20 de janeiro de 2006

Se a minha avó…

Aquilo a que os políticos e os que por ali ganham a vida como o ilustre Luís Delgado designam por comunicação social, tem tratado a pseudo campanha eleitoral ainda com maior descaramento e alarvidade do que é habitual. Saliente-se a análise isenta e honesta, apesar da sua condição de benfiquista, de Ricardo Araújo Pereira na edição de ontem da revista Visão. De resto a campanha tem sido relatada como se fosse um grande prémio de fórmula um no qual, como é público, há concorrentes que pilotam tartarugas, que trepam a coqueiros, que se dedicam à pesca e à caça, que têm duplo emprego como candidato e metalúrgico, candidato e deputado e até mesmo candidato e advogado.

Esta manhã, os portugueses - nestas alturas superiormente designados por eleitores - ficaram a saber que se as eleições fossem realizadas hoje o candidato trepa no coqueiro podia ser eleito à primeira volta com 52% dos votos, o caçador de tesouros teria 19% e o amestrador de tartarugas 15%. Dos outros nem vale a pena falar que disso se ocupou já o senhor Vasco Pulido Valente no seu responso das sextas-feiras. Ele a quem, como se sabe, ele próprio reconhece a capacidade única de saber tudo, de nunca se enganar e de muito raramente ter algumas dúvidas. Sendo que os dois últimos atributos são vulgares na feira da Vandoma e na travessa do Possolo.

Os resultados divulgados baseiam-se em telefonemas abusivos feitos para casa das pessoas a horas impróprias, por jovens licenciados com um daqueles cursos que nunca levaram nenhum deles a conseguir emprego e a que os respectivos superiores, bem pagos e com carro às ordens - de marcas e modelos diversos, além de Jaguar - chamam estudos de opinião. Neste caso concreto, segundo dados que a legislação obriga a divulgar em leitura corrida, a 120 quilómetros por hora por causa do código da estrada, com base em 1400 pessoas que são o que valem os mais de seis milhões de eleitores. Nem mais, nem menos!

Mas se o mesmo acto eleitoral fosse realizado há 20 anos, como se recordam os que já andaram de tartaruga, o respectivo amestrador passaria à segunda volta sem saber ler nem escrever, apesar dos conhecimentos de história, das leituras de Kant e das amizades feitas nos corredores do Eliseu. E seria eleito à segunda volta, também sem saber como, à compita com um bacharel em direito, pouco dado à zoologia e à história e muito mais familiarizado com Oxford Street e com o fleumático corte anglo-saxão dos fatos que veste.

E se, por hipótese, as eleições se realizassem no auge do reinado de D. Afonso Henriques, é sabido que nenhum deles ganharia coisa nenhuma, muito menos a residência de Belém que nem projecto tinha ainda submetido à câmara que aposentou Santana Lopes. Pior do que isso, seriam simplesmente decapitados, violadas as filhas e escravizados as mulheres e os criados. Nem os Távoras, já por essa altura, teriam conseguido safar-se. Nem sequer D. Duarte Pio seria herdeiro não sei de quê e primo não sei de quem.

E se, ainda por hipótese, a minha avó - que Deus tenha no seu santo descanso depois de a ter perdoado - não tivesse morrido, seguramente que ainda estaria viva. Como a Lili Caneças, apesar dos peelings e do silicone!

18 de janeiro de 2006

O país do Pacheco

Comecemos por aqui, para que não restem dúvidas: Pacheco só há um, o Luís e mais nenhum! Velho, cansado, meio cego e alquebrado pelas muitas andanças eróticas da vida, jaz internado numa antecâmara da morte a que eufemistica e oficialmente chamam lares da terceira idade. Subsistindo na espera, sem deitar contas aos anos porque se continua a marimbar nisso, à custa de uma qualquer pensão que lhe atribuíram com oportunistas propósitos políticos. À maneira dele, muito própria, aceitou a pensão e mandou-os superiormente todos à merda. Como mereciam!

Entretanto o país continua sendo o mesmo isso ontem único e é preciso avisar toda a gente desse desiderato surrealista. Mesmo quando Cesariny recebe em sua casa o presidente da república e se rebola do peso da condecoração, de gozo e de cólicas intestinais. E Cruzeiro Seixas se desloca, pequeno e frágil, amparado a uma bengala de pau-preto trazida de África, exibindo por museus os mais belos desenhos à pena que eu, pessoalmente, já tive oportunidade de ver. À porta, pendurada no umbral, oscila uma grossa e ferrugenta corrente da âncora de um dos barcos da marinha do ex-ministro Portas anunciando a corrente de ar!

O país, de todo, continua surrealista. E como o todo é a soma das partes, mesmo que a maioria dos estudantes de matemática discordem disso, um país surrealista é o somatório de políticos, empresários, banqueiros, juristas e populações surrealistas. E senão vejamos! O país, que vive de escândalos e à sombra deles, escandalizou-se por rotina, mais uma vez, a semana passada. Quando um sério e credenciado jornal diário, digno das crónicas do professor Coelho, divulgou que altas figuras do estado - o que desde logo exclui o ex-ministro Vitorino! - tinham estado sob escuta e que as conversas, por obra e graça do espírito santo, tinham aparecido como folhas numeradas dos autos do chamado processo Casa Pia. Onde, como se sabe, tudo aparece e desaparece por obra e graça do mesmo espírito santo e diligência dos milhentos advogados de defesa.

Surrealista mas à grandeza do país e de harmonia com o rigor da sua justiça fica o facto do processo não exibir disposição de nenhum juiz a mandar juntar o texto das conversas aos autos. E da monopolista e incompetente PT garantir ter-se limitado a satisfazer pedido formalmente recebido. E, gratuitamente, a título de bónus, ter entregue a insignificância de mais 80.000 conversas, sem custos para o erário público e com proveito para a pecaminosa imaginação das mulheres-a-dias e das vendedoras de tremoços.

17 de janeiro de 2006

Fim da campanha

Quase ao fim de uma campanha eleitoral que se arrasta, inútil e iníqua, desde o Outono, os eleitores portugueses estão em vias de perceber que o país tem um presidente da república. Alguns, mais instruídos, pensam que vai passar a ter seis, incluindo o simpático Dr Garcia Pereira que julgam conhecer de uma telenovela da televisão independente do Dr Moniz e deduzem, correcta e inevitavelmente, que serão eles a pagar-lhes o ordenado, as ajudas de custo, as viagens ao estrangeiro e as mulheres-a-dias. Outros, que frequentam as igrejas e confraternizam com os abades aos almoços de domingo, sabem que o presidente da república vai mudar - embora para o mesmo! - e os mais próximos da sacristia sabem mesmo quem será o novo, salvo seja, sem ofensa e com todo o respeito pela desprotegida terceira idade.

Mas, tendo da situação o conhecimento que têm, os eleitores sabem tanto para que serve o presidente da república como sabem para que servem os governadores civis. Nunca entenderam as palavras de nenhum, que andaram na escola, tiraram cursos, são doutores e alguns até sabem filosofia como aquele de barrete vermelho cobrindo a carapinha que foi presidente da Guiné-bissau. Sabem-lhe o nome e conhecem-no da televisão onde aparece de vez em quando, sempre bem vestido, de fato e gravata, resguardando-se do sol e dos atiradores furtivos à sombra de uma bandeira igual àquela que a junta de freguesia hasteia aos fins-de-semana. Deseja bom Natal e bom ano novo, nunca é capaz de o dizer directamente, em menos de 15 minutos, e vai-se embora, importante e emproado, sem estender a mão a ninguém enquanto tocam aquela música de que esqueceram a letra e que antigamente se ensinava na escola e na catequese e que hoje a banda da GNR toca também antes dos desafios de futebol da selecção do senhor Scolari.

Graças a Deus, e aos senhores deputados que os eleitores pensam que elegem para seu bem, a campanha caminha para o fim e espera-se que o árbitro lhe não atribua nenhum tempo extra, tanto mais que não houve substituições. Ninguém sabe para que serviu: não trouxe caras novas e ficou-se pelo mesmo mongolóide vazio de ideias. Tão pouco serviu de inspiração ao Dr Vasco Pulido Valente, outro homem culto que sabe de história, conhece a D. Maria Filomena Mónica, e acha que a bióloga Clara Pinto Correia escreve melhores romances que o emigrante José Saramago. Só ainda não ganhou o Nobel, mas a D. Margarida Rebelo Pinto também não!

11 de janeiro de 2006

A lágrima

Confesso que me comoveu até às lágrimas - eu, que tenho maior dificuldade em soltar a lágrima furtiva do que o Dr Sampaio! - a preocupação patriarcal com que Mário Soares um dia destes afirmava ser a sua eleição para presidente da república importante para o futuro dos nossos filhos. Do mesmo modo que já antes me comovera a preocupação paternal que tinha manifestado em pleno dia de eleições autárquicas, aconselhando legalmente e de forma isenta o voto no seu rebento João. Interpretei a atitude, naturalmente, como um reclamado direito à indignação contra a D. Judite de Sousa e tudo aquilo que ela representa, desde mulher do vermelho Seara - cujo nome será seguramente Fernando Seara Nova! - a agente fantoche de uma comunicação social sectária e parcial a que, felizmente, não pertencem jornais sérios somo o 24 Horas, o Crime e ainda aqueles que o regedor da Madeira tem bem domesticados e seguros pela trela. Este país há-de transformar-se num imenso Portugal, nem tu sabes como tiveste razão antes do tempo Chico!

9 de janeiro de 2006

A campanha, sem Alegre

Acontecimento predominante do fim-de-semana não foi o Sporting ter ficado a ver Braga por um canudo a partir do Bom Jesus. Tão pouco o Benfica ter escacado toda a rica e cara marcenaria da capital do móvel. Nem sequer as meninas de 16 anos, do signo virgem, suspirando por Quaresma ao redor do estádio do Dragão desejando dele um chuto como o que derrotou o Boavista e Loureiros Futebol Clube, SA.

Acontecimento predominante foi o início da campanha eleitoral para as presidenciais de 22 de Janeiro. O português comum, como eu acho que sou, já não aguentava a pasmaceira depois das autárquicas de Outubro. A norte, nesta nobre, leal e sempre invicta cidade, o Dr. Rio ganhou a Câmara depois de ter dado continuidade à destruição iniciada pelos seus antecessores, despedido o engenheiro Rui Sá por indecente e má figura, gasto dinheiros públicos a chamar analfabeta à ministra da cultura e transformado numa pedreira a Avenida dos Aliados com a ajuda de dois conhecidos calceteiros ou caceteiros da nossa praça.

Mas o português comum, como eu, vivia naquela ansiedade permanente do mês ter dias a mais e ordenado a menos, não frequentava os concertos na Casa da Música, ouvia os discos pedidos da Rádio Festival e ia aumentando as doses diárias de ansiolíticos e barbitúricos na esperança de que o aumento das portagens lhe trouxesse de regresso alguma felicidade. Três meses daquilo a que os linguistas e os técnicos de marketing chamam de pré-campanha não tinham trazido outra novidade que não fosse o Nacional da Madeira ocupar o segundo lugar na Betandwin Liga's e o professor Vital ocupar-se, de forma isenta e gratuita, da defesa do D. Sebastião e dos méritos da sua excursão ao norte de África.

A campanha no seu domínio temporal trouxe as novidades que se esperavam e a dinâmica que desde logo se poderia aguardar de um despique entre um velho montador de tartarugas - com o devido respeito! - e um mal sucedido trepador de coqueiros. Assegura o primeiro que a tartaruga será de corrida, modelo GT, com alguns 650 cavalos de potência e uma esmerada instrução adquirida em colégios de jesuítas. Saberá de história, terá noções de filosofia, citará Kant, e saberá de direito tanto como um tabelião reformado. Ignorará a economia e assegurará que a crise é culpa de um plumitivo presidente de câmara, aposentado do cargo aos 48 anos, com a injusta e miserável pensão de pouco mais de 3.000 euros. Garantirá o segundo que o mal do país é ter transformado férteis campos de milho em marinas para barcos de recreio e poder ainda hoje não saber que a culpa disto tudo é da economia, estúpido!

6 de janeiro de 2006

O regresso

Seja do que for ou seja de quem for o regresso acaba sempre por acontecer. Como uma fatalidade e com o presunçoso orgulho com que Fântomas regressa sempre ao local do crime para celebrar as proezas cometidas. Ainda mesmo sabendo que as estradas foram barradas, os polícias de folga convocados para o giro - quando havia polícias e folgas e giros! - e a matilha de cães solta a farejar montes, vales e bagageiras. Ninguém mais do que eu acredita no regresso e se afoita na desgraçada esperança com que o venera. Em cada manhã, quando me subtraio à morna preguiça dos lençóis - Lameirinho, para vossa informação! -, vou à janela na gorada expectativa de ver regressar o mártir pátrio D. Sebastião. Adulto, vitorioso e macho, com a espada embainhada e o sexo erecto. Sem viagra! E que vejo eu, míope ligeiro e de vista cansada de ver o que não devia? O regresso dos políticos à gamela e o dos bovinos aos corredores alcatifados do poder. E fica-me a conclusão silogística de que não há gamela que escape aos políticos nem trabalho político que se não agarre à rabiça do arado!

5 de janeiro de 2006

Recursos humanos

Um jogador de bola sai do Brasil, de um Rio Grande qualquer, como zagueiro de team de futebol de praia, com esmerada técnica de esfola canelas no bico da chuteira. Embarca no Galeão já promovido a central indiscutível da selecção canarinha, ambidextro como político, habilidoso como Garrincha, eficiente como Pélé, vencedor de todas as copas. A meio do atlântico, a 30.000 pés de altitude, sob os efeitos de pressurização da cabine, já virou treinador vitorioso com curso, diploma e currículo. Desembarca na Portela, enquanto não há Ota e só há otários, perfilado para seleccionador dos Emiratos Árabes Unidos, com direito a vivenda na vila de Cascais, refeições nos restaurantes do Guincho e o petróleo necessário para alimentar a limusina. Depois de um mês de adaptação celebra os caracóis e o cozido à portuguesa, adora o fado, enaltece o passado glorioso dos seus ascendentes transmontanos. É capa de revista lado a lado com Lili Caneças e Cinha Jardim, frequenta o Centro Cultural de Belém e escreve sobre as modernas técnicas de gestão de pessoal. Chamam-lhe em grandes parangonas técnico especialista em recursos humanos. É das arábias … por causa do petróleo!