23 de fevereiro de 2012

Zeca Afonso – em digressão há 25 anos


Entre hertzes e megahertzes, diversas frequências se afadigaram hoje a celebrar Zeca Afonso e a recordar a sua partida, há 25 anos. Como se ele tivesse partido, quando está aqui defronte, o cabelo em desalinho, os óculos grossos, a alma imensa e o talento à dimensão do sonho que construiu para si e para os outros.

Procuro forma e ousadia para me chegar a ele e o conhecer pessoalmente. Estender-lhe a mão e dizer-lhe como respeito e admiro quem, como ele, inventou os sonhos e acreditou neles. E, para além disso, conseguiu que os outros acreditassem e continuem a acreditar na utopia. Porque, como disse Gedeão, eles não sabem que o sonho comanda a vida.

Zeca foi proscrito, Zeca foi censurado depois do 25 de Abril, para o qual deu grande e desinteressado contributo, antes e depois. Depois de fisicamente desaparecido o país celebra-o, como inofensivo. O país não suporta que alguém ouse sonhá-lo para além da sua pequena dimensão de quintal. Tem sido assim sempre, tem sido assim com todos. Salgueiro Maia não quis nada e não teve nada, a não ser a desconsideração daqueles a quem abriu caminho para o poder e para a fortuna. Hoje, que está morto, colocam tabuletas com o seu nome às esquinas de ruas.

Com Zeca isso não aconteceu e nem acontecerá, mesmo que uma rua aqui perto tenha à esquina uma placa: Rua Zeca Afonso, cantor. Sempre saiu do palco pela porta dos fundos quando os algozes entravam pela principal. Cada passo seu passava para além das fronteiras, o seu sonho voava, e voa, para além da altitude a que os cumulonimbos ameçam a navegação. Zeca era e é maior do que o país a que se entregou a si e ao sonho. Que dividendos recolheu disso? Os mais bonitos e nobres de todos. Exatamente os do sonho. Do sonho que viveu, do sonho que continuamos a viver, por nós e por ele. Com ele, sempre!

22 de fevereiro de 2012

Mau génio


Com ou sem acordo ortográfico são duas palavras. Três sílabas. Oito letras. Com a particularidade de nas oito letras estarem contidas as cinco vogais. E apenas três consoantes. Mau génio escrito assim, causa apreensão, sugere nervos à flor da pele, espírito irascível, violência doméstica e muitas outras coisas que a imaginação leve a supor. Ou que até nem consegue.

Mas pode escrever-se: Mau, génio! Com uma vírgula de permeio, se os cariocas deixarem e os alfacinhas permitirem. E o génio deixa de ser mau, mesmo que esteja lá escrito. Coisas do português, língua traiçoeira, que os portugueses são os últimos a aprender. E que um dia destes a minha querida doutora Dorinda me há-de explicar de novo e concluir que, de facto, não vale de nada queimar-me os quatro neurónios que me restam.

Como tudo, as palavras podem ser representadas pelas duas iniciais: MG! Em Portugal podem significar Marinha Grande, terra onde se fabricam vidros e se batia em políticos no decurso das campanhas eleitorais. No Brasil, com ou sem acordo, será Estado de Minas Gerais, capital em Belo Horizonte, de onde tenho conhecido gente por aí, atendendo a balcões e distribuindo carinhos por quem mais precisa deles.

Como a Keyla, em Ourém, que foi injetando minha mãe de insulina até ao fim. Uma pretinha meiga, doce, linda. A quem só falta mesmo ter olho azul para ser escandinava. Os cabelos louros a gente podia imaginar. Nunca mais te vi, como vai você, seu maridão, seus meninos? Vocês todos me fazem saudades e as saudades, vocês sabem, me trazem lágrimas!

19 de fevereiro de 2012

Roteiro para a natalidade

Há coisa de uma semana, competentes estatísticas (Eurostat, Ine, Census, Universidade Católica, Junta de Freguesia de Espite?) divulgavam aquilo que já se sabia, das mesas dos cafés aos bancos dos jardins públicos. Os portugueses são os que mais vezes fazem sexo por semana, ainda que isso pouco lhes adiante e a média, mesmo ponderada, fique longe da dos membros do governo, ministros e ajudantes incluídos. E talvez até mesmo do que fazia D. Afonso Henriques, enquanto se ocupava das tarefas de dilatar fronteiras e aniquilar a moirama.

Uma semana depois vem o presidente Cavaco, também conhecido por senhor Silva na freguesia da Madeira, exortar os portugueses a que façam filhos. E deixa implícito que os devem fazer em casa, de forma a evitar as importações e as cegonhas que os traziam de Paris, a bem da redução do endividamento, da ajuda externa, da balança de pagamentos e dos rendimentos do Dr. Catroga. Foi um ato patriótico que importa realçar, especialmente depois do impedimento de sua excelência em transpôr os portões da escola de António Arroio e por tê-lo feito rodeado de seguranças que o protegessem da letal ameaça de jornalistas encartados, prontos a pendurar-lhe a imagem na ponta de um disparo dos flashes.

Mas tal exortação pode ser um pau de dois bicos. Uma tragédia, se lavada a sério pelas centenas de milhar de desempregados, indigentes e meliantes que, tendo lido o manual para a procriação que anos atrás foi escrito pelo Dr. João Morgado, na altura ilustríssimo deputado pelo CDS, se entreguem ao coito sem proteção, nos portais das lojas, sob as pontes, nos prédios abandonados ou nas celas das prisões onde, mesmo sob vigilância severa, os presos se enforcam. Porque isso vai aumentar o número de desempregados, de dependentes das drogas, de alcoólicos e de arrumadores por cuja extinção o presidente da câmara do Porto vem lutando há três mandatos. E, a não ser seguida a prática daquele histórico parlamentar, terá de regressar do Olimpo, onde flutua, a poetisa Natália Correia, a fim de retificar um poema com que o imortalizou, dos passos perdidos a Sendim. Por, de forma desleixada, apenas ter feito um filho, parece que exatamente em período carnavalesco.

Pode, por outro lado, ser a salvação da Pátria e determinar a entrada do Dr. Cavaco na história da União Europeia, do país e da freguesia de Boliqueime, feito estátua encomendada por ajuste direto e plantada no adro da igreja. Perante a qual se curvarão em vénia respeitosa, os fiéis que se dirijam à missa ou que dela saiam, o pároco, o bispo e a memória do Cardeal Cerejeira. Que sempre advogaram o sexo sem píluta e sem preservativo, determinadamente para fazer filhos como os coelhos que foram os responsáveis pelo povoamento da Madeira, dignos e ilustres antepassados do foliante Alberto João. Será muito maior a oferta de emprego, os porões das naus abarrotarão de remadores e emigrantes, redescobrindo o Brasil e desobstruindo de dejetos as sentinas da senhora Merkel e do senhor Sarkozy. Este país ainda há de ser um imenso Portugal, ó Chico!

17 de fevereiro de 2012

O impedimento


O país foi ontem percorrido por um autêntico espasmo patriótico que lhe arrepiou a espinha dorsal, de Chaves a Faro. E tal foi que, de súbito e de forma imprevista como é seu uso, foi sua excelência o senhor presidente de todos os portugueses, titular de uma pensão de reforma à imagem e semelhança destes, acometido de um atípico impedimento, quando se dirigia à escola António Arroio, e se encontrava já próximo desta, no cumprimento escrupuloso de um dos pontos da sua sobrecarregada agenda diária. Tranquilizem-se todos os colegas que se espalham à volta de improvisadas mesas de sueca, do jardim da Estrela ao de São Lázaro, que sua excelência não teve convulsões nem perdeu os sentidos e se manteve sempre lúcido e de olhos abertos.

Fontes fidedignas, como as que alimentam de notícias a agência do regime e a televisão do ministro Relvas, adiantam mesmo que sua excelência despertara à hora habitual, ao som dos primeiros acordes da sinfonia número 40 de Mozart, tendo em fundo o conhecido corridinho Tia Anica de Loulé que, por respeito às origens, sua excelência continua a exigir no protocolo da sua vida em Belém. Com o quarto convenientemente climatizado, e ainda de pijama, fez sua excelência o seu exercício físico matinal, composto por seis flexões, três alongamentos e quatro bocejos, sempre com o sorriso saltando-lhe dos lábios e o seu conhecido sentido de humor soltando-se para deleite dos camareiros e do chefe da sua casa civil.

Foi ao duche habitual, usando champô de frequência e gel de banho que qualquer sem abrigo poderá encontrar nas lojas do Pingo Doce. O chefe da sua casa civil, em pessoa, fez questão de lhe estender o lençol de banho, em pano turco branco de não sabemos quantos gramas, para que se enxugasse. Vestiu a roupa interior habitual, incluindo a camisola interior e as ceroulas, pôs a gravata com o nó desenhando um rigoroso triângulo equilátero e envergou o fato indicado pelo assessor que tem a seu cargo essa complexa tarefa política, antes de tomar o seu frugal pequeno almoço. Composto, como sempre, por produtos integralmente nacionais, com exceção dos corn flakes, fabricados em Rio Maior e dispensando a habitual fatia de bolo rei, dado o adiantado da hora.

Tomou lugar no banco traseiro do Mercedes vulgar em que sempre viaja e a comitiva, precedida por duas dúzias de batedores e respetivas sirenes, meteu-se a caminho até que o insólito acontecesse. Sua excelência exercitava palavras de incentivo aos jovens que ia visitar, no sentido de se aplicarem no estudo e poderem rapidamente concluir um curso superior e um mestrado, engrossando a classe dos desempregados mais qualificados da Europa, que até a senhora Merkel inveja. Quando os serviços de informação e a maçonaria trouxeram ao seu conhecimento a perigosa concentração de meliantes em frente da escola, exibindo cartazes que reclamavam uma refeição diária, transportes a preços razoáveis e invocavam o valor das pensões de reforma dos pais, que não dão para as despesas.

Sentiu sua excelência, com sensatez, que a sua segurança corria riscos graves, o que de imediato lhe fez subir a tensão arterial e o ritmo cardíaco. De tal modo que teve de ser o seu ajudante de campo a ordenar a inversão de marcha e a retirada para Belém. E sua excelência, sempre tão afoito e determinado a pular barreiras e a subir a coqueiros, perdeu as estribeiras e não controlou a tripa. Apesar disso a agenda prosseguiu normalmente, depois da interrupção para novo duche e mudança de roupa.

8 de fevereiro de 2012

Discurso de Estado


Com a bandeira nacional em fundo, as câmaras e os microfones em frente e os portugueses em casa do diabo mais velho...

Senhora presidente, senhores membros (em sentido figurado e em sentido autêntico), senhoras e senhores deputados (em todos os sentidos). Incluindo a ala esquerda, extremos e interiores, como Travassos e Albano no tempo dos cinco violinos, quando o Sporting ainda ganhava jogos e marcava golos em Alvalade, paz à sua memória e glorificação eterna de todos os viscondes, de Alvalade à Porcalhota.

Venho aqui na condição de primeiro ministro e seus adjuntos, assessores, consultores e outros horrores para vos dar conta da minha governação e dos atos heroicos que me hão levar a outras paragens como levaram ao eletricista Guterres e ao solicitador Barroso. E para dizer aos portugueses que vos elegeram, ao abrigo das regras que vós próprios, de forma isenta e sábia, haveis definido, depois de termos o Dr. Salazar posto em sossego merecido e em Santa Comba. Paz eterna à sua memória, aos seus atos e às suas botas de pelica!

Venho com o mesmo sentido patriótico, solidário e abrangente, com que ajudo a minha mulher nas tarefas domésticas e me incumbo da lavagem da louça do jantar enquanto o orçamento de estado não der para comprar uma máquina. De fabrico alemão porque o que é Bosch é bom e melhor que Bosch só mesmo Berlim e Merkel. Para vos exortar a que sejais tesos e tesas, (em sentido figurado e em sentido autêntico, seja qual for a posição ou a edição do kamasutra) excluindo a penúria e a miséria, com ou sem uso de viagra, comparticipado ou não pelo ministro da saúde, recrutado como sabeis na ante câmera da falência do Millennium BCP, também conhecido por banco.

Tesos com D. Afonso Henriques, que começou por bater na mãe e se foi aos mouros num ato sublime de dilatar o espaço nacional, sempre com a espada na mão direita – já ele tinha horror à esquerda! – e a outra mão na braguilha, pronto a abri-la para a evangelização dos territórios conquistados, seja em que sentido for. E assim exterminou os infiéis, lhes violou as mulheres depois de lhes rasgar os trapos e acolheu as filhas desamparadas nos centros de apoio social que o país, e o soba da Madeira, conhecem no Intendente.

Tesas com Brites de Almeida, a padeira de Aljubarrota para informação dos senhores deputados licenciados pelos seminários de província, que mesmo depois da menopausa e sem ovulação se atirou à coisa, (em sentido figurado e em sentido autêntico e nos quatro sentidos como os pontos cardeais que são três: norte e sul), e desancou neles a dar com um pau, em sentido figurado e em sentido autêntico e em todos os sentidos, com tração integral e às quatro rodas como o todo o terreno que o Sr. Carlos Cruz utilizava para fugir das criancinhas. E os meteu ao forno a assar em lume brando em tabuleiros com batatas, bem regadas com o azeite virgem (?) da Quinta do Esporão.

Nada de ser piegas. E os portugueses que se ... (chamam-me, telefone... de Berlim!).

6 de fevereiro de 2012

Novo acordo ortográfico


Em épocas coloniais passadas, diferentes das que atravessamos nos dias de hoje, Angola teve um governador geral com os apelidos Sá Viana Rebelo. Militar como quase todos, general como muitos. Porque, como se sabe dos compêndios e das preleções do Dr. Nuno Rogeiro, as certezas democráticas residem na boca das armas e no acre perfume dos fumos da pólvora.

Pela mesma época um indescritível escrevedor de prosas bárbaras, cujo nome o tempo e a memória me levaram, estaria de acordo com o ainda vigente Dr Salazar em tudo, exceto no essencial: não lhe tolerava a convicção democrática que o levava até a ter uma união nacional e uma câmara corporativa. Quando o ideal seria um sistema, democrático sim, mas em que apenas o Dr Salazar pudesse votar e representar os milhões de portugueses que se espalhavam pelas ruas da miséria e pelas fossas da Europa.

Mas este escrevedor que nem candidato ao Nobel chegou a ser, "desarrincou" um dia uma conclusão arrasadora, que consolidou a unidade do império e a cristandade do gentio. Disse ele que o governador geral, durante o seu mandato, tinha tomado duas decisões importantes e sensatas, apenas duas. Primeiro, ter nomeado um seu irmão presidente de uma câmara. Segundo, tê-lo exonerado para o nomear governador do distrito de Benguela.

Assim também com a paródia que vai sendo o novo acordo ortográfico, com apoiantes e desapoiantes, como num qualquer futebolístico Porto – Benfica. O que vai alimentando a divergência e a dúvida sobre se devem ou não trocar-se os bês pelos vês e onde. Nos escombros do bairro do Aleixo ou do Casal Ventoso? Haja Deus, que deu ao país e ao sistema solar, o Dr Graça Moura. Laureado poeta, competente tradutor de pronúncia irreprensível, incontornável parlamentar nas horas vagas e, agora, mandador do bailarico que vai no centro comercial de Belém.

E que, mal chegado, mandou às malvas, depois de enxotar as moscas, todas as muitas reuniões e contratos que sobre o assunto um governo, no patamar da puberdade, tinha assinado e decretado que entrasse em vigor. Determinando apenas que se não utilizasse, decisão sapiente e soberana, que terá sido apoiada pelos contínuos do ministério e pelos estafetas da presidência. De forma que farmácia se escreve com “ph” como nunca deveria ter deixado de ser. Pharmácia, a ver se desce o preço do óleo de linhaça!

Reabertura

Não sei se será para valer, mas gostava que fosse. Mais do que isso, gostava de ter as ideias que sempre me faltaram e a habilidade que nunca abundou para as contar. Porque os dias são de crise e de "troika" e, com a globalização do calote e a subida do juro não faltam lamúrias nos telejornais e miséria nas esquinas. Vamos a ver!