27 de dezembro de 2021

Biografias e mulheres romancistas

 De quase nada a quase rei

Gosto de biografias e não as considero literatura menor. São até bem exigentes no que respeita aos dados históricos que utilizam, mesmo quando romanceadas. Este ano trouxe-nos uma, a meu ver, perfeitamente excepcional, de José Cardoso Pires, um escritor maior da língua portuguesa, tão maltratado em vida e tão ignorado depois de morto.

Quase com o ano a extinguir-se completo a leitura da de Sebastião José. Um homem que marcou o século XVIII português – tendo chegado até mais longe – como executor político do mandato de D. José I. Controverso e contraditório, foi todo poderoso até que lhe falecesse o amo e acabasse os seus dias no desterro de Pombal. Os dias do seu longo governo continuam presentes, na bela baixa pombalina erguida depois do terramoto e no beco do chão salgado onde os Távoras foram supliciados.

Desta biografia – e pessoalmente não li outras – ressalta o profundo trabalho de investigação, que varre as suas passagens por Soure, Londres e Viena, antes de regressar ao país e de ascender ao poder. Que depois é, a meu ver, desperdiçado no propósito de revelar o homem manipulador, sem escrúpulos e tirano que, mesmo tendo enriquecido, não passou nunca do fidalgote, depreciativamente olhado nos corredores da corte. Mas foi assim e foi mais do que assim. Tão pouco ele terá sido apenas o natural responsável pela reconstrução de Lisboa – ele, que era o poder – ou pela execução dos Távoras e do jesuíta Malagrida.


Paulina Chiziane – uma aproximação

A surpresa do prémio Camões com que foi distinguida, – não venceu, inexactos utilizadores da língua portuguesa, o prémio não é um concurso de pesca! – especialmente por me ser de todo desconhecida. E negativa, por preconceituosa, a insistente referência a ser a primeira mulher moçambicana a escrever um romance. Porque afinal isso é tão natural como José Craveirinha ter escrito um poema nacionalista ou Mia Couto ter escrito um conto e “inventado” um novo adjectivo, tenha ele sido o primeiro ou o vigésimo romance.

“Balada de amor ao vento” liberta alguns laivos de um certo realismo mágico, alguma assimilada – passe a expressão, sem propósito depreciativo – cultura europeia e, acima de tudo, a pureza e a ingenuidade de um continente como África. O que faz da aproximação uma agradável surpresa, a seguir com outros títulos da autora das margens do Índico, que me traz alguma da originalidade que, como leitor, procuro sempre.