30 de janeiro de 2016

Estradas de vento

Estradas de vento pousando na tranquilidade das savanas de África, quando a tarde morna te amanhece nos cabelos, o indicador direito moldando um caracol que te pinta um sorriso tímido na face. E te desenha um olhar terno ao fundo do horizonte, como se o sol fosse devagarinho morrer a oriente, de onde vem a esperança verde de todos os sonhos que crescem na planície e enchem os leitos dos rios que se precipitam das montanhas.


A noite farta e transbordante de lua cheia, grávida de uma luz brilhante num qualquer azimute oculto para além das nuvens densas, ameaçando desfazer-se em constelações, as estrelas geometricamente ocupando o lugar que lhes pertence. Cassiopeia, ursa menor, estrela polar, o norte magnético logo ali à mão de semear, as bússolas convergindo todas para além do círculo polar árctico, um arco-íris, a aurora boreal, o dia estendendo-se pela madrugada, a tua silhueta no meu caminho.

12 de janeiro de 2016

Rio cheio

Aqui chega assim, este rio cheio, grávido de montanhas, pleno de águas fartas e sujas, arrastando restos de vida e destroços de árvores centenárias a cuja sombra se abrigaram peregrinos, a caminho do destino. Um porto imenso a que não sobra espaço para ser cais, nem pedra para o construir, todos os barcos fundeados, sem mestre, encolhida a arrogância das quilhas, enroladas as velas no fundo do convés, assustados e inúteis. Por cima um céu quase nocturno, sem luar nem estrelas, pesado como se fosse chumbo, o voo inquieto das gaivotas ligando as margens, para cá e para lá, o estridente grasnar da fome sem tempo e sem remédio.

Os dias seguintes, depois da chuva e das enxurradas, hão-de trazer de volta o brilho frio do sol das Astúrias, correndo no fundo das gargantas rochosas de granito, riscando fronteiras ibéricas, acrescentando metros cúbicos ao volume das albufeiras, descendo barragens, produzindo a energia que dará às noites a luz da alvorada e o conforto morno das lareiras. A imponente envergadura dos grifos deixará o repouso sereno no cimo das escarpas e irá fazer-se ao voo alto e tranquilo, planando de asa aberta, a espreitar o local onde se lhe ofereça o alimento ou onde espreite o metal da arma que lhe ameace a espécie.