13 de maio de 2012

Huambo – Almoço dos ex-estudantes



Realizou-se ontem, sábado, em Redinha, Pombal. Ainda na véspera fui para a cama hesitante, sem ter decido nada sobre a minha ida. Tive uma noite intranquila, talvez devido à noite quente, o que me é raro. Ontem acordei e decidi-me de forma instantânea e meti-me a caminho, com tempo que me permitisse conversar um pouco com pessoas de quem gosto e que a geografia e o calendário vão afastando de mim.

Ainda estacionava e já tinha ganho o dia e a aposta. Para além de presenças habituais, três houve que mais que justificaram a minha ida à Redinha. Desde logo o Padre Abel, como sempre foi carinhosamente tratado. Mesmo quando, quase na época dos descobrimentos, era pároco no Bairro de São João e foi na sua igreja que, por atavismo, fiz a minha primeira comunhão. Tantas vezes o seu nome foi referido durante estes anos, mesmo em minha casa, sem nunca nos termos encontrado. A alegria que me veio por tê-lo finalmente encontrado. E bem, clarividente e resoluto, carregando com os seus 87 anos e a sua doçura de sempre.

Depois o meu querido amigo Rui Vieira ou, como deve ser, Rui Augusto Perestrelo Vieira. Amigos de sempre, do tempo dos calções e do colégio Dom João de Castro, do Álvaro Gaspar Cabral, da Aninhas, da Odete e da Olga, a família toda. Amigos para sempre, mesmo que distantes, mesmo que para além do horizonte. O Rui é uma lição de vida, um caso de sucesso, uma simpatia trazida do berço, carregada no ADN. Tínhamo-nos encontrado uma vez, em Évora, onde os poucos fundadores do liceu, os dons afonsos henriques da época, se juntaram para uma fotografia histórica que anda por aí e que deve ter ficado à porta da Time e da Newsweek dos bons tempos. E nas recordações gratas de cada um de nós.

O António João Guerreiro da Palma, também dando por João da Palma, colega da quarta classe, feita na escola primária número 21, no bairro de São João, sob a direção de um professor de apelido Ribeiro. Cuja presença nos atemorizava mal saíamos de casa, a caminho da escola, sem que me recorde de que, apesar disso, nos castigasse muito. E onde eram ainda professoras a minha querida D. Ana Costa Reis, de boa e permanente memória, e a mãe do meu admirado Fausto Bordalo Dias, tão prematuramente saída do nosso convívio.

Depois vem-me à memória a série de nomes dos que já deixaram o nosso grupo, a começar pelos professores. O Saparalo, que aqui referi há dias, o Dr. Amaral Gouveia, o Dr Armindo Gonçalves, a Fernandinha, o Dr. Serpa Neves. E os colegas: o Silveira Dias – um beijo Maria de Lourdes, serás sempre parte de nós! – o Grade Ribeiro, o Simões de Abreu, a Hermínia Pinheiro, o Artur  Pereira e todos aqueles de que nem tenho conhecimento.

E a série dos ausentes, por diversas razões. A começar pela doce Dra. Dorinda Agualusa, a quem faria questão de, humildemente, entregar, por carinho e gratidão, um pequeno raminho de orquídeas, a flor da minha paixão, à falta de rosas de porcelana. Vou ter de tratar de mim para lhas ir levar a Montedor. A Dra. Dárida, a quem devo o pouco inglês que aprendi, no único ano em que foi minha professora. O António Segadães, desde sempre o melhor de todos e em todos os locais. Conservando a simplicidade de sempre, tendo direito às excentricidades que apenas se reservam aos génios. O Marcos Levi, o Norberto, o Jorge Costa Reis, a Teresa Molar, a Manuela Peixoto. E aqueles de que ninguém sabe: o José Lourenço Maia, o Rubi, o Eduardo Rato. E quantos mais, tantos que fomos!

13 de maio



Por razões pessoais passei anos a correr para Fátima, ao encontro de minha Mãe. Acabei a gostar da pequena cidade, uma freguesia de Ourém, aspirando a ser concelho e fonte de emprego de mais uma série de filiados partidários e de recomendados do clero. Apesar de ser um aglomerado atípico e desordenado, a divergir do centro geográfico que é o santuário, para o qual acaba sempre a convergir de novo, a partir de qualquer local periférico.

Nunca o fiz nem como crente, nem como peregrino. E dei por mim, frequentemente, no recinto do santuário onde, como cursos de água, vão dar todos os caminhos. Mantive sempre uma atitude de respeito como acho que deveria fazer, quando entrei na basílica ou na nova igreja da Santíssima Trindade. A mesma atitude que observaria se entrasse numa mesquita, numa sinagoga ou noutro local de culto, com exclusão das seitas importadas do Brasil, que tem coisas bem melhores para nos mandar e nos impingem amunuenses reciclados em bispos. Onde simplesmente não entro.

Fátima tem, a partir de hoje e até 13 de Outubro, uma atividade febril e uma economia que quase escapa à austeridade da troica e aos disparates de Passos Coelho. Sem diversificar nada e sempre à volta de hoteis, pensões ou casas de hóspedes, restaurantes ou similares e lojas de vendas de artigos religiosos, imagens de Nossa Senhora e camisolas do Benfica ou do Cristiano Ronaldo. Muito pouca coisa de qualidade aceitável, considerando a população no seu conjunto.

Sempre me chocou que houvesse uma passadeira com o piso em mármore, que leva da Cruz Alta à Capelinha das Aparições e lhe dá a volta, por onde alguns crentes se arrastam, de joelhos, no cumprimento de promessas ou na esperança vazia de milagres. Porque de certeza nenhum Deus, nem o meu, nem o deles, alguma vez seria capaz de aceitar dos seus seguidores qualquer gesto que pudesse comprometer-lhes, por pouco que fosse, a dignidade e o porte vertical da cabeça. Não se é melhor por se ser submisso, nenhum favor se deve conseguir por se abdicar da condição humana.

Minha Mãe, ainda criança, não esteve na Cova da Iria – como de facto se chama o local – em 1917, mas esteve pouco depois. Calcorreando os caminhos que traziam da histórica freguesia do Olival, numa distância de, pelo menos, 20 quilómetros. Para encontrar um local ermo, povoado de pedras e de azinheiras, com um enorme charco de água, rodeado por uma pequena multidão de pessoas à espera da Virgem e do milagre. Como tudo mudou!

9 de maio de 2012

Saparalo



Há menos de uma semana, falando sobre o próximo almoço - já sábado, dia 12 de maio - da Associação dos Antigos Alunos do Huambo, fui perguntando por pessoas que há tempos me andam perdidas do horizonte visual. E foi assim, casualmente, que soube da morte do Saparalo ou, com mais propriedade, do Dr Raúl de Oliveira Santos Pereira. Não soube nem quando nem como isso aconteceu, mas suponho que teria já uma bonita idade e que, mais do que isso, foi um homem que soube levar a vida a rir e a divertir-se, não raras vezes com alguns excessos.

Recordo-me que foi colocado no liceu do Huambo, ainda a funcionar no edifício da Associação Comercial e no 2º andar do edifício da Lello, quando eu fui para o antigo sexto ano e que foi o meu primeiro, e creio que único, professor de filosofia. Creio recordar-me também que nesse ano foram feitas duas turmas, uma com os alunos que já eram internos e outra com os que se matriculavam pela primeira vez e que eu, nunca soube porque razões, fui o único aluno interno a ser incluindo na turma dos que acabavam de chegar.

A turma era pequena, penso que tinha apenas 22 alunos, um luxo para os dias que correm, em que eu era o número 15. E recordo que todos, de um modo geral, tínhamos alguma expetativa e algum receio em relação a uma matéria inteiramente nova. Como me recordo do primeiro ponto – agora diz-se teste – que fizemos e da nossa curiosidade em sabermos as notas. Um dia o Saparalo lá nos satisfez a curiosidade e, no início de uma das suas aulas, anunciou ter visto os pontos até ao número 17 e a melhor nota ser do número 15. Que era eu. Não exultei, mas fiquei meio estupefacto. Achava que o ponto me tinha corrido bem, mas não tão bem que pudesse ser minha a melhor nota entre as 17 já atribuídas. Pois, mesmo sendo o primeiro ponto, eu tinha apenas 10. Os restantes 16 tinham sido “corridos” a oitos e noves.

Perdemo-nos na vida. Ele dando aulas e jogando bridge – a sua grande paixão na vida - no clube militar enquanto, segundo as más línguas, ia bebendo uma qualquer bebida alcoólica, utilizando uma chávena de chá. Eu por outras paragens, devorando literatura, tentando escrever duas linhas e pensando que seria capaz de o fazer. Vim a reencontrar-me com o Saparalo, casualmente, num pequeno bar em Ourém, onde ainda dava aulas depois do regresso de Angola. Trocamos contactos e, pelo menos duas vezes, apareceu-me pelo Porto e confraternizamos durante os dias em que, bem acompanhado, permaneceu na Invicta.

Foi ele mais tarde, segundo informação que o próprio me deu, a fornecer o meu endereço para que pudesse ser contactado, como fui. E a ficar tão deslumbrado que me fiz à estrada para ir jantar com tanta gente que perdera no tempo, há algumas dezenas de anos. Nunca teria forma de lho agradecer, tão grato lhe fiquei. E tão grato me mantenho, por tudo quanto me deu, nos bancos de uma escola e fora deles. Que São Pedro o tenha deixado entrar, sem ter que bater à porta. E tenha mandado aprontar a mesa, as cartas e os parceiros para o bridge. Sem esquecer a chávena de chá com que possa ir-se dessedentando. Até sempre meu querido Dr Santos Pereira!

6 de maio de 2012

Dia da Mãe



Mãe é uma palavra curta, de apenas três letras. Tão doce como o mel de rosmaninho, tão suave como o perfume de alfazema. Uma palavra mágica, capaz de abrir portas, vencer dificuldades, dar ânimo, incutir coragem. Mãe é condição, é estatuto, é bom senso. Mãe é realização, é presença, é aconchego nas noites longas de inverno. Mãe não cabe num dia do ano, mesmo que seja maio, mesmo que seja domingo.

Mãe não cabe em todos os dias do ano, em todas as horas dos meus dias de saudade e de amargura. Mãe é grande demais para ser descrita com todas as palavras que a vida me ensinou, para caber nos dicionários que enchem as estantes das bibliotecas. Mãe é sorriso de Gioconda, enigmático e diferente., complacente, cúmplice, brilhante como noite de lua cheia.

Mãe é esta dor que carrego hoje mais do que todos os dias, num choro sofrido de ausência, num sentimento de orfandade mais sentido a cada momento que passa. É este desejo de mergulhar na distância vazia que nos separa e ficar tempos infinitos olhando uma pedra de granito sobre a qual uma placa simples te recorda, com um nome e um sorriso puro como o das crianças.

Mãe é esta felicidade que hoje me falta, de poder apertar-te nos meus braços, de poder encher-me de lágrimas na fragilidade dos teus ombros, no sorriso aberto da tua face magra, no encovado dos teus olhos cansados de anos e canseiras, na simplicidade com que me afagavas os cabelos e me olhavas na profundidade de um olhar enxuto e verde de esperança. Mãe é a felicidade de quem a tem e a celebra com uma rosa única, fresca como o orvalho da manhã, perfumada como a dimensão enorme do infinito que a produz.

Mãe!

3 de maio de 2012

Contradições da democracia



O vocábulo democracia é, só por si, um longo e nebuloso equívoco. Socorro-me de um dicionário vulgar, da Porto Editora, edição de 2010, incorporando já o acordo ortográfico: “sistema político em que a autoridade emana do conjunto dos cidadãos, baseando-se nos princípios de igualdade e liberdade”. Depois adianta dois conceitos opostos por simples 180 graus, direta: situação político-administrativa em que o poder é exercido diretamente pelo povo”. Democracia representativa: “situação político-administrativa em que o povo governa através de representantes seus, periodicamente eleitos”.

Reportemo-nos apenas ao sítio em que vivemos, enquanto aguardamos pelo visto para emigrarmos, não se sabe nem para onde, nem para fazer o quê. Mas como recomenda o senhor Passos Coelho e o seu governo regional. O nosso sítio é Portugal, de Vila Real de Santo António a Melgaço, incluindo a Porcalhota, a ilha do Corvo e o protetorado da Madeira, incluindo o pico do Areeiro e o Curral das Freiras. A democracia não é direta e, ignorância minha, essa situação não se verifica em lado nenhum. A democracia também não é representativa nem o povo governa através de representantes seus.

Primeiro estamos todos incluídos num caldeirão composto, para já, por 27 países e onde caímos como o joão ratão, que se chama União Europeia. E que, sendo uma ditadura, impõe a cada estado-membro ou candidato, que seja uma democracia. É mais ou menos como dizer que o branco é a ausência de todas as cores e, simultaneamente, a presença de todas elas. E o mesmo se diga do preto, porque é indiferente e a ordem dos fatores é arbitrária. E onde, cantando e rindo, temos andado convencidos de que viveríamos eternamente como uma ucraniana jovem a expensas de um industrial textil do vale do Ave, velho e falido, que pagaria o aluguer, a luz, a eletricidade e os preservativos, mesmo que desnecessários.

Depois a nossa democracia é exercida não através do povo, de que em tempos se disse que unido nunca mais seria vencido, mas através de organizações sem rei nem roque a que se convencionou chamar partidos políticos. E que a classe política, constituída pelo conjunto de cidadãos que vivem à conta do zé pagode, sem regras e sem horários, dizem ser essenciais. Acontecendo que cada um deles é menos democrático do que o Benfica, onde o voto do presidente em exercício não vale o mesmo do do sócio que pagou o seu bilhete, carrega uma bandeira, canta, grita e insulta os árbitros e as famílias.

Ainda hoje, no jornal que compro diariamente para ajudar o engenheiro Belmiro de Azevedo a superar a crise, um senhor chamado Eduardo Cabrita, certamente muito respeitável e menos respeitado, candidato a uma coisa chamada federação distrital do PS de Setúbal, se manifesta preocupado com a falta de credibilidade que está a rodear a vida interna do partido e anuncia a sua intenção de travar os “sindicatos de voto”, seja lá isso aquilo que for. E diz que apenas devem votar os militantes que tenham pelo menos um ano de inscrição partidária.

Muito democraticamente, como diz o dicionário da Porto Editora, baseando-se nos princípios de igualdade e liberdade. Mas pouco, apenas q.b. como nas receitas de culinária!

2 de maio de 2012

Pingo Doce


O grupo económico a que pertence a cadeia de lojas Pingo Doce é controlado por Alexandre Soares dos Santos, um dos três portugueses que figura na lista das pessoas mais ricas do mundo, editada pela revista americana Forbes. E que passou a essa situação depois de, pouco antes, o grupo ter estado, como o país, literalmente falido. Mas, como se sabe, em Portugal os milagres são oficiais desde 1917. E Nossa Senhora tanto pode escolher como local para os fazer os contrafortes da serra de Aire como a rua de Sá da Bandeira, no Porto. E fazê-lo ao dia 13 de qualquer mês, como ao dia 1, a começar por maio.

Depois sabe-se que os muitas vezes milionários têm hábitos estranhos e procedimentos exóticos. Podem recusar um aumento de 500 escudos a uma jovem operadora de caixa, a pretexto da profundidade da crise e da austeridade que o governo decreta. E, a seguir, viajar para as Seycheles, à custa de algumas centenas de contos, para apanhar sol no abdomem e fazer corridas como jockeys de tartarugas gigantes, à procura dos mínimos para os jogos olímpicos de Londres ou de bater o recorde anteriormente estabelecido por Mário Soares. Um desportista, um poliglota e um empenhado militante da sesta e do socialismo na gaveta.

Ainda há pouco Soares dos Santos tinha surpreendido quem anda a dormir e ainda acredita no pai Natal, mudando a sede do grupo para a Holanda. Logo o inumerável conjunto de comentadores de economia, professores de direito, incluindo canónico, e chefes das comissões de trabalhadores que ainda restam, se apressou a explicar primeiro e a vociferar depois. Alegando que tal mudança visava apenas fugir aos impostos em Portugal onde, por tradição, quem os deve suportar são os trabalhadores, com exclusão de Américo Amorim, que está isento por incapacidade permanente. Duvidando miseravelmente do patriotismo do senhor dos Santos e da sua devoção à bolsa de valores, às ideias de Medina Carreira e ao senhor cardeal patriarca. Quando, de facto, ele apenas é um irredutível monárquico – um rei-sol no seio do seu grupo! – que admira os coloridos campos de tulipas e acha um piadão à malta que se ganza livremente pelas praças de Amesterdão e se espoja pelos pavimentos fazendo sexo e bebendo cerveja.

Ontem dos Santos decidiu-se por se juntar aos trabalhadores e comemorar com eles o primeiro de maio lançando, sem a publicidade do “venha cá” a que nos habituou, uma promoção original que, se tivesse Otelo à frente, teria resultado numa revolução dos bróculos e na fácil tomada do poder, com Passos Coelho a correr, sem gravata e de calças na mão, a acolher-se ao quartel do Carmo e à proteção do sargento de dia. E tal foi recolher das prateleiras tudo o que se quisesse, cujo valor total ultrapassasse os 100 euros e deixar nas caixas apenas metade, beneficiando de um desconto de 50 por cento. Parece que houve correrias, gritos, atropelos, insultos – exceto ao dos Santos e excelsa família! – empurrões e porrada. E os felizes contemplados lá regressaram a casa com o carro agoujado ao peso dos mantimentos para o mês, de inúteis traquitanas que o Pingo Doce tinha como monos nos fundos dos armazéns e de embalagens de areia para a higiene dos gatinhos domésticos.

Hoje a ASAE, acrónimo para Autoridade de Segurança Alimentar e Económica anunciou, formalmente e com a solenidade que o acto requeria, que o procedimento do Pingo Doce vai ser investigado, no sentido de verificar se indicia alguma irregularidade. Certamente destacou para isso uma numerosa e competente equipa de técnicos e advertiu que a investigação era complexa e, em consequência, longa e demorada. Advertência desnecessária porque em Portugal, excetuando os processos da Casa Pia, do Apito Dourado e do Isaltino Morais, todas as investigações são complexas, longas e demoradas. Mas, para memória futura, importa que conste e que fique registado. Um qualquer tetraneto de José Hermano Saraiva pode querer fazer com isso um qualquer programa da TV Rural...