29 de outubro de 2014

O puro prazer da descoberta

Na penumbra da noite há estrelinhas longínquas cujo brilho entra de mansinho pelas frestas das persianas que o tempo quente aconselhou a deixar entreabertas, à procura de uma qualquer brisa que refresque o sono. Dormes tranquila e silenciosa, o corpo esticado sobre a cama, decúbito dorsal, como se o fresco que se espera pudesse chegar mais fácil e mais rápido. Contemplo-te com os olhos quietos de quem vê um sonho e o sente tão próximo, ao alcance do olfato, sentindo-te todos os cheiros. Imagino por onde te viajam os percursos noturnos, o que te preenche os pensamentos subconscientes e íntimos, o véu de tule, suave na cor e indiscreto no segredo, que te não esconde o corpo repousado e te aumenta o encanto em que não pensas e que a ausência de luz mais acentua.

É de puro e fino veludo todo o corpo que abandonas ao tempo de repouso. Assim quero que seja o tacto das minhas mãos, para que te toquem e te percorram num lento ritual de descoberta e de prazer, passo a passo, cada pequenino tesouro de ti, cada minúsculo suspiro que te escape, cada bocadinho de vida que vem no suave movimento do ar que respiras a compasso. A medo te descubro um pé, pequeno e frágil, que não sente sequer a ansiedade que me faz estremecer os dedos cautelosos e que tomo em minhas mãos como se segurasse uma preciosidade ainda maior do que tu, como se fosse possível que ela existisse para além de ti.



Percorro-te o corpo sem itinerário e sem destino certos, sem mapa e sem instrumentos de navegação, contornando-te cada curva, subindo cada promontório, cada pequeno montinho, procurando cada mais pequeno e recôndito ponto onde se te resguardem os grandes segredos que proteges. Descubro-to como se fosses só especiarias, o aroma doce da canela, todas as caravelas nas pontas dos meus dedos, velas pandas, à procura da rota que leve à Índia, cabo da boa esperança, como se ali, por fim, fosse a entrada final para o céu. À sombra de todos os gestos, todo o diálogo é apenas um, no silêncio com que nos olhamos e nos sentimos, tão cúmplices no abraço forte que nos junta, as tuas mãos seguras atrás das costas. E na música celestial que compomos num perfeito desempenho a quatro mãos. Enquanto a imaginação viaja à aventura no puro prazer da descoberta e, quase de repente, nos sentimos ambos a chegar ao paraíso!

28 de outubro de 2014

Uma primeira vez

A noite é um manto púrpura que te esconde todos os frios. É uma brisa crepe que te destapa todos os calores e te liberta todos os suores. Que te expõe à luz todo o corpo pequeno, o peito quase raso, a sedução irresistível de uma penugem macia, espreitando por entre as riscas coloridas da peça minúscula que te resguarda da nudez absoluta. As tuas mãos, carregando a liberdade na ponta dos dedos, muito cedo foram descobrindo atalhos e percorrendo carreiros que te chegam à alma e levam a um destino breve algures na memória com que se imagina o paraíso.



Mas não te chegam as mãos para te deixar no pescoço fino o calor suave da respiração que sobe pelas madrugadas do sonho. Nem para te arrastar levemente pelo dorso o arrepio com que se iniciam novas rotas e se dobram novos cabos da boa esperança. Até à terra única das especiarias, cravo e canela, onde são descobertas todas as palavras doces que se murmuram e todas as que ficam por inventar, no prazer do abraço forte com que te faltam as pernas, no largo de onde partem os comboios e se dão as mãos, os dedos entrelaçados, com a força firme de uma primeira vez. Uma primeira vez!