estupidez natural!

21 de maio de 2013

O Conselho de Estado


O Sr. Silva, com morada permanente em Belém e de verão numa casita rural e modesta, herdada da família, na aldeia da Coelha, reuniu ontem ao fim da tarde o Conselho de Estado. É estranho que o tenha feito, ele, de que o país bem conhece a infalibilidade papal: nunca se engana e raramente tem dúvidas. Por mim não sei as funções e desconheço de todo a utilidade daquele órgão  composto por membros não eleitos, que lhe pertencem em consequência dos cargos que desempenharam ou que desempenham. Fica-me apenas a certeza de ser profundamente machista, composto por 20 membros dos quais apenas um é do sexo feminino. E, tanto quanto sei, mesmo esse elemento é permanentemente incapaz para o trabalho e, como tal, se encontra aposentado depois de uma longa e árdua carreira profissional, terminada aos 42 anos de idade. Seguramente com grande pesar seu porque muito gostaria de continuar a ser útil à coletividade, trabalhando.



Hoje fui ao site oficial do Sr. Silva à procura das importantes conclusões paridas por tão distinta assembleia. Em termos de informação ninguém dissera nada e apenas se vira sair o Dr Soares mais cedo, por ter em casa a sopa do jantar a arrefecer e os comprimidos para a insónia à espera. A única coisa que disse foi que não dizia nada, mas recorda-se ainda a sua forte motivação, enquanto governante a que a história não fará grandes referências, quando não prescindia da sua sesta diária, nem no hemiciclo de São Bento. E deparei com um comunicado oficial, de cinco pontos, em que se discute o sexo dos anjos e a independência do Brasil, depois de Cabral ali ter aportado por engano e aproveitado para uns dias de praia.

Importa salientar desde logo a ordem de trabalhos: “Perspetivas da Economia Portuguesa no Pós-Troika, no quadro de uma União Económica e Monetária efetiva e aprofundada”. Por ela ficamos a saber que Portugal tem uma economia, mesmo para além do Álvaro, e que haverá uma época pós-Troika, mesmo que se duvide de ambas. E que, para a economia, o conselho meditou e refletiu, com o somatório da sabedoria de todos os seus membros, sobre as respetivas perspetivas no quadro de uma União Europeia e Monetária que todos eles pensam que continuará a existir, mesmo depois do dilúvio. E a existir de uma forma efetiva – não deve ser de faz de conta! – e aprofundada – se calhar nas profundas dos infernos!

Mais, o conselho entende que essa tal união deve criar condições para combater, com êxito, o flagelo do desemprego e reconquistar a confiança dos cidadãos, considerando sempre o “adequado equilíbrio entre disciplina financeira, solidariedade e estímulo à atividade económica”. Nem mais! De onde se pode concluir que o conselho em geral e o Sr. Silva em particular foram substancialmente prejudicados pela hora a que reuniram. Porque, quando foi invocada a infalível inspiração da Senhora de Fátima, já esta tinha encerrado o expediente diário e só reabriria na manhã do dia seguinte. Como é que o Sr Silva se foi enganar nos horários?

19 de maio de 2013

Sábado de maio no roseiral, com algumas exceções


Dos jardins do Palácio de Cristal pode ver-se lá em baixo, no silêncio exausto da última curva, o rio Douro caminhando para a morte. Perdida a arrogância do caminho, alguma ali tão pouco a montante, encolhe-se perante a fúria do oceano que o acolhe e o humilha,  invadindo-o com as águas sujas e mal cheirosas das marés. Serve apenas como fronteira entre o Porto e Gaia, que deixou de existir e apenas persiste na mente doentia dos políticos de recreio que se estendem pelas margens.

As pontes mataram o regime absolutista do rio, sem maiúsculas e de águas correntes. Vai-se a pé de um lado ao outro, barcos imitando não sei o quê passeiam-nos sob elas, se a crise que tudo justifica e tudo permite, tiver ainda deixado o suficiente para o bilhete e a prova de vinhos numa das caves. Os pescadores persistem em espalhar-se pelas bordas, o isco no anzol, a esperança na espera, o saco seco aberto à espera do primeiro troféu.



Vê-se o mar, com uma imensidão que nos leva ao infinito e ao Brasil que fica para além dele. O horizonte que se perde, o voo elegante das gaivotas, mesmo na intranquilidade dos dias de tempestade e das vagas de sete metros. Mas por detrás de nós e da elegância da casa e da pérgola do roseiral, ficam maio, as tardes ensolaradas de sábado, com um ventinho frio e penetrante a atravessar-nos os pulmões, e o próprio roseiral.

E quase parece não haver roseiras, muito menos espinhos. Há quase só cor,  tudo rosas variadas, muitas abertas, muitas em botão, poucas desfolhando-se na despedida. Algumas exceções pelo meio, um pavão intruso, desdenhando do colorido das rosas e gritando a sua presença. Alguns nenúfares brancos, outros cor de rosa, emergindo das águas e do meio das folhas largas. E outras espécies a que apenas os biólogos sabem dar nome.

Em maio, nos jardins do Palácio de Cristal, o roseiral vale a pena!

15 de maio de 2013

O já anunciado novo roubo das pensões de reforma [ou taxa de sustentabilidade das pensões, na obtusa linguagem dos parasitas do governo e da maioria parlamentar]


Por simples acidente de “zapping” – que até nem sei o que quer dizer! – fui dar a um canal de televisão onde se desenrolava um debate parlamentar sobre o assunto em título. Não tendo as linhas que escrevo nenhum merecimento, acho todavia que o governo e a maioria tão pouco merecem o tempo que possa despender a escrevê-las. Mas não posso deixar de recordar Eça de Queirós há 142 anos e a actualidade das linhas que se seguem.




Maio 1871.
A opinião tem pela Câmara dos Deputados um sentimento unânime, e unanimemente declarado: o tédio.
Diz-se mal da Câmara por toda a parte. Os jornais mais sérios falam constantemente na sua improdutividade. Aparecem contra ela panfletos satíricos. Ela é geralmente considerada como um sórdido covil de intrigas. Se se pergunta:
— Que houve hoje na Câmara?
— Uma farsa - respondem uns.
— Uma feira - respondem outros.
Os jornais políticos vêm cheios destas fórmulas: «A Câmara ontem deu um espectáculo triste para quem preza os verdadeiros princípios... «A Câmara está oferecendo a prova da sua falta de independência...» «A Câmara salta por cima dos princípios mais rudimentares de administração».
— O parlamento é uma vergonha - diz-se nos cafés.
— Vamos aos touros! - exclama-se nas galerias (textual).
— Amanhã há escândalo! - murmura-se na véspera das sessões.
Fazem-se-lhe epigramas, põem-se-lhe alcunhas. Os folhetins escarnecem-na; os jornais de notícias contam com uma singeleza dramática: «Ontem a sessão passou-se em injúrias pessoais». Um grande escritor, que é também um grande carácter, chamou-lhe:
«Lupanar!» O dito julgado justo, e coberto de aplausos, é sempre citado.
De que provém este desdém geral? De um surdo fermento de hostilidade que haja entre nós contra os grandes corpos do Estado? Da convicção nascida de uma experiência diária?
Tu, leitor de bom senso e de boa-fé, que não és deputado, e te sentas na galeria, ou lês as sessões no jornal, responde tu, nosso amigo e confidente!
A opinião é legítima e fundada em experiência. A Câmara (tomemos a actual, para exemplo) não tem princípios, nem ideias, nem consciência, nem independência, nem patriotismo, nem ciência, nem eloquência, nem seriedade. Isto não quer dizer que isoladamente, indivíduo por indivíduo, se não encontrem estas qualidades com um relevo poderoso; seria ridículo negar a erudição do Sr. Latino, a honestidade do Sr.
Rodrigues de Freitas, etc., etc. O que se quer dizer, é que, como corpo constituído, sentada nas suas cadeiras, com o seu presidente, a sua campainha, o seu copo de água com açúcar, e os seus contínuos - a Câmara tem a falta absoluta de qualidades que a ilustrariam, e a abundância de defeitos que a desonram.
A Câmara não tem princípios. É monárquica, e corta a lista civil, dando toda a latitude ao Rei na política, mas reduzindo-lha no orçamento. É católica, e mostra-se hostil à defesa do poder temporal, o que, por uma dedução lógica, é mostrar-se simpática à condenação do catolicismo. Dá, alternadamente, maioria a todos os partidos.
E só serve as ambições de chefes, que a exploram e que a desprezam.
A Câmara não tem ideias. Diante de um país desorganizado de um extremo ao outro, que faz? Discute a questão das ostras. Não apresenta uma lei, um regulamento, uma reforma, um projecto. Durante um mês inteiro discute se o Sr. Soares Franco deve ter o comando da Armada, ou se o não deve ter. O ministro declara que sim - «porque o comando da Armada é de tradição de três séculos». Este princípio do Governo, logi-camente entendido, obriga o ministério a levantar a forca, reconstruir os conventos, ressuscitar Afonso Henriques, ir imediatamente descobrir outra vez o caminho da índia
— e ficar sempre a descobri-lo!
A Câmara não tem justiça. Se alguma coisa decide, na sua pequenina área de alterações pequeninas, não é no terreno da justiça pública, é no do interesse político.
Quem ignora os exemplos? A sua enumeração fatigaria Homero.
A Câmara não tem consciência. O seu critério, a sua moral, é a intriga. A intriga política, a intriga partidária. A maioria apoiava o sr. marquês de Ávila; a maioria abandona-o. Porquê? Era ontem apto, é hoje inepto? É que o sr. marquês de Ávila se nega à discussão do orçamento. Nesse caso para que lhe dão a lei de meios até Julho? É um imbróglio conduzido por uma intriga. Acham-no tão impróprio que se afastam dele, mas dão-lhe o poder por mais dois meses.
A Câmara não tem patriotismo. É necessário prová-lo? Que lhe importa a ela o
País, a sua organização, o seu progresso? Que faz por ele? Com que instituições o dota?
Que melhoramentos lhe dá? Que interesse tem pela instrução, pela indústria, pela agricultura? A Câmara intriga e vocifera! De resto é um baralho de cartas com que chefes hábeis fazem uma partida de voltarete. E o País é quem leva os codilhos.
A Câmara não tem independência. Vede as ameaças de dissolução. Ainda a dissolução não aponta ao longe, já a Câmara está encolhida debaixo dos bancos!
A Câmara não tem ciência. Nem administração, nem economia, nem direito público, nem direito constitucional, nem história, nem gramática: a Câmara nada sabe.
O Sr. Dias Ferreira, um professor consagrado, o Sr. Sampaio, um jornalista ilustre, e um ou dois magistrados que são deputados, poderiam, melhor que nós, vir contar nas
Farpas os discursos grotescos proferidos no parlamento em questões de doutrina.
A Câmara não tem eloquência. Queres ver, leitor de bom senso, um modelo de discurso? Foi o sr. deputado... Para que dizer o nome? A nossa questão não é de nomes, é de factos. Vejam o Diário das Câmaras. O orador começa por um exórdio. Conta como Platão dormia a sesta, e o que faziam as abelhas do Himeto. Depois diz que desejava ter os dotes de suavidade e brandura para rastrear Platão. Pausa. Entra em seguida em matéria. Principia por declarar que já vai longe para ele o período da adolescência, mas que é natural que por lá lhe ficassem antigas fervenças, restos daqueles fluxos seivosos (textual). Depois explica como era o acordo que reinava entre os deuses de Homero: «Aquiles empunhava o gládio, Ájax brandia o ferro!» Passa em seguida aos trabalhos de Hércules. Narra durante dez minutos a fábula de Oxilus. Fala na Eólia, na Etólia, e no Peloponeso. Menciona Júpiter, no Olimpo, sentado no seu trono coruscante (textual). Trata dos sacerdotes egípcios, dos ídolos, do cão Anúbis, e da esfinge, que segundo ele, era um deus com cabeça de gato (parece incrível mas é textual!) Logo adiante cita as portas da Aurora. A propósito da sua alma brada:
«Malheur à qui sonda les abimes de l’âme!»
Depois ocupa-se da maneira de conceber das aranhas. Aponta por essa ocasião
Saturno, um pouco mais abaixo Isócrates. Alude às hidras. Desenrola uma história imensa das Confissões de Santo Agostinho. Discursa ainda sobre Sião e Babilónia, e senta-se! Tudo isto a propósito do sr. marquês de Ávila e da comissão de fazenda.
A Câmara não tem seriedade. Quem não viu uma sessão? O sussurro, o barulho, a confusão são perpétuos. Vota-se sem saber o que se discutiu, e continua-se a conversar.
As questões pessoais estão constantemente na ordem do dia. Voam os desmentidos.
Fervilham as injúrias. Nos momentos mais serenos é a graçola e a troça. E das galerias o público assiste, ora indignado ora divertido, ao espectáculo sem igual.
Achais estas páginas cruéis? Pensais que não nos dói tanto escrevê-las como vos dói o lê-las? Pensais que é com espírito alegre, e a pena ao vento, que levantamos um por um, diante do público, os farrapos da vossa decadência? - Apelamos para vós mesmos. Se algum de vós, na sua consciência, acha que não dizemos uma verdade perfeita, que nos atire a primeira pedra como no Evangelho, isto é, que nos lance a primeira contradição.

14 de maio de 2013

A caminho de Pasárgada


Quando o inverno que vem se aproximar do seu termo e as cerejeiras florirem, assegura-te que o perfume virgem das flores de laranjeira te inunda as narinas e te brilha no olhar que já adivinha a primavera. Colhe um ramo composto e fresco, certo do verde da folhagem que se seguirá, como refúgio do chilreio dos pássaros que se apressam para a construção dos ninhos e a manutenção das espécies. Corre ao Terreiro do Paço, ao canto onde aportam os barcos que chegam de Vila Viçosa, por caminhos de terra desenhados entre montados e sobreiros que ninguém ousou despir da sua capa alentejana de cortiça e de promessas. Pergunta por Manuel Bandeira, hás-de encontrar-lhe a memória e os poemas simples que chegam ao coração sem paragens e sem apeadeiros no percurso.

Pergunta-lhe qual o melhor caminho para Pasárgada, é por ele que vais ter que te evadir. Não te incomode o burburinho e a balbúrdia que se adivinham nas arcadas. Alfredo Costa e Manuel Buiça estão mortos, a guarda e o povaréu não precisam que os ajudes na tarefa. Sem reverso, o rei e o príncipe também, o regicídio consumado, o que é uma pena e uma perda, não se ganha nenhum novo sol a formar novas quadrilhas e a empregar novos ladrões, mesmo que venham de latifúndios ribatejanos onde o verde da lezíria se estende até à beira Tejo, sem chegar ao Limoeiro.



Atira à memória do rio que se alarga pelo Cais das Colunas, o ramo de flores de cerejeira que trazes de braçado. Não te preocupes que não se afundará, irá flutuar ao sabor manso da corrente e nem o perfume das flores de laranjeira deixará pelo caminho, mesmo que possa encalhar em São Julião da Barra, onde finalmente se perderá no abandono dos dias e na subida das marés. Segue para Pasárgada por onde te indicam a memória de Bandeira e a métrica irregular dos versos que não leste. É lá que mora o futuro e, como ele e toda a gente, serás amigo do rei e sentirás o aroma do paraíso nos desejos que pensares.

À tua espera tudo e mais setenta esbeltas virgens a que dá direito a contabilidade celestial do Alcorão, os corpos apenas protegidos por finos e vaporosos crepes. Requebrando-se nas mais sensuais danças do ventre, as cinturas largas sob o peso excessivo dos explosivos que carregam. Prontas a implodir mais uma torre do Bairro do Aleixo e, com a maior dignidade, o plenário do conselho de ministros reunido em tarde de dia santo. Para que também o esbulho seja santificado, como em Pasárgada!

5 de maio de 2013

Dia da Mãe


Todos os anos, por inícios de maio, quando se alongam as horas dos dias claros e o amarelo das giestas rebenta pela berma das estradas, a hipocrisia consagra um domingo a todas as mães. Como se um dia, mesmo de domingo, desse sequer para pronunciar com dignidade suficiente um nome cuja amplitude vai para além do universo que conhecemos.

Mãe são três letras que não cabem em nenhum papel, em nenhuma parede, em nenhum céu estrelado. Um som que vai muito para além das frequências que o ouvido humano é capaz de entender. Um sol que brilha  muito mais do que aquele que nos ilumina e se cansa quando chega à linha do horizonte, com o cair da tarde.



Sei que a minha me deixou sozinho, na beira do caminho, quando a minha vil ignorância me levou a pousar-lhe suavemente a mão sobre a testa, como se fosse uma carícia, e a senti fria como o gelo da ausência que é cada vez mais a minha única constante da vida. Daí para cá não se me secaram as lágrimas, não me se interrompeu a orfandade, não me sobraram momentos para um sorriso breve. Todos os afectos foram promessas que não existiram ou não passaram disso, um buraco negro, que se alarga a cada dia, é a única perspectiva com que me partilho.

Não me lamento, mas sei que me não cabes em nenhuma palavra, em nenhum choro, em nenhuma recordação. Mãe é um conceito demasiadamente grande para mim, não se acomoda num dia, vai para lá da eternidade, nem sistema solar, nem via láctea. Que mesquinhez pequenina quer agrilhoar uma tal grandiosidade à dimensão de umas curtas horas? A não ser a hipocrisia?

2 de maio de 2013

Futebois


Começo por uma declaração de interesses: sou desde miúdo adepto do Clube Desportivo Ferrovia, de Nova Lisboa, Huambo, Angola, que ou não existe ou terá mudado de nome. Mantenho também um certo fraquinho pelo Clube Recreativo da Caála, por onde passaram amigos meus dos quais apenas vou referir dois, prematuramente desaparecidos: o Jota Jota e o Emílio Peyroteo.

Para dizer no fim que este futebol que para aí movimenta milhões, por detrás de clubes e empresas falidas, não produz riqueza nenhuma e que não consigo vê-lo como indústria, como diz o presidente do Benfica, como se jogar à bola fosse uma coisa muito parecida com o fabrico de pneus ou de salsichas.

Apesar da irrelevância, os políticos de profissão, como Passos, Relvas, Seguro, etc e coisa e tal, dão não sei o quê mais oito tostões para se mostrarem nos camarotes e aparecerem nas cameras de televisão, à caça do voto do espremido eleitor. Como, pela mesma razão, vão à missa e o eterno Mário Soares ia pedir a bênção ao cardeal patriarca.

A melhor forma dos profissionais da bola falarem para os três diários desportivos que hão-de livrar o país da crise e o Gaspar das profundas dos infernos, é de boca fechada, de preferência com um adesivo forte colado. Porque se a equipa ganha o adversário foi valente, bateu-se com galhardia mas a vitória não oferece contestação e é mais do que justa. A equipa de arbitragem fez um trabalho exemplar, deixando jogar e julgando com isenção e sensatez. Nem seria de esperar outra coisa do árbitro em questão e do justificado prestígio que tem.

Se a equipa perde houve que defrontar um onze de serrafeiros e simuladores, atirando-se para o chão, procurando a falta, perdendo tempo. Perdeu-se à custa desses artifícios e da desonestidade do árbitro porque os golos do adversário foram obtidos em fora de jogo, ficaram por assinalar três penalidades a favor e ao intervalo já meia equipa adversária deveria ter visto o cartão vermelho e ido para a rua.



Vem tudo isto a propósito do treinador do Futebol Clube do Porto, que até parece ter alguma instrução, ter feito declarações a que faltam sensatez e bom senso mas a que sobram grosseria e estupidez natural. Com o Benfica praticamente campeão vem o serôdio vidente dizer que o campeonato foi sujinho, referindo-se a um jogo que o Sporting perdeu em casa do Benfica onde parece ter sido prejudicado pela arbitragem, sem nenhuma garantia de que o facto pudesse inverter o resultado. E esquece-se o morcão que no mesmo estádio esteve duas vezes a ganhar para consentir o empate no minuto seguinte. Então admite-se uma coisa dessas numa ciência que o treinador do Benfica inventou? Marcar um golo e sofrer outro na jogada a seguir? E não multou ou despediu meio plantel?

Além disso já se esqueceu o esclarecido estratega que entregou o campeonato no seu estádio, no jogo contra o simpático Olhanense, que continua a lutar para se não afogar nas águas tranquilas da Ria Formosa, tendo ontem mesmo despedido outro treinador, procurando a rainha Santa Isabel para treinadora e para o milagre da multiplicação dos pontos...

1 de maio de 2013

Dia do trabalhador


Fui ver como paravam as coisas pela Avenida dos Aliados. Não porque ali se concentram os elementos afectos à CGTP, mas apenas porque a concentração da UGT ocorre mais fora de mão, para os lados da Avenida da Boavista, tanto quanto sei. De resto nunca compreendi por que razão os interesses dos trabalhadores divergem, porque se confrontam como adversários, porque se alinham politicamente com os partidos.

Não sei bem como qualificar o primeiro de Maio. Não vejo que se possa sentir como uma festa, quando os dias que passam deixam cada vez menos rasto para celebrações, com crianças sem pão e, pelas estatísticas legais, quase um milhão de desempregados. Número que cresce quanto mais o governo manifesta a sua intenção de combater o flagelo.



Não sinto também que possa ser uma jornada e uma forma de luta que vise conseguir a mudança da situação política. Porque a correlação das forças em presença é desproporcionada e cada vez o é mais. A concentração da riqueza é cada vez maior, a miséria – que os governos persistem em estabelecer por decreto – alastra ao que se convencionou chamar classe média, que não sei o que é.

Trouxe de regresso um certo desencanto, uma quase frustração. Nem havia tanta gente que fizesse transbordar os Aliados. As dificuldades, as muitas e sempre crescentes dificuldades, não são factores de motivação. Há pessoas numa encruzilhada em que a elementar subsistência absorve já todas as energias. E casos em que mesmo isso não consegue os objectivos.

Ao entrar em casa uma qualquer emissora de rádio noticia que o secretário-geral da CGTP gostaria de ter visto maior número de pessoas nas manifestações. Isso me confirma que não estou enganado. Também eu gostaria de ter visto muito mais gente, de ver toda a gente que vende o seu esforço. Unida num único conjunto, perseguindo um só objectivo. Com a força suficiente para que alguma coisa pudesse mudar. Para melhor!