30 de outubro de 2012

Orçamento para 2013


O circo desceu à cidade, instalou-se na arena de São Bento e trouxe consigo o seu tropel de bobos, fantoches e palhaços. Sábio é o povo envelhecido e analfabeto que ainda sobrevive na freguesia onde minha Mãe repousa para sempre. Que há dezenas de anos repete de forma simples e linear que quem não presta vai para Lisboa e para a política. E, acrescento eu, uma vez em Lisboa e na política passa a prestar ainda muito menos. Mesmo enriquecendo ilicitamente com as negociatas que a atividade promove e facilita.

Por simples acidente assisto a parte da discussão do Orçamento para 2013. Em que nem uma palavra que fosse foi dita sobre o assunto. A oposição acusa a maioria de inação, o primeiro-ministro de entrar mudo e sair calado nos conselhos europeus e de estar em representação dos interesses da chanceler alemã. O primeiro-ministro intervem, diz ele, em defesa da sua honra. Provavelmente porque não é mudo e seguramente porque pensa que não é surdo. Lava-se roupa suja, quando o mercado está cheio de máquinas de lavar e os lavadouros públicos há muito ao abandono. Molhada, pendura-se nas costas das cadeiras. Não terá tempo para secar e ninguém a passará a ferro. Os senhores deputados, com o devido respeito, não servem nem para lavadeiras, uma atividade que o tempo tem feito cair no esquecimento. Os senhores deputados não servem mesmo para nada, não representam ninguém, não fazem a mínima ideia do que seja serviço público. Muito menos competência, muito menos honestidade. Os senhores deputados são treinadores de bancada que não sabem as regras do jogo mas que crucificam o árbitro e falam de cátedra.


Fala-se de estado social sem se saber o que se diz e menos ainda o que isso é, porque não é coisa que lhes diga respeito. Não têm que se preocupar nem com as taxas moderadoras nem com o médico de família. Como na televisão se fala em serviço público sem que alguém, alguma vez, o tivesse definido ou fosse capaz de o fazer. Embora ache que o mesmo pode ser prestado por qualquer canal privado, desde que se lhe pague para isso. E se mantenha a transmissão pública do futebol, uma atividade transparente e inatacável, como monopólio exclusivo do senhor Joaquim Oliveira. Como nos Dez Mandamentos, invoca-se o Santo nome de Deus em vão, o que é uma vergonha e um pecado mortal. Espera-se que sejam rapidamente encaminhados para o inferno, onde as chamas alterosas os devem devorar, sem demora para defender o ambiente, e sem a intervenção dos bombeiros. A hipocrisia é maior do que o montante da dívida, a mentira maior do que a alarve dimensão do ministério da economia. Invocam-se números, alinham-se milhares de milhões que nem os 230 deputados entendem. Nenhum deles sabe a tabuada, todos contam às escondidas pelos dedos, lenta e desajeitadamente. O único que sabe utilizar um computador e uma folha de cálculo chegou a ministro de estado e das finanças. E ambiciona, com o traquejo, ser eleito para Belém, abrir uma página no Facebook e governar o país a partir de um “hot spot” numa qualquer área de serviço. Ninguém do povo acha que os deputados o representam, apenas estes se arrogam essa condição. Mas nenhum representa ninguém, nenhum defende outros interesses que não sejam os seus. Nenhum visa o bem comum mas apenas o seu enriquecimento ilícito que, obviamente, não é criminalizado.

Dizia Eça que o país estava perdido, com uma visão antecipada superior a 100 anos. Porque o país continua perdido. Melhor dito, ainda mais perdido. Porque se não alinham ideias, exibem-se fatos e gravatas. Não se analisam propostas, insulta-se o adversário. O parlamento, na sua pretensão de pertencer a um mundo desenvolvido, não tardará a ver os seus deputados engalfinhados, disputando a soco e a pontapé aquilo que não é capaz de discutir de outra maneira. Não importa que os senhores deputados aparentem ter cabeças, mesmo parecendo abóboras. Porque, ao contrário destas, nem pevides alojam. E a sua cotação nem sequer subirá perante a eminência do 31 de outubro e do dia das bruxas.

29 de outubro de 2012

Refundação


Sem acordo ortográfico, pelo Dicionário Complementar da Língua Portuguesa, de Augusto Moreno, 9ª. edição, fundação é o acto ou efeito de fundar; princípio; origem; instituição; criação; alicerce; litígio. Refundação, lamentavelmente, não figura, o que denuncia a natureza popular do ensina burros, que não atinge a erudição natural de Aveiras de Cima, ou de Baixo, dos licenciados por equivalência ou dos patriotas por vocação ou por desígnio superior e divino. Mas inexplicavelmente figuram refinar, reflexo, refluir, refogado, refolhado, reformado (em vias de extinção), reformatório, refractário, refresco, refugo, refúgio, refundição e regateiro, entre outros.

Com acordo ortográfico, pelo Dicionário Editora da Língua Portuguesa 2010, de autor incógnito ou tímido, fundação é o ato ou efeito de fundar; origem; princípio; parte de uma construção destinada essencialmente a distribuir as cargas sobre o terreno; alicerce; ato de criar; por doação ou testamento, uma instituição de interesse público e sem fins lucrativos (extinta; hoje é para recolher fundos do estado); instituição criada dessa forma. Refundação, de novo lamentavelmente, volta a não figurar, o que justifica a natureza rasa e anónima do dicionário, que não atinge a erudição das mansões fortificadas da Boca do Inferno, dos apreciadores de lagosta suada ou dos patriotas por vocação ou por desígnio superior e divino. Mas figuram refulgir, refundição, rega, regalia, regalar, regateiro, regedor e regiamente, por exemplo.


O que, desde logo, faz do Dr. (por antiguidade?) Passos Coelho um criador da língua portuguesa, não galardoado com o Prémio Camões como Luandino Vieira que, por desígnio pessoal e terreno, o recusou com humildade. E, mais do que isso, justifica a manifestação pública de ignorância do Dr. (também por antiguidade?) Tozé Seguro que se viu na necessidade de solicitar esclarecimentos e procurar explicador para saber o que raio quer o palavrão dizer. Tanto mais que o seu criador tem o milimétrico cuidado de salientar, a bem do rigor da governação e da credibilidade da linguística, que não se trata de nenhuma renegociação do acordo de ajustamento, etc, etc, etc., mas exatamente da refundação do acordo de ajustamento, etc, etc, etc. O que, tirando o etc, deve dar rigorosamente no mesmo.

Mas parece claro que o Dr. Coelho se quer inspirar em D. Afonso Henriques, ainda hoje considerado nos arredores de Guimarães como o fundador da nacionalidade, para voltar a fazer tudo de novo, e bem feito como deve fazer o estado que dele regorgita. Desde os mais pequenos e insignificantes pormenores, como rebater na mãe, refundar a nacionalidade una e indivísivel do Minho a Timor, reconquistar Lisboa aos mouros (com o auxílio dos cruzados e do Sr. Pinto da Costa), redescobrir o caminho marítimo para a Índia e para a Fuzeta (via praia do Vau), ressuscitar o Sr. Conde de Oeiras (não confundir com o exemplar reautarca Isaltino Morais) e o Sr. Marquês de Pombal, rejulgar os Távoras e reenforcá-los sem dor e sem perda de tempo.

E, além disso, com o voluntarioso auxílio do Álvaro, do ministro das finanças e da troika, refundar-nos a todos, felizes para sempre, sem desemprego, sem miséria, sem fome e sem condições para criar e educar os filhos. E sem necessidade de os embarcar no bojo das galeras a caminho da emigração e da subsistência. Refundados mas felizes!

26 de outubro de 2012

Francisco Louçã


Ao fim de treze anos como deputado à Assembleia da República Francisco Louça renunciou ontem ao mandato e deixou o parlamento. Das poucas palavras que pronunciou sobre o assunto retive aquelas em que salientou sair tal como entrou: com a sua profissão, sem subsídios e sem reformas.


Para admirar uma pessoa não é preciso partilhar das suas ideias ou estar sempre de acordo com ela. Mas creio não ser difícil reconhecer que Francisco Louçã assumiu a sua condição de deputado com honestidade. Não se limitou a tratar da imagem e apresentou trabalho, defendeu ideias, sugeriu soluções, teve sentido de humor. Não me lembro de o ter visto ser apanhado em falso, foi uma voz incómoda, que questionou. Até ao fim. Mesmo que eu, em resultado da experiência, me confesse desencantado com a atividade política, a menospreze e a não siga de forma intensiva.

Numa época em que a democracia vai sendo progressivamente encerrada nas caixas fortes dos bancos e não é, definitivamente, opção nos corredores de Berlim ou de Bruxelas, creio ser de salientar a forma como se entregou às suas funções de deputado. Coisa que se não pode fazer em relação a muitos que jazem e se eternizam pelo hemiciclo. Tratando dos negócios!


23 de outubro de 2012

O Sporting


Não sei se Vasco da Gama já teria regressado da descoberta do caminho marítimo para a Índia. Mas sei que D. Sebastião ainda continuava ausente na demorada campanha de Álcacer-Kibir, à espera da manhã de nevoeiro que lhe camuflasse o regresso. Seria eu um rapazola mais novo e menos ilustre do que o senhor Manoel de Oliveira. Duarte Lima ainda nem seria sacristão, quanto mais político, empresário, magnata, arguido em processo de homicídio, pombo-correio retido em pombal de luxo, duplex, com uma anilha pendurada de uma das pernas. Gaspar ainda não teria dito a primeira palavra: austeridade, e corria pela casa, cambaleando, de cueiros. Nem sonhando que algum tempo depois uma campanha virada para as novas tecnologias lhe poria à disposição um Magalhães, daria muitos rendimentos sociais de inserção a uma fundação manhosa, confortáveis comissões a desinteressados patriotas e faria dele um utilizador do Excel e um ministro. Para regalo da freguesia e orgulho do pároco.


Por essa altura, em final de época, o Sporting viajou para Angola num bonito Super Constellation, utilizando motores de hélice e fazendo não sei quantas escalas pelo caminho. Depois subiu até cerca de 1700 metros de altitude, para o planalto central do Huambo, onde o ar ligeiramente rarefeito já dificultava o esforço. Perfilou no melhor campo da terra uma equipa a que ainda sobravam Vasques e Travassos como sobreviventes dos cinco violinos e defrontou a seleção do distrito. E, embora com alguma dificuldade, ganhou. O respeitado Zé da Europa marcou os dois golos da vitória e terá tido como prémio alguma Canada Dry e alguma sandes de presunto. Vem-me daí alguma simpatia pelo clube que, pese isso embora ao adversário do outro lado da segunda circular, foi o único que até hoje alinhou nas prateleiras os troféus correspondentes a quatro campeonatos seguidos. Mas isso foi no antigamente, na vida, quando os animais falavam. E o senhor Pinto da Costa creio que até ainda era solteiro.

Depois as coisas mudaram e a bagunça instalou-se e foi evoluindo. Os adeptos deixaram de desejar troféus e passaram a contentar-se a cada domingo com uma vitória, até com um empate, depois mesmo com uma derrota, desde que fosse por poucos. As direções foram-se sucedendo e as equipas também. Qualquer um trazia projetos infalíveis e equipas invencíveis que, fatalmente, falhavam antes do Natal e eram derrotadas antes do outono. Com Godinho Lopes veio um treinador novo, um administrador e um diretor desportivo a cheirarem a bafio e uma equipa contratada à custa do aumento da dívida, tal como o país. Tal como o país, falharam. E o presidente começou por decidir e iniciar a construção do novo edifício. Pelo tecto!

Despediu o treinador e continuou a pagar-lhe. E este, sem necessidade de ansiolíticos, foi-se mantendo no conforto doméstico, lendo os jornais desportivos, vendo a casa dos segredos e frequentando desfiles de moda. Para sua substituição trouxe um antigo jogador da casa, rápido no pontapé e forte no murro. Este deu uns gritos no balneário, agarrou alguns colarinhos, ameaçou apertar alguns percoços, ganhou alguns jogos. Depois foi ao estádio de Oeiras perder a Taça de Portugal para a Briosa, com um golo marcado prematuramente, parece que obtido ainda no túnel de acesso ao relvado. Pior ainda, parece que sem culpas do árbitro. Perdoou-se-lhe, tal como Deus o presidente é grande!

Para a nova época contraram-se estrelas sem brilho com cheques sem cobertura, duas vulgaridades. As coisas começaram mal, evoluiram para pior, acabaram péssimas. O Sporting perdeu até o estatuto de favorito em todas as arenas. Chegou à Hungria como favorito e regressou como goleado sem apelo nem agravo. Mandou-se embora o treinador, substituiu-se por um precário, prometeu-se um novo. Nem o novo foi anunciado nem a equipa passou a ganhar e acabou eliminada da Taça no primeiro jogo. O administrador e o diretor desportivo renunciaram aos cargos. Indiscutivelmente a equipa não ganha por culpa dos treinadores, dos administradores e dos diretores. Mesmo que os jogadores marquem golos na própria baliza, rematem para a bancada, treinem na Churrasqueira do Campo Grande e estagiem no Elefante Branco!

21 de outubro de 2012

Café Onital: Tarde de música e poesia


Ali, à esquina onde a Rua de Latino Coelho, num declive suave, desagua tranquilamente na Rua de Santos Pousada, há um café de que me lembro desde que os meus passos cruzam as proximidades. Ostenta um nome meio atípico e é local que pouco frequento, porque vai no sentido contrário aos dos destinos que habitualmente persigo. E ainda porque, sinceramente, não sou gente de café, nem de jardim, nem de estar quieto enquanto os minutos se escapam do relógio. Entro, compro um gelado, enventualmente sento-me, tomo um café de um trago, já as pernas se me entorpecem, dou por mim a esticá-las de novo no espaço dos quarteirões próximos.

Uma vez por outra o café afixa um pequeno cartaz num dos vidros que o rodeiam e anuncia um qualquer evento por cuja natureza nunca me interessei e cujo conteúdo nunca me levou lá. Para hoje, às 16 horas, anunciava uma tarde de música e de poesia. A curiosidade levou-me a ir espreitar, entrar, encontrar a sala cheia, encostar-me ao balcão e a pedir um descafeinado. E a ir acompanhando os dois poemas que cada pessoa dizia, chamada por um apresentador que, tanto quanto vi, não usava guião e conhecia toda a gente pelo nome e pelos hábitos.


O acontecimento surpreendeu-me. Primeiro porque é promovido por um café, que encerra ao domingo, sem subsídios do Dr. Rio ou da Secretaria de Estado da Cultura. E que conta apenas com o contributo ignorante do fantasma Gaspar que, como a todos aos do sector da restauração e a mando da Sra. Merkel, estabeleceu o Iva na sensata taxa de 23 por cento que o zé povinho paga, bufando ou não.

Depois pela ingenuidade das coisas simples mas sinceras, como as palavras que se espalham pela sala, saídas diretamente do coração, sem hesitações ou paragens intermédias. E no meio das quais há alusões a Manuel António Pina, que esta manhã de domingo levou a cremar no cemitério do Prado do Repouso. Há poemas de Torga, de Ary dos Santos, de Florbela Espanca, de Camões. Até do angolano Viriato da Cruz, se calhar sem que a maioria dos presentes saiba onde é o Loge ou o que é um maboque. E, intercaladas com os poemas ditos, há baladas cantadas por quem também verseja, que se acompanha à viola, e que deixam no ar o aroma da memória sempre fresca de Zeca Afonso.

E o evento, pelos vistos, tem periodicidade mensal. Assinalo o facto e louvo a tarde, o café e as pessoas que ali se reunem e partilham entre si aquilo de que gostam: a música e a poesia.

19 de outubro de 2012

101 anos minha Mãe


Não é que me tivesse esquecido, porque a tua memória me acompanha em cada doloroso passo deste resto de caminho que me falta percorrer. Mas apenas hoje assinalo os 101 anos passados sobre a data do teu nascimento e mais sentidamente ainda te choro a ausência. Tantos anos levei a entender a adoração com que falavas da tua mãe, para lá de toda a infância que não tiveste, de toda a juventude que te roubaram, de toda a vida que enterraste no trabalho sem proveito. E foi preciso que me deixasses só, sem vida, sem carinhos à volta. Foi preciso que povoasses todo o imenso deserto que me rodeia, que revolvesses toda a terra que me espera os despojos inúteis e sem préstimo.

De há cinco anos a esta parte os minutos que passam fazem muito menos sentido, contigo ausente. Não fazem mesmo sentido nenhum. Nem os minutos, nem as horas, nem nada! Chorar-te, minha Mãe, não é destino. Mas é revolta, por não estares!

18 de outubro de 2012

No futebol como nas finanças...



No futebol como nas finanças Portugal investe fortunas na formação. Por ambição? Para melhorar o medíocre ou mau estado de coisas? Não, por simples e puro masoquismo. Por acto surrealista que inspirou Alexandre O´neill para escrever poemas inesquecíveis e Eça de Queirós para lavrar verdades históricas com uma antecipação superior a cem anos.

No futebol construiram-se estádios de que se não precisava e, pior do que isso, para que não havia dinheiro e que ainda hoje se não sabe como virão a ser pagos. Alguns em sítios onde o futebol não era mais do que um negócio de fim de semana, entre solteiros e casados. Serviram para dois jogos do Euro 2004 e, daí para cá, não são pasto para vacas porque o ministério da agricultura liquidou a agricultura, a pecuária, a pesca e tudo quanto mexesse à volta, excepto o subsídio. No Allgarve foi edificado um, numa região onde não havia nenhuma equipa a competir no escalão superior da bola indígena. Deu-se-lhe um nome sonante e pretencioso: estádio de Faro-Loulé. Não serve para nada, nem para que os pescadores de Olhão estendam as redes a secar, enquanto a maré sobe e a faina aguarda.




Em Leiria foi construído outro, onde o clube da terra era dirigido por um dos portugueses empreendedores que dão empresários de sucesso e gestores de alto gabarito. E que, por casualidade, acabou detido há dias por frequentar demasiadas igrejas, assistir a elevado número de missas e trazer um terço pronto em cada bolso, para o padre nosso, para a avé maria e, agora, para a salvé rainha. O clube já tinha sido despromovido, por excesso de rigor e exagero no cumprimento, mas não usava o estádio. Ia jogar à Marinha Grande que, como se sabe, é a localidade que fica mais à mão para quem vive na Praça Rodrigues Lobo. Por inutilidade, foi posto à venda, em hasta pública. Não apareceram interessados na compra, só na comissão. E os concursos ficaram vazios!

Nas finanças construi-se uma ponte para atravessar o rio Tejo, de Lisboa a Alcochete, que custou uma fortuna para além daquela que o rigoroso orçamento e as dezenas de economistas estimaram. Demorou mais tempo a definir o local onde ia ser erigida do que aquele que teve de esperar pelo primeiro automóvel que a atravessasse. Por questões de ambiente, de ecolologia e de dois casais de pardais que vergavam os canaviais à força do papo cheio. Nenhum deles era ainda um tal de Sócrates, conhecido pelo exercício físico feito no Kremlin, no Outlet de Alcochete e nos Campos Elíseos. Fez-se uma Expo 98 que continua a entrar-nos no bolso disfarçada de fundação. Para variar custou o dobro do que os competentes peritos estimaram e o governo transcreveu no orçamento. Alguém foi responsabilizado por isso? Sim, o pobre do contribuinte a quem se impôs que pagasse enquanto o construtor civil edificava condomínios de luxo, especulava nos preços, atribuía mordomias e pagava comissões. Ah, e tiraram-se ilações políticas, mudando o primeiro-ministro para um palacete em Belém, com vista para o Tejo e anexos para os criados.

A megalomania levou a construir um CCB, acrónimo que indistintamente dá para centro cultural ou centro comercial. E que, consoante as circunstâncias dá para armazenar uma colecção de arte do comendador Berardo, pagar-lhe pelo subido favor de lá ter os trastes guardados e permitir-lhe que nomeie gente da sua quinta para receber os ordenados e arrecadar as gorjetas. Ou para o engenheiro Belmiro instalar um hipermercado com o bife ao preço da uva mijona e as frutas importadas de Espanha a metade do preço do tomate do vale de Santarém. E um conjunto de duas dezenas de caixas para prevenir o roubo e guardar os trocos.

15 de outubro de 2012

Um país que se reduz a um palheiro


Um país que não tem um conselho de ministros que se reuna durante vinte horas seguidas, sem interrupções sequer para ir verter águas ou ir trincar uma bifana e beber uma cervejola, é obviamente um país de preguiçosos. De indigentes, de calaceiros, de mandriões e de madraços.

Um país que não tem um conselho de ministros que se reuna às oito horas de segunda feira para retocar o orçamento de estado até ao último momento, é obviamente um país com um antiquado horário de trabalho de quarenta horas semanais, a exigir reforma. Que ainda se espreguiça na cama e se esforça por remover a ramela dos olhos, quando deveria estar entregue ao esforço de aumentar a produção e contribuir para a subida do Sr. Américo Amorim na lista dos mais ricos da revista Forbes.

Um país que não encerrou escolas às centenas e que não deixou no desemprego milhares de professores é um país que obviamente nunca foi à missa ouvir os sermões do senhor cadeal patriarca e que nunca se preocupou com o estado social que protege os reformados, o milhão de desempregados e a injusta clausura do Dr. Duarte Lima, com uma pulseira eletrónica amarrada ao tornozelo.


Um país em que os seus parlamentares temem a ignomínia de ser transportados num Renault Clio é obviamente um país de pelintras que não sabem que a democracia tem custos e que vestem fatos do Rosa e Teixeira, com as ceroulas encardidas por baixo, ignorando o que significa a dignidade dos cargos e a justiça do congelamento de salários e do confisco dos subsídios.

Um país que não trata os seus ministros familiarmente pelo nome próprio é um país que obviamente os não merece e não pode aspirar a outras intimidades nem, tão pouco, a ter um Magalhães em casa, com a eletricidade cortada e uma folha de cálculo que não serve para projetar o futuro, desde D. Afonso Henriques, saltando o domínio dos Filipes e outros pormenores de que apenas o Sr. Aquilino Ribeiro sabia.

Um país que não tenha o melhor povo do mundo é um país sem auto-estima que não merece o seu ministro das finanças nem a sua voz de cobrador do fraque, quando um orçamento estropiado é parido à força no exato dia em que faz 72 anos que foi lançado O grande ditador, de Charles Chaplin, vulgo Charlot.

Um país destes não existe, não é sequer um sítio que mereça uma linha da ironia do Sr. Eça de Queirós. Que se pode dedicar, por inteiro, ao cozido à portuguesa, à mesa do palheiro do Sr. José Estevão, na Costa Nova.

12 de outubro de 2012

Oposição acelera a favor do saque


Foi ontem notícia o facto do grupo parlamentar do Partido Socialista, ao que dizem na oposição, ter adquirido quatro viaturas Audi por mais de 200.000 euros, à conta do orçamento da Assembleia da República, que o mesmo é dizer à nossa custa. Manifestando assim o seu acordo e a sua solidariedade para com o rapaz que exerce o cargo de ministro das finanças e dando absoluta cobertura aos assaltos à mão armada que o mesmo e a sua quadrilha persistem, impunemente, em levar a cabo como se cada um de nós fosse uma máquina multibanco.

Houve logo vozes antipatrióticas de desmancha prazeres que se fizeram ouvir, incapazes de perceber até que ponto a decisão contribui para a equidade, para a superação da crise e para a erradicação da pobreza, principal objetivo do governo e do engenheiro Ângelo Correia. Porque a igualdade entre portugueses não se promove com uma frota de Fiat Punto nem a crise se ultrapassa sem custos financeiros que a troika nos cobra pela desinteressada “ajuda” que nos dá e sem o contributo de assessores, qualificados no dispêndio e inúteis no esforço. Mas isto são contas de outro rosário porque, se não fosse isso, até o jovem Mário Soares poderia ser candidato a ministro das finanças e não apenas uma edição antiquada do professor Marcelo a dar palpites ou de um montador (salvo seja) de tartarugas.


Claro que quem não se sente não é filho de boa gente. E a estrutura do partido dirigido por aquele rapaz que já esta semana foi à Disneylândia, visitar o pateta, não perdeu tempo a reagir. De forma rápida, simpática e, sobretudo, inteligente, por intermédio, claro, de responsáveis de primeira linha. Como Francisco Assis que, de Amarante a São Bento e do Terreiro do Paço a Felgueiras, conhece todos os sinuosos carreiros do poder, com todos os proventos, todas as mordomias e, naturalmente, todos os múltiplos e variados automóveis de  serviço. E como Carlos Zorrinho, deputado por nomeação vitalícia, acidentalmente secretário de estado e aspirante a um lugar à volta da gamela onde o Tozé e Séquito, SA sonham meter as mãos, os queixais e chafurdar livremente.

Ambos, legítima e demagogicamente, afirmam estar no parlamento em minha representação, sem que eu alguma vez lhes tivesse conferido mandato e considere o acto simples usurpação de funções como se me viessem dizer que eram o professor Karamba em pessoa e que me iam resolver os problemas do mau olhado. Ou a Senhora de Fátima, que me ia recomendar para um lugar de prestígio no parlamento celeste, onde não faltam nem o dinheiro, nem as mordomias, nem os automóveis de serviço e não são precisas cadeiras. Desculpem mas não, essa das setenta virgens à espera de cada um seria uma violência e a história pertence a outra freguesia... e depois nem se sabe se apreciariam a dádiva do profeta!

E disse Assis que qualquer dia queriam, não se sabe quem, que o chefe do grupo parlamentar andasse de Renault Clio, não revelando quanto lhe terá pago a marca francesa pela publicidade, sendo certo que a referência não terá sido grátis. Como em tempos lhe tentaram explicar em Felgueiras, os portugueses que ele representa estarão de acordo em que seja lá quem for utilize um Renault Clio no dia em que cada um deles tiver também um ao seu serviço, com os menos de 400 euros que lhes deixam de salário mínimo. Até lá têm os senhores deputados os transportes públicos ao seu dispôr, de que devem socorrer-se, a expensas próprias.

Da sua cátedra universitária Zorrinho concluiu, de forma superior, que a democracia tem custos, como as batatas, as castanhas e a couve galega. Não especificou a que democracia se referia e ficam dúvidas se falava do Afeganistão ou do Iraque ou mesmo da república dos Prakistão. Mas tem custos, pois tem, que os orgãos de soberania arrecadam à má fila e à mão armada. Para os mais diversos e inconfessáveis fins!

8 de outubro de 2012

O imbróglio


Uma segunda feira, já por si, é um imbróglio de todo o tamanho. A menos que seja verão, se pertença ao reduzido número de privilegiados que, mesmo com portagens, se deslocam para o Allgarve do Dr. Pinho e se estendam ao sol, de papo para o ar, a trabalhar para o bronze. Mas com a chegada do outono o tempo despe-se da canícula, ganha instabilidade e, como hoje e aqui, mascara-se de um cinzento invernoso e fresco que ampliam o imbróglio. E, a seguir a um fim de semana prolongado, em que o senhor Silva enterrou a República com um elogio fúnebre capaz  de fazer chorar o mais empedernido gato pingado, a segunda feira é mais do que um imbróglio. É um dia filho da puta, com a gente a digerir a inutilidade do discurso do Silva e a sua atitude complacente e altruista de revelar, longe e em voz baixa, que o povo deve ser ouvido. Sem que se saiba o que ele entende por povo e, menos ainda, sobre  que assuntos se lhe deve auscultar a opinião. Se é que ele acha que de facto deve!

E no meio de coisas tão nacionalmente relevantes, tão importantes para o sucesso financeiro que há-de ser o empreendimento do Pavilhão Atlântico e o pagamento dos juros dos empréstimos que o governo mendiga de mão estendida, ainda há um jornal apelidado de referência que não descobre melhor “cacha” do que escarrapachar na primeira página: “Passos administrou empresa que cresceu com fundos geridos por Relvas”. E remete para uma curta notícia, numa página interior, o início tranquilo do campeonato nacional de voleibol, com o Sporting de Espinho a impôr-se ao Caldas por três a zero, não fazendo a mínima referência às possíveis atividades dos Passarinhos da Ribeira nem aos respectivos resultados e ao comportamento, seguramente exemplar, dos seus adeptos.


Não imagino que circunstâncias levaram o editor a trazer um assunto de tal normalidade e irrelevância para aquele local e, ainda, a dedicar-lhe as mais de cinco páginas seguintes. É do conhecimento geral que ambos foram alunos precoces e brilhantes, e só a modéstia dos próprios e famílias impediu que fossem referidos como superdotados, que comprovadamente são. Que Passos Coelho tenha sido consultor e administrador de uma qualquer empresa que açambarcou contratos e fundos para projetos de formação profissional, não é assunto que espante. Hoje ele é primeiro-ministro do país e mandatário da chanceler alemã e ninguém se questiona sobre o assunto pu anda de boca aberta por isso. Pode causar estranheza é que tenha sido consultor a recibos verdes e não tenha reclamado da precaridade da situação. Sendo normal que se tenha esquecido de ter sido administrador, seguramente pela ridicularia dos respetivos honorários.

De Miguel Relvas falta dizer pouco ou mesmo nada, do tanto ou tudo que se disse nos últimos tempos: um incorruptível e um patriota, no rigoroso conceito de uma alta figura da magistratura. Notícia seria ele ter sido o forcado da cara do grupo de amadores de Tomar, ter consumado vistosas pegas à primeira tentativa e ter recusado a volta à arena, preferindo o anonimato da trincheira àss luzes da ribalta. Ou mesmo agora, na condição de respeitável ministro, se ter apresentado esta manhã na largada de Vila Franca de Xira, integrada na feira de outubro, e ter deixado pela areia da rua o perfume da sua valentia.

Quanto ao resto das pessoas envolvidas no imbróglio da empresa do Dr. Coelho e da secretaria de estado do Dr. Relvas, nada de especial a assinalar. Que pode ter de anormal o facto de todos terem sido elementos proeminentes da JSD? Não é verdade que os amigos são para as ocasiões? E mesmo isso pode não significar muito. Ainda ontem estiveram cerca de 39 mil espetadores no estádio do Dragão. Algo permite associá-los ao empate que o Barcelona, também ontem, consentiu em casa contra o Real Madrid? Ou dizer que o Sr. Mourinho foi o responsável pelos dois penalties assinalados contra o Sporting na cidade do Porto?

4 de outubro de 2012

A República acaba amanhã


Sem honra nem glória, vilipendiada e esquecida, invocada em vão, fina-se após uma negociata, à porta fechada, entre santos e pecadores. Numa cerimónia privada, reservada a um dos salões mais inacessíveis do município lisboeta e a um pequeno número de convidados do senhor Silva de Boliqueime que, por razões de segurança, sua ao que se presume, assim o determinou.

Há pouco mais de cem anos um outro Relvas desceu algures da região de Almeirim e da sua Casa dos Patudos para a proclamar de peito aberto e da varanda do edifício, sem temer os seus correligionários nem tão pouco os seus adversários políticos. Vir-se-ia a esperar quase tanto da República como se vem esperando da Senhora de Fátima. Acendendo velas, deixando esmolas, doando joias de família. Vãs expetativas, nenhum milagre, tão pouco uma elementar réstea de honestidade ou mesmo qualquer remoto aroma a competência.


A República trouxe uma confusão para resolver outra e não resolveu nada. Até que um rural ensinando em Coimbra, carregando às costas um saco de serapilheira e na mão um garrafão de vinho, se resolveu a descer até Lisboa, afirmou saber muito bem aquilo que queria, proclamou-se dono da quinta e aí se manteve até que uma cadeira de descanso o tivesse traído. Entretanto todo o tempo foi dele. Por celibatário e desconhecendo-se-lhe filhos bastardos, um outro professor da capital foi empurrado para a sucessão e tomou-se a sério. Muito mais nas vaidades do que nos propósitos.

Até que meia dúzia de militares de baixa patente, bem intencionados mas inexperientes, se puseram a caminho do Terreiro do Paço e, sem tiros, deram por si a ter a República nos braços sem saber sequer como alimentá-la. Mas, até aqui, o que mais surgiram foram patriotas que se foram servindo dela. Até chegarmos onde chegámos e prosseguirmos para onde se não sabe.

O Presidente da República adora o povo. O governo em peso adora o povo. O parlamento em plenário, sem ausências e sem trabalho político nas Caraíbas, adora o povo. E os tribunais, sem esquecer o Procurador Geral da República e a Dra. Cândida Almeida que não conhece o vocábulo corrupto, adoram o povo. Tanto e sempre que todos, em relação ao povo, agem de modo furtivo, movem-se colados às paredes, a coberto da noite, deslocam-se em automóveis de alta cilindrada, a velocidades quase supersónicas, com o caminho aberto por batedores. Não prestam contas nem pensam estar obrigados a prestá-las, confundem o que é coletivo com o que dá jeito  ser pessoal. Guardaram o socialismo numa gaveta e vão levando a democracia a enterrar em vala comum, em local desconhecido. E mesmo assim há quem hipocritamente afirme que este povo é o melhor do mundo. Apenas porque se não revolta, porque não dá cabo dos cacos que ainda restam!

2 de outubro de 2012

Unanimidade


Não se pode dizer que o governo tenha perdido o decoro e a vergonha. De facto nunca se perde aquilo que se não tem. Por um dia destes uma imagem, algures na rede, chamou-me a atenção pela piada e pelo tiro certeiro. Num hipotético desfile de prostitutas, uma delas empunhava um cartaz dizendo mais ou menos: “indiquem-me um político honesto e eu indico-vos uma puta virgem”. Tão difícil como encontrar uma agulha num palheiro, nos dias longínquos em que se usavam agulhas e se utilizavam palheiros.

Mas, que eu me recorde, nunca nenhum governo foi tão unanimemente acarinhado pelos portugueses como este. Nem mesmo o do tenebroso Dr. Salazar, que nomeava ministros utilizando um bilhete e os demitia por uma notícia de jornal. O Dr. Salazar ficou conhecido por diversos epítetos, alguns dos quais uma antiquada educação me impede de reproduzir. Mas um deles, inofensivo e decente, era o “esteves”. Por uma razão simples, ele nunca estava, já tinha sempre estado. Os noticiários da noite proclamavam: sua excelência o senhor presidente do conselho, professor Oliveira Salazar, esteve esta manhã no Porto, tendo admirado a imponência do edifício do mercado do Bolhão de dentro da viatura que o transportava, enquanto esta descia a Rua de Sá da Bandeira, a alta velocidade, para não prejudicar o fluxo de trânsito.


Ao Dr. Passos, tardiamente licenciado e sem estágio feito, afilhado e empregado de um ex-ministro que viu as portas sabotadas com palitos de tirar os restos de bacalhau dos dentes, não se pode exigir nenhuma qualidade parecida com as do Dr. Salazar, excetuando talvez a vocação autoritária, para continuar com a linguagem moderada. E nenhum dos  seus ministros, tenha a graça que tiver, de Álvaro a Paulo, de Gaspar a Macedo, pode ser comparado a um Rapazote, a um Varela, a um Santos Costa ou a um Nogueira. Salazar podia ser um ditador – condição que quase ninguém contesta, nem o Dr. Paulo Portas – mas era um homem inteligente e culto. Mais do que o Dr. Passos e até mesmo que o Dr. Borges exceto, quanto a este, nas suas próprias palavras.

De forma que o Dr. Passos e os seus ministros nem estão, nem estiveram. Incondicionais defensores do povo, do seu bem estar a da melhoria das suas condições de vida, evitam as manifestações de apoio e de regozijo por, ao menos no desemprego, seguirmos no pelotão da frente desta manta de retalhos que é a tal União Europeia. E, no caso do que ainda resta das ruínas do mercado do Bolhão, anunciam a visita e a entrada pela porta principal, na Rua da Sá da Bandeira, para depois entrarem a correr pela porta das traseiras, disfarçados no meio de alguns comerciantes de legumes, e se escapulirem pela primeira escapatória onde o automóvel os espera, de motor a trabalhar e motorista a postos para arrancar, uma hora antes. A alta velocidade, com os batedores à frente, a abrir caminho, até à autoestrada para Lisboa que é, como se sabe, aquilo que o Terreiro do Paço mais admira na invicta.

E que à entrada nenhum dos vendedores utilize o vocabulário a que está habituado. Se o fizer, mesmo por descuido, será forçado a abandonar o portal onde se acolhe por um diligente segurança que impedirá todas as câmeras de registar imagens e será voluntáriamente convidado a identificar-se com alguns certeiros golpes de kungfu. Para no dia seguinte a direção do mercado levantar o correspondente processo disciplinar e aplicar a inevitável coima. Se não houver lugar a despedimento. Enquanto os serviços de segurança proibirão o Dr. Passos de visitar a Ribeira e assistir ao futebol no estádio do Dragão!