30 de setembro de 2004

O país já não está de tanga

Vi algures, ontem ou hoje, que o país já não está de tanga. É verdade, e esta deve ser a primeira grande constatação e a primeira coisa sensata que este governo do utilizador-pagador leva ao conhecimento do Zé. O país de facto já vai nu em pelota, garboso como recruta a jurar bandeira, de cu à mostra. Empertigado e convencido segue assim, de vergonhas à mostra e ao dependuro e de galochas rotas apanhadas nas lixeiras que a filosofia do Sócrates há-de mandar incinerar.

Infelizmente a D. Júlia Pinheiro vem-nos dizer que as alfaces não crescem do chão e que os tomates, contrariamente ao que se possa pensar, não nascem aos pares. Pois não D. Júlia, pois não. As alfaces crescem nos mercados e os tomates, parece, não nascem nem à unidade. Só de lata e, mesmo assim, muitas vezes em pasta. O que não ajuda a que o país, pobre e pudico, possa cobrir as partes.

Fica-lha o recurso à parra, caso se apresse e não deixe que as vindimas e o Outono levem toda a folha caduca nos remoinhos de Outubro. Já ficará melhor, pronto para um desfile da D. Fátima Lopes.

29 de setembro de 2004

A RTP e a miséria do seu serviço público

Estive a assistir ao jogo de futebol Chelsea - Porto, para a Liga dos Campeões. Embora não tendo metido o Porto no bolso, como se costuma dizer, o Chelsea ganhou bem e acho que não há reparos a fazer em relação a isso. Mesmo que, como dizia o presidente do Benfica, e o Zeca Telhado hoje relembra, eu não seja também um super sumo na matéria.

Mas já há que lamentar e criticar a conduta da equipa de comentadores que a nossa querida RTP de serviço público teve no estádio. E que, segundo repetidamente afirmou, não contou com o contributo de um repórter junto do banco do Chelsea por dificuldades técnicas. O que, lamentavelmente, nos privou dos palavrões que a equipa técnica seguramente não terá poupado. Os comentários foram, como é hábito, excessivos. Comentar deve ser um acto isento, mesmo sendo-se português, eventualmente do norte, provavelmente simpatizante do Porto. Deve ser um auxílio para o telespectador, na identificação dos jogadores e no trajecto da bola. Os nossos comentadores são tão capazes que se pronunciam até sobre o que iria na cabeça de determinado jogador em certo lance e sobre aquilo que teria pensado. A darem-se conta dessa faculdade de adivinhação acabarão a fornecer-nos, antecipadamente, a cheve do totoloto europeu.

Todavia, bem pior do que isso, foi passarem o jogo a anunciar que a jornada de hoje tinha já golos em quase todos os encontros e que até Deco, agora ao serviço do Barcelona, já tinha marcado um. Mas sem nunca referirem o resultado de qualquer um dos encontros que, noutras paragens, estavam em curso. Acaso sabe aquela tropa fandanga o que anda para ali a fazer ou será tão ignorante que poderá pensar que a Liga dos Campeões se esgota no desafio a que estão presentes? Mais do que profissionalmente incompetente e eticamente desonesta a conduta é alarvemente imbecil. Por tentar fazer de todos parvos na esperança de os manter presos ao canal à espera dos resumos de mais tarde.

Resultados completos

28/09/2004
Olympiacos 1-0 Liverpool
Monaco 2-0 Deportivo
Dynamo Kyiv 4-2 Leverkusen
Real Madrid 4-2 Roma
Bayern 4-0 Ajax
Juventus 1-0 M. Tel-Aviv
Man. United 6-2 Fenerbahçe
Sparta 1-2 Lyon

29/09/2004
CSKA Moskva 2-0 PSG
Chelsea 3-1 Porto
PSV 1-0 Panathinaikos
Rosenborg 1-1 Arsenal
Barcelona 3-0 Shakhtar
Milan 3-1 Celtic
Bremen 2-1 Valencia
Anderlecht 1-3 Internazionale

A justiça infinitesimal

Uma curta transcrição, sem nenhum comentário, que seria sempre excessivo, espúrio e perfeitamente inútil:

Quatro anos depois do início das investigações e cinco meses após ter sido conhecida a acusação, o caso do "saco azul" de Felgueiras pode passar, finalmente, à fase de instrução. Só quatro dos 16 arguidos optaram por não apresentar o pedido de abertura de instrução, tendo o requerimento de Fátima Felgueiras sido o último dos 12 que deram entrada no tribunal, o que aconteceu precisamente no último dia do prazo previsto para o efeito.

Uma referência

A minha presença na vida, como na blogosfera, não é norteada pela procura de referências. Visito com regularidade sítios cujas opiniões não partilho, alguns que me exasperam, outros que me divertem. Muitos que me enriquecem, tanto mais que ainda hoje piamente acredito que apenas se aprende sempre com quem sabe e faz melhor do que nós.

Sócrates: 470 a 399 ACUm deles, sem a mais ténue sombra de dúvida, é o Citador, um sítio que, a meu ver, é perfeitamente incontornável. Seja-me permitido que, pela sábia actualidade que revestem nos tormentosos dias que passam, dali transcreva, com a devida vénia, algumas citações de Sócrates, o filósofo grego que viveu entre -470 e -399.

Sobre a educação:
Aquele a quem a palavra não educar, também o pau não educará.

Sobre a pobreza:
Creio que tenho prova suficiente de que falo a verdade: a pobreza.

Sobre a justiça:
Três coisas devem ser feitas por um juiz: ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente.

Sobre a juventude:
O que deve caracterizar a juventude é a modéstia, o pudor, o amor, a moderação, a dedicação, a diligência, a justiça, a educação. São estas as virtudes que devem formar o seu carácter.

Sobre o saber:
Só sei que nada sei.

28 de setembro de 2004

Os permanentes jogos de interesses

Recebi de um realizador uma proposta para dormir com ele em troca da minha participação num filme seu.
[Elsa Raposo, modelo e apresentadora, na Caras]


Se alguém ainda acreditasse que este país pudesse ser sério fosse no que fosse. Os conflitos de interesses estão por todo o lado, nascem como cogumelos nos pinhais - os que sobreviveram aos incêndios! - no início das chuvas. O lobby faz-se para tudo e por tudo, como se verifica. Mas, já agora, algumas questões. Dormir seja com quem for é perfeitamente inócuo, a menos que o parceiro ressone para além da suportável poluição sonora que humanamente se suporte. Podem é correr-se riscos, caso o parceiro - ou a parceira, está visto! - se aproveite do sono alheio e se aventure para além do repouso, percorrendo os insondáveis caminhos do sonho. De resto…

27 de setembro de 2004

Decrete-se sobre a obrigatoriedade da queca

Penalize-se o uso do preservativoUma espécie de falso pânico instalou-se hoje no país, no seguimento da divulgação dos resultados de um estudo realizado pelo Instituto de Ciências Sociais e que constata que, em quarenta anos, as mulheres portuguesas passaram de uma média superior a 3 filhos para metade disso. De uma forma geral a realidade está diariamente à vista de todos, bastando que se esteja atento. O estudo realizado sistematiza a recolha de dados, dá-lhes tratamento, interpreta os resultados.

É surpreendente é que a comunicação social tenha desatado no berreiro habitual, salientando que o estado nem fez, nem faz nada para contrariar a situação. Os índices de natalidade, ao nível a que se encontram, não asseguram a substituição de gerações. Ou, linearmente, o número de mortes será superior ao número de nascimentos e a população, cada vez mais envelhecida, irá decrescendo.

Pergunta-se o que é que o estado deve disciplinar primeiro: as mortes ou os nascimentos? Se se entender que se deve decretar a redução das mortes o estado deve proibir a morte a qualquer título, incluindo a que descontroladamente ocorre nas estradas e ainda a que decorre das pensões miseráveis que garante aos reformados. Não adianta aplicar coimas violentas aos potenciais assassinos, é preciso ir mais além. E proibir mesmo que se morra de velhice, uma razão muito utilizada pela classe médica na emissão dos certificados de óbito.

Caso se entenda que se deve decretar sobre a fecundidade das mulheres, devem recuperar-se as ideias do Sr João Morgado, antigo companheiro de partido do Dr Paulo Portas, que sabiamente referia, para escárnio da D. Natália Correia e de metade do país, que o acto sexual era para fazer filhos. Assim sendo - e o ministro da presidência o dirá, depois de se aconselhar com o primeiro ministro que sobre o assunto tem indiscutíveis competências -, deve realizar-se um congresso sobre o assunto e fomentar-se fiscalmente a prática da queca. E penalizar-se ferozmente tudo aquilo que lhe contrarie os objectivos, nomeadamente a aquisição de preservativos e da pílula.

Agora há uma coisa que verdadeiramente nos aterroriza. O estado, tenha a cor política que tiver e pese na economia aquilo que pesar, enche o diário da república com leis e regulamentos que mais não fazem do que foder-nos a todos. E então isso não chega? Vai agora emitir leis, decretos e portarias que nos obriguem a foder-nos uns aos outros? Ainda mais do que já se faz? Pasmamos! Mesmo que isso possa ter a aprovação dos párocos de freguesia e até dos bispos, será que a medida se enquadrará assim, sem repulsa, no espírito cristão do país e dos órgãos de soberania?

26 de setembro de 2004

A eleição da esquerda moderna ou isso

Partido socialista elege secretário geralAo que parece, porque o responsável do site do Partido Socialista está de fim de semana para um qualquer monte alentejano e este não foi actualizado, cerca de 30.000 militantes elegeram ontem, após dois dias de votação, o seu novo secretário geral. A percentagem de votantes em relação ao número de militantes inscritos não chega a cinquenta por cento, o que significa que a eleição, à semelhança dos referendos, não será moralmente vinculativa.

Depois, mesmo os cerca de 70.000 militantes do Partido Socialista não têm, relativamente ao universo do eleitorado, representatividade significativa: nunca ultrapassarão um por cento. E os trinta mil que agora votaram em Sócrates, Alegre e Soares Filho não representarão sequer meio por cento da totalidade do mesmo eleitorado. O que, em termos práticos, significa linearmente que meio por cento dos eleitores impõe o cabeça de lista que, usualmente, é chamado a formar governo no caso do seu partido sair vencedor do acto eleitoral. Deixemos de parte a conversa estafada, demagógica e trapaceira de haver candidatos a primeiro-ministro, um cargo para que nunca, nesta dita segunda república, houve eleições.

Mais de 20.000 militantes que votaram em Sócrates - um nome que é herança grega ou imitação de futebolista brasileiro - aprestam-se, em bicos de pés, para apresentar a factura. Não deixa de ser significativo o facto de, em Matosinhos, Manuel Seabra e Narciso Miranda se terem encontrado no momento da votação. E a facilidade democrática com que este afirma que continuará a ser presidente da câmara, quer o partido socialista queira, quer não queira. Depois do mesmo partido, em resultado de inquérito que promoveu tarde, por via sinuosa e a más horas, ter anunciado que nenhum deles seria candidato.

A lavagem está em marcha. Basta aguardar pelos resultados. É o sistema, como berra Dias da Cunha, que ontem, sem berros, apareceu para a vénia e para os cumprimentos. Mas que o sistema não convence, lá isso não. Um número muito mais elevado de cidadãos fez do Zé Maria vencedor do Big Brother. Também poderia ter feito dele primeiro-ministro!

25 de setembro de 2004

David Justino reabilita a política

É de homens desta fibra que o país precisa. Com a enorme estatura moral, ética, deontológica e arrojada que David Justino evidencia. Pergunta-se como é que alguém, por tenebrosa aleivosia, pode ter posto em causa a sua irrepreensível conduta. Quando, patrioticamente e com alguma prudência, foi fazer uns meses à Câmara de Oeiras, honrando o passeio marítimo e assegurando uma sofrível reforma que ajudasse ao seu conforto e ao infantário dos netos.

Não há memória do país ter tido um ministro da educação como este. Que reformou - na Câmara de Oeiras -, inovou, racionalizou, fez funcionar e que, saído há dois meses do ministério, sai ileso, sem mácula e sem responsabilidades na trapalhada caótica da colocação dos professores. Veiga Simão foi ultrapassado e João de Deus, desde o túmulo, aplaude a mãos ambas. A história pátria, honrada, acolhe mais um heroi. O panteão nacional reserva-lhe o lugar.

Por razões humanitárias não demitiu a directora Joana Orvalho, incompetente, sabotadora e com filhos para alimentar. É atitude cuja nobreza não encontra qualificativos nas enciclopédias, mesmo que ela tenha apresentado a sua demissão. Na cachoeira da confusão que varre o ministério, humildemente, não inveja a ministra e não lhe queria estar na pele. À boa maneira, chuta para baixo e responsabiliza um ajudante de ministro e um contínuo. Saiba o país merecê-lo e a lama acolhê-lo!

Tiro e queda


ALUGA-SE


Moradia nobre, do século XVIII, à Rua de 31 de Janeiro, também reaccionariamente conhecida por Rua de Santo António, com três pisos e quintal, dispondo de energia eléctrica, água e gás da rede. Dispõe de sala de estar, sala de jantar, três quartos, cozinha e casa de banho com retrete e água corrente. Arrumos e quarto para a criada no sótão, tendo este lavatório e jarro de água em esmalte de primeira da fábrica Mário Navega e ainda retrete em anexos no quintal. Caixilharia em madeiras importadas do Brasil, artisticamente carcomida pelo bicho e manualmente decorada a fogo pelas beatas de um reconhecido grupo de artistas populares diplomados na escola da Viela do Anjo, ao bairro da Sé. Original sistema de arejamento em que a admissão de ar novo se processa directamente pelas janelas que, com esse objectivo, simulam na perfeição terem outrora tido vidros.

Quintal com espaço para jardim e horta, com duas japoneiras, três nespereiras e seis pés de couve galega em pleno ciclo produtivo. O espaço reservado a horta garante o abastecimento de um família média de cinco pessoas e respectiva criadagem e a produção de batatas e cebolas para consumo até ao fim da primavera seguinte. Facilidades de rega com duas torneiras ligadas à rede e poço com balde e sarilho.

Vista panorâmica para a Rua da Madeira, a estação de comboios de S. Bento e o túnel de D. Carlos I, el-rei nosso senhor de boa memória tão tragicamente assassinado no Terreiro do Paço por sulistas elitistas e republicanos. Zona higienicamente liberta de ratos, gatas com cio e cães vadios. Área residencial de elite, com vizinhança seleccionada, sem casas de passe, putas de rua e chulos tísicos fumando charros encostados às esquinas.

Renda a combinar, exigindo-se referências, garantias e fiadores idóneos com rendimento mensal mínimo idêntico aos administradores reformados da Caixa Geral de Depósitos. Não se aceitam intermediários, agências imobiliárias, dirigentes de clubes de futebol ou presidentes de câmara cujo soldo não permita suportar uma renda que conforte o senhorio e contribua decisivamente para o equilíbrio do orçamento do estado.

A moradia foi inteiramente reconstruída no âmbito da nova lei do arrendamento e as obras realizadas em tempo recorde, sem atrasos e sem derrapagens financeiras, sob a gestão de um reconhecido e experiente ex-presidente do conselho de administração da Casa da Música.

24 de setembro de 2004

Que a Disney não dê pelo plágio

Está de parabéns a D. Celeste Cardona. Despedida, sem justa causa, do cargo de ministra da Justiça, que o bastonário da Ordem dos Advogados persistiu em dizer que não existia, apresentou-se ao centro de emprego da sua área de residência. Inscreveu-se, passou a constar das estatísticas, lado a lado com um trolha de S. Pedro da Cova, um carpinteiro de limpos de Arcozelo e dois caixeiros de Miragaia. Agravou as taxas oficialmente divulgadas, pesou-lhe na consciência o facto de contribuir para o retardamento da propalada retoma, preocupou-se com o futuro do país.

Felizmente, quem tem amigos não morre na cadeia e, se tiver dinheiro, ainda a abandona mais depressa ou nem sequer lá vai dar com os costados. Segundo dizem, porque ainda faltam casos concretos que suportem a asserção, como é do domínio público e da memória do Sr Vale e Azevedo. E, sendo assim, ultrapassado o curto período de férias a que os deputados têm inalienável direito e o seu profícuo trabalho largamente justifica, teve a sorte pelo seu lado e assinou contrato a termo como deputada. Apenas por necessidades momentâneas, decorrentes da excessiva carga de trabalho acumulado durante o veraneio, disse-lhe quem a admitiu e assim, letra por letra, passou a escrito numa das cláusulas do contrato.

Mas o mal de uns é a sorte de outros. Mal tinha ficado dias antes o Sr Mira Amaral, privado do satisfatório ordenado que lhe pagava a Caixa Geral de Depósitos, remetido para a faixa da população não activa com uma pensão de reforma de curtos 3.600 contos mensais que o obriga a apertar o cinto como sugere o governador do Banco de Portugal e impõe o ministro das finanças. Valha o facto de poder utilizar o passe social e de viajar nos comboios beneficiando dos descontos para a terceira idade para visitar a descendência e conhecer as ruínas de Miróbriga.

Bem fica a D. Celeste que, pelo sim pelo não e à cautela, tinha em tempos deixado uma ficha de inscrição na direcção de recursos humanos da Caixa Geral de Depósitos, sendo informada que não havia vagas. De repente abre-se assim uma e a sua ficha de inscrição está no topo da resma que se acumula em cima da mesa do amanuense que as guarda. Sorte tem ainda quando a análise do seu currículo é confiada ao deputado Gonçalo Capitão - um espécime que, Deus me perdoe e a Disney não dê pelo plágio, me sugere de imediato o sortudo pato Gastão, vaidoso, convencido e inútil - que lhe descobre qualificações que ela mesma nunca imaginou possuir. E o emprego, em consequência, lhe é entregue. Anda feliz como se este fim de semana fosse o baile de debutantes em que vai ser apresentada à fina sociedade de Cascais. E ainda mais porque sente que contribui positivamente para a retoma que José Barroso deixou como herança e deixa de ser apenas um número nas estatísticas do desemprego. Quem lá continua a figurar, sem o espírito patriótico de aceitar o primeiro trabalho, é o trolha de S. Pedro da Cova. E o carpinteiro de limpos de Arcozelo. E os caixeiros de Miragaia. Um a um, como números!

23 de setembro de 2004

O governo decreta o fim das mortes na estrada

Uma caterva de sábios ocupou-se durante uma infinidade de horas a pensar e a redigir catervas de palavras, frases, artigos e secções dando satisfação a encomenda de um sucessivo conjunto de governantes. Estes levaram ontem o nascituro ao parlamento onde o baptismo, santo e cristão, será oportunamente celebrado com óleos e unguentos enriquecidos com aloé vera, para protecção da epiderme do infante e conforto das mãos dos oficiantes.

O fim da morte nas estradas. Por decreto!Já tem nome: chama-se código da estrada e a escolha dos padrinhos esbarra na fila interminável dos pretendentes e voluntários. E também, sabiamente, tem um único e enorme objectivo: por fim, por decreto, à elevada taxa de mortalidade que é a imagem de marca das estradas portuguesas. Seguindo um método simples e linear que tal é o de aumentar o valor das multas - coimas, na versão erudita - a limites que, depois, impeçam os infractores de pagar atempadamente a prestação da casa e de adquirir os cadernos escolares para os filhos.

O sucesso está antecipadamente garantido em duas grandes vertentes. Por um lado, aumentará as receitas do orçamento de um conhecido adepto do Benfica, requisitado para ministro, auxiliando-o no controlo do famigerado défice. Por outro, reduzirá progressivamente a mortalidade nas estradas, simplesmente à custa da falência dos condutores. Sairia de facto muito mais dispendioso ensiná-los a conduzir, incutir-lhes algumas regras básicas de civismo, sinalizar convenientemente as estradas ou até limitar tecnicamente a velocidade a que os automóveis correm para a bandeira de xadrez.

22 de setembro de 2004

A febre carraça e os inquéritos parlamentares

Sobre os problemas da educação e as trapalhadas da desconseguida colocação de professores já não sobram comentários para fazer. De modo verrinoso, um algarvio dos três que reclamam a autonomia para o território e o liberalismo radical no balneário do Alvalade XXI, sugere mesmo que a Casa da Música, no Porto, será o novo símbolo das obras que nunca chegam ao fim. Permitindo, ao fim de tantos anos, que seja batido o recorde das obras de Santa Engrácia e que esta, justa e catolicamente, possa aposentar-se e beneficiar de uma pensão calculada pela bitola de Mira Amaral. Apenas pelo facto de, com transparência e isenção, como aliás sempre tem acontecido em todos os pormenores que se referem ao projecto, Couto dos Santos ter sido empossado como presidente do respectivo conselho de administração. A Casa da Música é uma obra emblemática, ponto final. Não há desvios no calendário e não se conhece sequer o conceito de derrapagem financeira. Como mecenas os administradores quase trabalham pelo custo da alimentação sendo certo que, por razões de proximidade, apenas frequentam as marisqueiras de Matosinhos. Os actuais desempenham os cargos quase em obediência aos laços de amizade que os une a Rui Rio. São com ele unha com carne, assim ao jeito de Narciso Miranda e Manuel Seabra. E sabe-se da sua apregoada sovinice, quase a descobrir-lhe a costela judia: só paga razoavelmente ao seu chefe de gabinete. E mesmo assim muito pouco mais do que o deficitário orçamento de Bagão Félix paga ao inquilino de Belém.

Mas que analogias levam ao título deste post? Em boa verdade e aparentemente, rigorosamente nenhumas, a não ser o absurdo. Tanto quanto se sabe a febre carraça não é frequente nos dias que correm, ao nível de países desenvolvidos que, como este, é convictamente europeu, tem deputados em Estrasburgo, forneceu um presidente para a comissão europeia e, decisivamente, enviou uma centena de militares da GNR para, pacificamente, implantar a democracia no Iraque. Já assim não acontece com os inquéritos parlamentares que a oposição, em uníssono, passa os dias a requerer no parlamento sobre todas as questões e com a mesma e única inútil perspectiva: a do lançamento imediato para o cesto dos papeis. Porque a sua viabilidade nem sequer é analisada pela maioria que às vezes se reúne em plenário para o voto e mensalmente se alinha nas máquinas do multibanco a assegurar-se de que lhes terão já sido pagos os sofríveis honorários que recebem por tanto honrarem a instituição e o país. Linearmente, sobre a conveniência e a oportunidade dos inquéritos é o imigrante Guilherme Silva que dispõe.

Depois, ao que parece e desde que diagnosticada, a febre carraça é inócua desde que combatida com um vulgar antibiótico. Raramente mata, a não ser em países do terceiro mundo onde a sua aparição é mais frequente. E em Portugal ainda se tem memória de que o último cidadão a associar-nos ao terceiro mundo foi Melo Antunes. Como também se sabe que isso lhe não melhorou o currículo, não facilitou promoções, não ofereceu cargos e subsistem mesmo dúvidas se, em parte, não terá morrido vítima de tal heresia. Os inquéritos parlamentares são, ao invés, coisa séria, que vasculham recônditos aspectos e se debruçam sobre ínfimos pormenores durante tempos intermináveis. Concluindo sempre que ainda não concluíram e que, para satisfação de Álvaro Barreto, nunca acabam. Quem inquire, se estiverem atentos, fá-lo sempre envergando fato e gravata, o cabelo domado à força de gel - o dos não carecas, é claro! - e com o aspecto grave de quem decide sobre a reeleição de W. Bush, a captura de Bin Laden ou a interdição de Cat Stevens. O tratamento é sempre por vossa excelência, em obediência ao regimento e a Mota Amaral. Nem José Castelo Branco ou Paula Bobone são tão formalmente protocolares!

21 de setembro de 2004

Arnaldo Matos à reciclagem

Esta noite, enquanto o Outono amenamente chegava, o ministério da educação entregava-se com afinco e convicção à assolapada paixão que lhe incutiu o engenheiro Guterres. Chafurdando nos tumultuosos e mal cheirosos efluentes que, a coberto da noite e da escuridão, os chiqueiros do oeste lançam em tudo o que é curso de água e onde, em consequência da poluição, fenece o viço do agrião e de outra vegetação aquática.

Parece que pelas três da madrugada, durante quarenta minutos, - pouco mais do que o tempo necessário para que o Sporting perca um desafio no seu estádio - o ministério afixou hipotéticas listas relativas à colocação dos professores. Por esta hora, ao que parece, o ministério exibe no seu "site" na internet a única mensagem em que alguém, sensatamente, pode acreditar: indisponível. Retira-se o "temporariamente" que, pela ambiguidade, não faz sentido e não tem nenhum conteúdo. Ignora-se o pedido de desculpas pelo incómodo porque nem resolve o problema nem coloca os professores.

Fala o ministério num problema imprevisto que terá surgido à última hora. Sendo certo que a única coisa que o ministério nos pode garantir é que não ocorrem, nunca, nenhuns imprevistos. Há meses que por aquelas bandas tudo é perfeitamente previsível. Ninguém arrisca a sensatez porque o disparate, a incúria e a incompetência são dinheiro em caixa. Que, ao menos, o ex-ministro David Justino possa ajustar o seu orçamento doméstico à dimensão da sua pensão e a vá completando com os magros rendimentos de deputado da nação. Merece que o país lhe reconheça e retribua o patriotismo. Entretanto chame-se à reciclagem o camarada Arnaldo Matos, o grande educador da classe operária. Globalizem-se-lhe as competências. Entregue-se à falência a ministra e o ministério. A taxa de analfabetismo, descansem, não crescerá!

20 de setembro de 2004

O regresso

Regresso e sento-me. Para descansar e para esperar, que há coisas que demoram e é melhor não facilitar a aparição futura de varizes. Lentamente vou recomeçar a contactar com as coisas do dia a dia. Durante este intervalo de tempo não acedi à rede, nem sequer para ver o correio e ir apagando os resíduos virtuais, tóxicos e mal cheirantes. A caixa transborda e há mensagens a oferecer de tudo. De planos individualizados de reforma a sexo, em todas as posições e de todos os géneros. De permeio com drogas miraculosas que nos levam a resistência a correr duas maratonas seguidas, embalar em preliminares de hora a hora e manter, sem descontinuidade, o desempenho de duas dúzias de garanhões na pujança da vida. Sem pre-ejaculações!

Não ouvi rádio e mantive, inalterado, o português meio bronco que trouxe da escola. Felizmente continuam em actividade o Gabriel Alves e o Jorge Perestrelo e nunca é tarde para aprender. Português e futebol, mesmo que eu desista do segundo porque cada comentador sabe, pelo que ouço, o triplo do José Mourinho, o sextúplo do José António Camacho e dez vezes mais do que o Dr Dias da Cunha e o seu sistema completo. Nem sei como Edite Estrela vende manuais, mas deve impingi-los aos coitados que, como ela, se sacrificam em Estrasburgo por melhor futuro e menor carga fiscal.

Não vi televisão e não sei se andam à solta mais celebridades do que andavam quando parti à procura de um tasco barato que fosse capaz de me servir uns sargos frescos, bem grelhados, com salada de tomate - montanheira, lhe chamam em Vila Nova de Cacela -, algures no sotavento onde, às vezes, também aparecem
jaquinzinhos. Quase nada olhei para jornais, mas dei pelo regresso de férias de José Manuel Fernandes pelo nome a subscrever um espaço público que, asseguro-o, não li vez nenhuma. E acho que, desta, esteve bem em todas!

Rapidamente me apercebo de que na refinaria de Leça ainda não houve nenhuma outra explosão e tomo conhecimento de que o ministro Mexia não foi responsável pela anterior de que, vagamente, ouviu falar. Porque, segundo parece que disse, não era afinal ele que mexia. Ouço que vão gastar dinheiro com eleições na Madeira e nos Açores, o que vai agravar os orçamentos regionais e, em breve, o Alberto João amarrará uma gravata ao pescoço, envergará um casaco mal cortado por cima da camisa esbarrigada de todo e virá ao continente, a apresentar a factura e a reclamar a cobrança. Podiam logo actualizar-lhe a renda na condição de utilizador-pagador, que quer dizer que quem leva a garina para a cama é que paga o serviço da quiteta. Narciso continua o rei da lota e o Seabra, parece, ameaça arremessar-lhe com carapaus a cheirar a fénico, fora de prazo. Ainda politicamente o PS continua com três candidatos a secretário-geral, discutindo entre si qual o mais socialista, qual o que chuta com ambos os pés ou qual o que escreve poemas de amor e raiva empunhando uma esferográfica barata com a mão esquerda ou fustigando as teclas de um computador com o indicador da mão esquerda. Gritando que é candidato a tudo, de primeiro-ministro a secretário de estado e, se o obrigarem, até a deputado da nação. É de tesos, na verdadeira acepção da palavra, que não do bolso a tinir de vazio.

Ainda não sei se a Fernanda Serrano já está grávida, se é menino ou menina, se já há nome para o crianço e padrinho para a pia batismal. Não sei se o Zé Maria vai poder ir às festas de Barrancos, se lhe derem boleia para poupar o dinheiro da camioneta, e se fica para as vindimas ou se regressa logo a cumprir as obrigações sociais a que o protocolo e a celebridade obrigam. Menos importante, tomo conhecimento de que a Casa da Música continua de vento em popa, sem atrasos e sem deslizes, com Rui Rio travestido na condição de accionista minoritário, de administrador e até de presidente do conselho de administração. Fiel ao rigor da contenção, sem gastar um tostão, para poder pagar a tempo e horas as ajudas de custo e o subsídio de refeição ao seu chefe de gabinete.

Sei, por aí fora, que o
Zecatelhado organizou um jantar muito concorrido e muito badalado. Mas em Lisboa, como não podia deixar de ser: sulista, elistista e liberal como dizia o Dr Menezes que mora na margem sul e é sportinguista. Pelas fotografias vejo que o Zeca posou depois da janta enquanto o Paulo o fez antes dos entretantos. Maguérrimo, como diriam as tias da etiqueta e da linha. Amanhã, de certeza, já vou saber mais qualquer coisa. Quanto mais não seja saber que, por uma noite, o Dr Dias da Cunha estraçalhou o sistema que viajou do Funchal, mascarado de verde e vermelho.

7 de setembro de 2004

Em missão de soberania...

Um pequeno hiato neste final de Verão que quase nem houve nem haveu. Enquanto, sob um abafado céu cinzento, a estação das chuvas se anuncia com aguadeiros carregando cheios e pesados cântaros. É só e apenas o tempo estritamente necessário para que se esgote o ordenado e se volte para se esperar por outro. Sentado.

Do projecto político e da goiaba

Ao que parece os três candidatos ao cargo de secretário-geral do Partido Socialista sentaram-se ontem, lado a lado, no conforto de um hotel lisboeta - sulista, elitista e liberal? -, a discutirem o que defendem para o país. O que não deixa de ser estranho e preocupante. Apenas porque a mim, pessoalmente, me intranquiliza a simples possibilidade do senhor Luís Filipe Vieira se recandidatar a presidente do Benfica anunciando as ideias que tem para o alargamento da União Europeia e para a democratização do Iraque. Porque se por um lado me conforta o facto de não ser sócio do Benfica, por outro me deprime a condição de europeu de pleno direito, desde que fora de águas territoriais, como mandam o ministro e os tribunais. E, pela força dos canhões, impõem as corvetas que ainda se mantêm à superfície, sem enjoo.

Depois, quanto à seriedade da nossa actualidade política, aguardo impaciente pela tal quinta das celebridades, com Picassos pendurados nas paredes lado a lado com Giocondas recauchutadas como a D. Alice de Caneças e Dalis, ressuscitados, agarrados ao sacho, lado a lado com Zé Castelo Branco, vestido por Armani, a tratar das batatas e dos nabos. A ver se a sopa de nabos de Gondomar, que o respectivo presidente da Câmara patrocina, paredes-meias com linhas de metro e campeonatos de futebol, consegue à mesa o mesmo número de comensais que o restaurante Toucinho, de Almeirim.

Vai-me soando, entretanto, que todos os três candidatos se confrontam no que ao país diz respeito com a questão do aborto e a indigitação de um candidato a primeiro-ministro. O que reconforta e, depois de três jaquinzinhos e duas cervejolas, certamente fará com que cada português exteriorize o orgulho de um incógnito elemento da claque dos superdragões de passagem por uma qualquer área de serviço na auto-estrada Lisboa-Porto. A continuidade do país está assegurada depois da honra e da dignidade nacionais terem sido heroicamente restabelecidas pelo ministro marítimo.

Quanto ao resto é esdrúxulo que se fale de candidatos ao cargo de primeiro-ministro, uma coisa que se não elege. Nem sequer apenas formalmente como o presidente do Futebol Clube do Porto ou simploriamente como o antigo chefe de turma, de olho vivo e pau de giz apontado ao quadro preto. Mas que se nomeia ao café de um jantar maçónico ou se requisita em comissão de serviço à Câmara de Lisboa. Alguém elegeu Santana Lopes? Ou já se esqueceram de quanto berraram e porque berraram? Ou será que, como seria capaz de dizer o caríssimo Ruy Goiaba, pimenta no cu dos outros é refresco no deles?

Canhonheiras mantêm vigilância

Uma prudente e rigorosa juíza de Coimbra confirmou a decisão política de não permitir a entrada em águas pátrias da ameaçadora jangada que, com garbo e valentia, a nossa marinha de guerra tem mantido para lá da linha de pesca que define a fronteira. Decisão mais complexa que difícil, obrigou a horas de consulta de alfarrábios, à compra de dicionários de latim e a corrector ortográfico a título preventivo. Porque na redacção como no aborto mais vale prevenir do que remediar.

Depois de arrumados os manuais e as sebentas a juiza decretou a proibição da entrada em águas portuguesas da jangada flutuando sob pavilhão holandês. Adiantou todavia que não eram proíbidas as acções de propaganda sobre o aborto e que a respectiva tripulação poderá livremente promovê-las em terra. Para onde se espera então que o patrão de costa mande avançar a maltrapilha tripulação da jangada. A nado. Devidamente escoltada por marujos portugueses, sisudos e ameaçadores, ataviados a rigor para a batalha que poderá ter por cenário o planalto mirandês. Para promoção da posta à mirandesa e das relações com o Brasil.

5 de setembro de 2004

Nota breve sobre a pedofilia

A revista Grande Reportagem tem presentemente periodicidade semanal e é distribuída conjuntamente com os jornais Diário de Notícias, de Lisboa, e Jornal de Notícias, do Porto. Ambos os títulos são, como é do domínio público, propriedade do universo Portugal Telecom. Infelizmente o grupo PT tem, em relação aos seus títulos, uma presença na rede que, a meu ver, fica abaixo de medíocre. E, assim sendo, aquela revista não está presente em linha.

Na revista de ontem, sob o título French Connection, vem publicado um importante trabalho de investigação da jornalista Felícia Cabrita. A mesma que começou por desencadear o terramoto em que têm sido apanhadas figuras públicas da vida do país e, mais do que isso, uma justiça em que acreditavam os incautos, convencidos do que funcionava. Para progressivamente termos colectivamente verificado que funcionava mal e, ainda progressivamente, de que pura e simplesmente não funciona. Nem sequer mal, o que a põe ao nível do país terceiro-mundista que enfrenta a propaganda sobre o aborto com canhonheiras.

Vale a pena ler atentamente aquele trabalho. Para que se perceba a lógica de muita coisa e se compreenda o vigor com que tanta gente esperneia. Para que se entendam ainda as decisões tontas tomadas por presumivelmente isentos agentes da justiça que nem sequer visam os seus quinze minutos de fama ou a sua descrebilização. Mas tão só a imundície e a chafurdice de todo o sistema, por ínvias razões.

Meio de cara lavada

Não é que esteja pronta a tarefa, mas alguma coisa mudou. Relativamente ao aspecto, talvez um pouco mais agradável. Relativamente à periodicidade com que o blogue vem sendo actualizado, pela irregularidade que não era propriamente norma.

Setembro vai ser tempo de irregularidade. O estertor do Verão, as vindimas, as previsões ingratas dos meteorologistas. E o descanso! Mas isso será anunciado com maior certeza nos próximos dias!