27 de agosto de 2014

Futebóis...

O país, este país – com letra minúscula e pequenina - é, como se sabe e definitivamente, o país do rigor. Em tudo, até na iniquidade e no disparate sem pés nem cabeça. E em todos os sectores, do menor e completamente desacreditado, como a política, ao maior, e de credibilidade inatacável, como o honroso futebol pátrio.

Ontem, exatamente dois meses depois do último jogo, o presidente da federação veio prestar contas aos desgraçados dos portugueses, já sobrecarregados com impostos, desemprego, justiça que não funciona a não ser em relação aos Drs. Ricardo Salgado e Duarte Lima e ao sucateiro de Ovar, cujo nome foi publicado no jornal da terra, e saúde, de que trata um enfermeiro contratado a quatro euros a hora e um “call center” – a minha pátria é a língua portuguesa! – que dá pelo nome de Saúde 24.


À hora marcada havia até um árbitro internacional para dar a apitadela de saída, para conferir outro realismo à coisa. E os portugueses – esses madraços que se maribam para estas questões de interesse nacional – ficaram tranquilamente a saber que todas as opções feitas tinham sido corretas, as derrotas sofridas tinham sido injustas, os árbitros – como é apanágio da actividade – tinham sido uns ladrões, as bolas rematadas ao lado das balizas tinham de facto ido para fora, depois da comprovação em mais de um milhar de visualizações das imagens de vídeo.

E também não foram cumpridos os objectivos mínimos exigíveis que, todavia, não foram nem enunciados nem exigidos. Mais, nem os jogos particulares disputados nos Estados Unidos, onde a bola ainda é quadrada, nem a cidade escolhida para estágio dos profissionais do chuto – cuidado com a interpretação! – nem sequer a dimensão das camas e a qualidade dos colchões utilizados para o repouso – ou para o exercício! – dos jogadores tinham tido a mínima importância no insucesso da seleção ou na derrota de Álcacer Quibir.

A culpa maior foi, naturalmente e como sempre, dos outros. Desde logo da Alemanha, que manda em tudo, a começar pela União Europeia e pelo mais do que independente patriota Durão Barroso. Porque tinha ganho e não estava combinado que ganhasse, mesmo que o campeão da beira Reno não tivesse sido o Benfica e o Sr. Jorge Jesus. “Não fomos competentes”, uma razão excecional e histórica, cuja origem vem já do torneio dos Arcos de Valdevez, onde D. Afonso Henriques bateu na mãe. O que implicaria que Vasco da Gama tivesse nascido em Sines quando deveria ter nascido na Malveira da Serra e D. Sebastião tivesse sido rei em vez de ponta de lança. A única coisa mesmo certa foi o Sr. Paulo Futre – com ou sem paletes de chineses – ter nascido no Montijo!


Quando a gratidão se veste de ternura


Algumas pessoas deixaram uma marca indelével na minha vida e não vou enumerá-las todas. Mas quero referir duas, que acarinharam os meus primeiros passos escolares, que me guiaram, que me transmitiram alguma coisa do pouco que sei, que me fazem sentir, felizmente, reconhecido e particularmente grato. 

A primeira foi minha professora primária na antiga terceira classe, na escola primária nº. 21, no Bairro de São João, no Huambo, Angola e já os muitos anos de vida a levaram do nosso convívio. Foi a Sra. D. Ana Costa Reis, que me levou pela primeira vez à casa do seu único filho, Jorge Costa Reis, em Portimão, empunhando um pequeno e singelo ramo de flores que me dava um ar "ternurento", na opinião da minha amiga Milú Leitão.

A segunda foi a Sra. Dra. Dorinda Agualusa, primeira professora nomeada para o Liceu Nacional de Nova Lisboa, hoje Huambo, e que me transmitiu os rudimentos que tenho, de português e francês, felizmente entre nós, onde o destino a deveria manter para sempre, na juventude dos seus 90 anos. Em cada encontro faço por levar comigo a pequena gratidão de um raminho de algumas três orquídeas, flor por que mantenho uma preferência especial. Da última vez, um raminho com dois antúrios, um branco e um vermelho, e uma orquídea.


Creio não ir ferir a modéstia da Dra. Dorinda nem do seu esposo, meu querido amigo Manuel Cunha. Mas não resisto a publicar aqui, com o meu pedido de desculpas pela ousadia, a ternura que me devolvem e que me leva a acreditar que, com pessoas assim, o nosso mundo poderia ser de facto muito melhor. Por favor, vejam a dimensão que transborda das duas imagens que acompanham estas notas. Bem hajam meus queridos amigos, não tardarei em Montedor!

15 de agosto de 2014

António José Seguro

António José Seguro nunca me enganou. Por detrás daquela carinha de bem comportado menino do coro, a que falta a bata branca, está o prodígio que aos cinco anos sabia de cor todo o catecismo – incluindo o Credo e a Salvé Rainha -, aos sete ajudava à missa de domingo e agora está predestinado a salvar a pátria, chegar a Marte e colonizar todos os satélites que giram em volta de Saturno. Indeferindo, logicamente, qualquer pedido para que se exume o que resta de D. Afonso Henriques na sé de Coimbra ou repita o torneio de Arcos de Valdevez, para tirar teimas.

Em prosa, que ele assina e que não se sabe quem redigiu, por sinal sem erros de ortografia nem calinadas de maior, anuncia-se a indústria como o novo motor da economia, uma novidade. Porque o país, como se sabe, não tem agricultura. Apenas algures dois casais de jovens agricultores, na casa dos oitenta anos, planta duas couves para o caldo e corta, à foice, umas ervas para as cabras. O país não tem pesca porque os barcos que restam sulcam o Douro à procura de Barca d’Alva, com turistas ingleses debruçados nos convés, e os pescadores à linha envelhecem nas margens, esperando pelo crescimento da tainha e pela baixa do custo da minhoca.

A indústria será de facto o motor que não há e que, se houver, se não sabe para que serve. Têm-se visto motores em muita coisa, de bicicletas a submarinos, mas nunca nenhum iluminado se tinha lembrado de atrelar o ministério da economia a um motor e a rebocá-lo para onde a indústria exista, representada por uma fábrica com os trabalhadores despedidos e as instalações em ruínas. O ministério da economia andará a reboque da indústria como a seleção de futebol – uma nova indústria(?) bem sucedida, onde alguns espertalhões enriquecem assim à maneira do transparente Ricardo Salgado – anda a reboque de Cristiano Ronaldo, montado em meia dúzia de carros de luxo, camas com colchões da Colunex e uma ou outra russa oportunista que prefere o euro ao rublo.

António José Seguro propõe ao país, assim tu cá tu lá, como se este fosse o sacristão que lhe deu a mão quando começou com a Avé Maria, um Plano de Reindustrialização 4.0 (PR 4.0) que, apesar das letras a que se resume, não tem nada a ver nem com Belém nem com Durão Barroso, que não quer para lá ir. E que assenta em três eixos como qualquer camião Tir de três rodados com força suficiente para galgar os Pirenéus. E propõe que se produzam mais tamancos, mais trapos para ceroulas, mais moldes para encher de gelatina, mais uma série de bugigangas para atulhar as lojas dos chineses. Que se dê prioridade aos setores endógenos, que não existem: a agricultura das couves para o caldo, a agroindústria do tomate para as maluqueiras dos espanhóis, a floresta ardida de fio a pavio e a indústria extrativa de esparguete das entranhas do Guadiana. Adopção de uma estratégia industrial 4.0, de que o país carece, desde que D. Pedro vingou a morte de Inês de Castro e D. Diniz interpelou a rainha Santa Isabel sobre aquela história das rosas.


O titular da pasta do motor, obviamente, só pode ser um: na impossibilidade de nomear D. Afonso Henriques há-de o senhor Seguro nomear Mário Soares. É de facto de um jovem destes de que o país precisa!