25 de abril de 2013

25 de abril – 39 anos


Passados 39 anos sobre uma revolução que o não foi, a democracia está hoje como os jardins dos palácios de Belém e de São Bento: fechada a visitantes, a pretexto da continuidade das obras de manutenção. No caso dos jardins, é fácil e linear a explicação: ambos os inquilinos se limitam a evitar as inumeráveis hordas de visitantes que encheriam os espaços, num indescritível regozijo, e os aplaudiriam até criarem calos nas palmas das mãos, de tanto e tão fortemente os aplaudirem. Pela sua ligação à revolução, à democracia, ao povo humilde e sensato e à melhoria das suas condições de vida. A começar pelo aumento do salário mínimo, a manutenção da pensão medíocre do rural de Boliqueime, e a eliminação da pobreza utilizando um metro linear, dois decretos, quatro portarias e alguns sermões do senhor cardeal patriarca.

Mas à democracia, passado todo este tempo, resta-lhe o nome deturpado. De há muito parece saída de um piso de operações e se mantém na sala de recobro, sem assistência ou monitorização, sem esperanças de que recupere, convalesça, readquira forças e se revitalize. Mais do que exausta ou exangue, a democracia está moribunda. Não fosse a ditadura de uma Europa ajoelhada aos pés de uma Alemanha saída dos destroços de uma guerra, que só admite no seu regaço os estados onde vigore um regime que ela considera democrático, e tudo já teria certamente mudado. Eu, a quem este país roubou mais de quarenta meses de vida, no cumprimento de um serviço militar obrigatório, e que tive a felicidade de nunca sequer ter apontado uma arma a ninguém. Eu, que no cumprimento do mesmo serviço, vi o quarto onde vivia vasculhado pelos esbirros da Pide – e que só me levaram apreendido o Mar Morto, de Jorge Amado, porque todo o resto já estava a recato! -  e onde fui obrigado a apresentar-me com guia de marcha. Eu, que passei horas a dactilografar Luandino Vieira e José Craveirinha, para distribuir pelos amigos, venho aqui hoje solenemente afirmar que estou pronto para tudo.



Estou pronto para ajudar a restaurar o sonho que sonhei e que me roubaram, para garantir que os meus filhos possam ter uma vida melhor do que tem sido a minha, com emprego, trabalho, solidariedade, filhos e futuro. E que os filhos deles, se as condições permitirem que eles os tenham, os possam alimentar, prepará-los para a vida e legar-lhes outras perspectivas que não dívidas, juros, ganância, miséria e escravatura. Porque a democracia não é uma coisa estática e amorfa, saída da revolução francesa, para regredir até à quase absoluta intolerância da idade média. Deve ser uma coisa dinâmica, que se baseia nas pessoas, que as as respeita, que as chama a participar cada vez mais da vida pública, que evolui – e evoluir é melhorar! – e que, com isso, deverá fazer melhores os dias de hoje do que os de ontem.

Sem ditaduras dos mercados e da alta finança, sem mandaretes políticos juntos em maiorias de grupos e conveniências. Para vender ao desbarato o que ninguém produziu e que é de todos, arrecadar os dividendos, enriquecer impunemente e por qualquer meio e a qualquer preço. A democracia está moribunda, já não se salva com revoluções de cravos vermelhos espetados nos canos das espingardas. Nem com sessões solenes e hipócritas no anfiteatro de São Bento!

23 de abril de 2013

O país do Pacheco


O país é este, que faz Luiz Pacheco revolver-se na tumba, soltar impropérios, fazer corar de vergonha o ousado vernáculo da Ribeira e a erudição dos salões de São Bento. O circo não se monta pelo Natal para depois ser desfeito pelo Ano Novo. Funciona o ano inteiro, com os malabaristas a subirem ao trapézio, com a protecção da rede, e os palhaços a morar em Belém, à espera de mais uma fornada quentinha de pastéis polvilhados de canela.

Não fosse nada disto trágico e o país era um pagode, a gente ria-se a bandeiras despregadas, pateava, batia com os pés no chão, assobiava. Mas a verdade é que o presente e o futuro foram cortados rentes. Os velhos não têm alojamento condigno, são vulneráveis, perseguidos e espoliados, não têm nenhuma força do seu lado, esperam apenas que o coração lhes pare e a carreta os leve. E um sensível e sensato governante, julgando-se culto e engraçado, cola-lhes à testa um letreiro como se fossem judeus no III Reich: “peste grisalha”.


A parte activa da população, aquela que devia trabalhar e produzir riqueza, não se espalha pelos cafés como no tempo de Eça, porque não lhe resta dinheiro para a bica. Desempregados e sem apoios, são escravos lançados às feras numa arena romana, mandando os filhos aprender a ler com fome e sem saber para quê. O máximo que conseguem é tirar o sono e um qualquer ex-ministro que se fez licenciado em relações internacionais com a equivalência de duas semanas de férias em Copacabana, em hotel de luxo.

A juventude, sem presente, sem futuro e sem nenhumas perspectivas de poder arranjar um emprego, constituir uma família, utilizar a dispensa que o governo lhe concede para fazer um filho, arrasta-se pelas ruas, completa licenciaturas, mestrados e doutoramentos. E conforma-se com a ocupação à hora que o Continente lhe oferece na secção das caixas. O primeiro-ministro indica-lhes a porta de saída, expulsa-os, aconselha-os a emigrar. Ele, que se licenciou tarde e a más horas, vive na política desde que lhe começou a despontar o buço, não faz a mínima ideia do que seja o país real e vive curvado perante a chanceler alemã, muito atento, venerando e obrigado.

A informação não existe, nem nos jornais, nem na rádio, nem nas televisões. Os factos são manipulados à medida da conveniência dos seus administradores e de quem lhes paga para se manterem atentos ao conteúdo da gamela. Uma companhia de aviação vende-se à mesa do café, sem concurso e sem subscrição pública, entre uma bica e um copo de água. O que é público aliena-se ao desbarato, arrecada-se a comissão, o ministério público salvaguarda a legalidade e assegura que Deus dorme tranquilo porque não há corrupção. Qualquer despacho subscrito por um anónimo secretário de estado, a nomear para o seu gabinete um experiente especialista de 20 anos de idade, é considerado uma reforma. Se o mesmo despacho for subscrito por um ministro e abranger dois especialistas reclama, desde logo, a dignidade de reforma do estado, nome em avenida, discursos de inauguração e corte de fitas, com a memória e a inteligência de Américo Thomaz ao virar da esquina.

Por estes dias, se esta coisa que se pendura do Cabo da Roca fosse um país, que não precisava sequer de ser civilizado, estava meio mundo na cadeia, sem o requinte da prisão domiciliária ou o conforto da pulseira electrónica e sem admissão de nenhuma caução. Apenas por causa de uns contratos especulativos, ditos de “swap”, poucas vezes de risco, para que se não perceba o que está em causa, firmados por administradores ao serviço de empresas públicas, alguns desempenhando funções governativas. E que fez o governo? Veio a público denunciar a situação? Exigir responsabilidades? Reclamar transparência? Afirmar idoneidade? Impor-se em defesa do que é colectivo?

Nada disso! Pela calada da noite deixou ou fez partir sossegadamente os trapaceiros e nomeou outros. E, valha-nos toda a Santíssima Trindade, justificou-se: as trafulhices foram todas feitas antes da sua entrada em funções. De forma que não lhe podem ser assacadas responsabilidades. Adaptando as palavras de Almada às circunstâncias: “se este governo é português, eu quero ser espanhol”...

21 de abril de 2013

Vila do Conde, Mosteiro de Santa Clara


Não sei explicar porque gosto tanto de Vila do Conde. Mas creio que o principal factor será a tríplice cumplicidade entre a cidade, o mar e o rio. Para além da paixão pelos aquedutos e do fascínio pelos arcos. E, também, pela imponência do Mosteiro de Santa Clara, erguido escarpa acima, na margem direita do rio Ave.



Fui lá hoje, uma vez mais. Para voltar, também eu, vergado ao peso da vergonha. Porque um país que vende a preços de saldo, em negociatas de ajuste directo, os bens que herdou do passado, não pode aspirar a mais do que à tutela que tem. Um país que deixa ao abandono a património que possui e que o deixa ruir, não é digno de coisa nenhuma. Nem do património nem do povo que o ergueu com o seu esforço e o pagou com o suor do seu trabalho.

Nunca me foi possível visitar o mosteiro, por estar encerrado. Sempre pensei que ao menos estivesse minimamente protegido. Hoje, um portão improvisado, caído à força do caruncho ou do vandalismo, deu me acesso ao pátio. O cenário é mais do que dantesco. Portas, janelas, vidros, tudo partido. O interior, no muito pouco em que me arrisquei, tem o aspecto de degradação que ressalta de algumas imagens que aí vão e que não há palavras para descrever. No jardim, junto ao rio, um cartaz exposto recentemente, arrola datas e factos. Não justifica, não garante e não promete nada. O Mosteiro de Santa Clara, em Vila do Conde, é uma vergonha nacional!

12 de abril de 2013

Vai gordo o Douro


Vai gordo o Douro. Gordo e sujo. Feio, castanho, barrento. Encorpado, mostrando o físico, correndo tranquilo e atento. Vendo o que se passa à sua volta, o que se mexe no leito. Não chegou à linha das margens, está longe de as ameaçar e de invadir terrenos onde às vezes o leva a fúria do caudal. Mas quer mostrar-se musculado, pronto para o combate, se as condições a isso o obrigarem.



Nada o incomoda o vento desabrido e frio que vindo da foz sopra contra a corrente. Nem reage, não se lhe enruga a pele, não se lhe eriça a imperceptível ondulação com que marcha para o mar, não se lhe põem os cabelos em pé. No leito as embarcações encostam-se a alguma proteção que as margens lhes possam oferecer, resguardam-se, encolhem-se com receio de que o rio possa tomar a mal qualquer movimento não denunciado.

Não mostra nenhuma violência, não ameaça, não assusta. Só corpo e força, calma e tranquilidade. Impondo respeito, um respeito gordo e sujo.

9 de abril de 2013

A Justiça


Nada em Portugal é tão consensual como a Justiça e a fé na Senhora de Fátima como único meio capaz para superação da crise. A Justiça tem a importância de um ministério e a credibilidade de um vendedor da Feira da Ladra, sem ofensa para este ou para a emérita feira. A ministra proclama que, com ela, ninguém está acima  da lei e os suspeitos asseguram que também ninguém está debaixo dela. A Constituição classifica os tribunais como um orgão de soberania e o governo, - outro orgão de soberania sob tutela de um triunvirato de amanuenses estrangeiros - encerra-os, contesta-lhes os métodos e discorda grosseiramente das suas decisões.


Há dias o Tribunal Constitucional, no seguimento de pedidos de partidos políticos da oposição e do presidente da república – outro orgão de soberania, com morada fiscal em Belém e ausente em parte incerta – declarou inconstitucionais algumas normas do orçamento do estado para 2013. Logo o braço direito do saudoso ministro Relvas, que exerce as funções de primeiro-ministro, veio publicamente comunicar que não concorda com a decisão, que os juízes – alguns indicados pelo seu próprio partido – são ignorantes, inexperientes e de raciocínio obtuso, e que comprometem definitivamente o futuro do país, a descida do preço dos combustíveis e os lucros que o Pingo Doce acumula nas praças de Amesterdão e nos bancos da City.

Aventou-se de novo a possibilidade de exumar D. Afonso Henriques do seu merecido descanso em Coimbra, para o questionar sobre o assunto e chamá-lo à Assembleia da República – outro orgão de soberania onde se saboreia o melhor e mais barato bitoque do país – para saber se as decisões do Tribunal Constitucional se enquadram no espírito dos acordos feitos com os Cruzados para a conquista de Lisboa aos mouros. A questão está pendente do ministro das finanças, necessária para a aquisição de um martelo pneumático e de um berbequim, já adjudicados àquele deputado da terceira fila, por ajuste directo. Para acelerar a inquirição, o pagamento da comissão e o arquivamento do volumoso e inútil relatório.

Finalmente hoje uma notícia positiva, relativa a um desembargador da relação, apesar de um tribunal inferior o ter condenado a pagar a uma clínica uns “tratamentos de modelação corporal para redução do abdómen” (sic). É naturalmente positivo que o distinto desembargador se preocupe com a sua imagem – como aliás de há muito faz a D. Lili Caneças, vulto incontornável da cultura nacional e da venda de cremes para as rugas do pescoço – porque isso se reflete na imagem da Justiça, ela própria. O ministério, agradecido, deveria suportar essa despesa do seu próprio orçamento, mesmo que fosse precisa a autorização do ministro Gaspar. Não são muitos os magistrados que se preocupam deste modo com a sua figura, a imagem pública do seu tribunal e os resultados da equipa principal do Benfica!

7 de abril de 2013

Estado social ao domingo de manhã


Em calendário de primavera serôdia, um domingo chuvoso e frio que torna a cidade deserta e as ruas tristes. Um vulto esquivo, um guarda-chuva aberto, uma rabanada de vento mais forte, mais destroços na valeta para a recolha do lixo. O passo que se alarga, a corrida breve, a procura de refúgio num portal qualquer, o abrigo precário, como o emprego. Se o houver, o portal, o emprego e o tal estado social.



A força anímica que falta, e que acabou a fazer dobrar os joelhos ao ministro das equivalências, a prioridade dada ao emprego para que o desemprego cresça, o futuro do país preso por 15 euros de aumento no salário mínimo, que os empresários condicionam e o governo patrioteiro, decididamente, rejeita. O emprego em português que o país já não oferece a ninguém, nem a licenciados num domingo destes, com equivalências daquelas e filosofias de Paris, a bordo de um "bateau mouche", em pleno Sena, a imponência da Torre Eiffel por fundo.

Procuram-se e recomendam-se “financial advisers”, ninguém sabe se existem consultores financeiros e para que servem, nenhuma universidade tem cursos que os formem, sete dias por semana, em regime de equivalências e pagamento de propinas em prestações suaves, com juros à dimensão da voracidade da troika. Oferecem-se oportunidades a pessoas qualificadas para “assets management” mas não há emprego nem ocupação, seja de que natureza for, para gestores de activos ou de carteiras, especialidade de que os centros de emprego transbordam, em concorrência com trolhas e carpinteiros de toscos, perante o marasmo da construção civil e a paralisação dos trabalhos no túnel do Marão.

Realmente um estado social, de que toda a gente fala e que ninguém define, tem que preocupar-se com ocupações básicas, em que as qualificações são baixas e os conhecimentos iguais a zero. É aí que o governo evidencia a sua sensibilidade social e o reciclado ministro Relvas perdia o sono e sofria patrioticamente as noites. E tal é a preocupação do governo que este, para que lhe não falte matéria prima, tenciona começar por despedir na função pública quem tiver mais baixas habilitações para, de seguida, lhes dar formação profissional adequada e os empregar de novo. Como “financial advsiers” ou “assets managers”!

5 de abril de 2013

Na ausência de todas as coisas


Quando se fez luz e eu não soube o que chamar-lhe, entendi a existência de deus na forma e dimensão que lhe faltavam. Tanta coisa e nada sem nenhum sentido, à falta de símbolos para as representar e para poder dar-lhes um nome, um aspeto, uma cor, um cheiro, um movimento ligeiro. Tantas coisas sem nenhum nome para lhes chamar, a mesma coisa que ter tantos nomes sem nenhuma coisa para lhes atribuir, a perfeita ordem natural de tudo sem nenhuma arrumação e sem nenhum remédio.

Cruzarmo nos sob um pedaço de céu azul e não sabermos que isso é horizonte, quanto mais azul, que são olhos aquilo com que nos vemos e carinhos os raios de luz que nos atravessam. Tu e a tua mão ali, à beira rio, a água corrente com peixes à deriva, sem descobrirmos como nos tratarmos, desconhecendo que um gesto simples pode bastar para nos entrelaçar os dedos e as vidas, e para trazer para perto os barcos distantes e a felicidade que facilmente virá do paraíso seguindo o voo inquieto das gaivotas e o sonho louco dos poetas.



Tanto mar para navegar sem sabermos que é água, que é azul e que guarda peixes e conchas e tesouros de naufrágios que ainda não houve. Tanta harmonia por não haver ódio que se nomeie nem ambição que se conheça. Tanta gente diferente, para lá de todo o tempo líquido percorrido, sem sabermos que gente é, e que é diferente, depois de surgir na praia quando mais uma noite escura se enrola nas ondas de onde brota a luz tranquila da manhã, a coberto de um sol que enche a paisagem e nos restitui o olhar macio com que nos ferimos, sem o sabermos. E amarmo nos por isso!

Só o silêncio das palavras e o ruído desnecessário da sua ausência, tantos corpos que se apressam para nos tocar o comprimento dos cabelos, pássaros que voam de asas fechadas, espalhados pelas areias finas, os peixes sem barbatanas, encalhando como troncos perdidos que o mar devolve às pedras da praia. E a felicidade de se não saber cabelos, pássaros, areias, peixes, troncos e mar ou oceano. A necessidade assim urgente, de inventar um deus na ausência de tudo, sem nomes e sem distâncias, sem fomes e sem frios. Apenas a água salgada, os olhares naturais que partilhamos, os dedos que juntamos. A vida que se inventa sem nome, e que se vive sem limite!

4 de abril de 2013

O ministro Relvas


O ministro Relvas é o maior, o grande, o único empreendedor nacional, tenha o conceito de novo aquilo que o ministro e o governo entenderem. Já se lhe conheciam outros excecionais atributos, de imaginação e criatividade. A começar pela capacidade sideral de ser muito mais rápido do que o Acordo de Bolonha, conseguindo licenciaturas num ano, sem frequentar aulas, sem se apresentar a exames e conseguindo a equivalência entre a respeitável ciência do professor Karamba e a física quântica.



Agora, quando ao serão procurava ouvir e ensaiar o Grândola Vila Morena, de forma a fazer figura mais profissional na sua próxima interpretação pública, travou conhecimento no YouTube com um outro Miguel, de apelido Gonçalves que de repente convidou para almoçar e depois, nas palavras do próprio ministro, para ser o rosto do programa Impulso Jovem, teoricamente criado para combater o desemprego jovem e cujos resultados se têm traduzido no aumento imparável do respetivo desemprego.

E sem mais hesitações levou o coitado do rapaz a ocupar o púlpito de uma sala da Presidência do Conselho de Ministros e a fazer uma palestra que, segundo o próprio diz, é aquilo que diariamente faz na empresa de criatividade especializada na criação de soluções de comunicação interna de empresas que fundou e que um dia, se ainda prevalecer, a infalibilidade do Papa há de explicar o que é e para que serve, se isso ainda for necessário, do que se duvida.

Trajando a rigor, envergando camisa branca e sapatilhas cor laranja fluorescente, Miguel Gonçalves disse coisas inovadoras, criativas e transcendentes, asseverando que cada um é senhor da sua própria carreira, sendo um mito dizer não se ter dinheiro para estudar porque se não conseguem 100 euros por mês para isso. Porque 100 euros afinal até se conseguem a vender pipocas, provavelmente à porta das salas de cinema de um qualquer centro comercial. Se um conhecido engenheiro do meio logicamente estiver na disposição de o permitir sem lhe cobrar a utilização do espaço.

E.T. Segundo notícias de última hora o Miguel das sapatilhas acaba de ficar sem o seu patrão Miguel das equivalências. O país, coitado, a que já não bastava o estado de falência, está também em estado de choque. Já ontem, numa útil e eficaz moção de censura ao governo, qual bruxo, o Dr. Seguro anunciava um novo abril em Portugal. E afinal tinha razão o homem: hoje já é dia 4, outros 4 e é dia de são senhorio...

3 de abril de 2013

Salgueiro Maia – Morreu há 21 anos


O tempo é como a vida, passa a correr. De repente, parece que foi ontem à noite, faz 21 anos que Salgueiro Maia morreu. Não o conheci, e deixo aqui apenas um conjunto de três orquídeas, uma flor de que gosto muito, de forma sentida e saudosa. Enquanto no meu peito o sonho e a revolta se confundem e silenciosamente me perfilo perante a sua memória e a grandeza dos actos que praticou em nome do interesse coletivo.



Salgueiro Maia deu corpo ao sonho que mora comigo desde os 18 anos, ou antes. Acreditou que o mundo e o país poderiam ser melhores. Sonhou que todas as crianças podiam ter comida, roupa, calçado, instrução e um futuro digno. Não estando sozinho, é certo, pôs se à frente de um grupo de camaradas de armas, utilizando os meios que tinha ao seu dispor e desceu de Santarém a Lisboa, não forçando ninguém a acompanhá-lo.

O Terreiro do Paço era um deserto onde apenas já se divisava a voracidade mórbida dos abutres, cheirando a morte. E Salgueiro Maia encheu-o com os seus homens, soltando o sonho e a esperança. Mais tarde o resto do regime cair lhe ia aos pés, no Largo do Carmo e ele faria escoltar, até um avião, as múmias que corporizavam a cabeça do regime, com conforto e honra que não mereciam.

Não quis nada para si e recusou tudo, cargos, benesses e honrarias. E foi desde logo, e naturalmente, perseguido em vida. Por  aqueles que se encavalitaram nas suas costas, tentando chegar ao ramo mais alto e ao mais apetitoso e saboroso fruto. O poder político cilindrou-o, não teve uma palavra para lhe dizer, apenas lhe sobrou o pânico para o afastarem e o perseguirem.

Passados 21 anos sobre a tua morte, Fernando, os abutres espreitam na mesma em cada vão do Terreiro do Paço. As crianças, as nossas crianças, têm fome, falta-lhes roupa e calçado, não se lhes dá escola e riscou-se-lhes o futuro do horizonte. Os pais delas são aconselhados a emigrar, como se todos o pudessem fazer, e acumulam-se nos cabazes onde o governo vai arquivando as estatísticas do desemprego. E já não é possível contar nem os cabazes nem os desempregados.

Hipócrita, o poder político evita pronunciar o teu nome, faz tudo para que sejas esquecido. E pela calada da noite vai encavalitando placas com o teu nome às esquinas das travessas nas aldeias da província. Onde moras no coração do povo, que te aplaudiu o sonho e a coragem. E que, como eu, continua a acalentar o sonho e a desenhar a esperança. Para sempre!