29 de setembro de 2013

Câmara Municipal do Porto


Não ter sido eleito Menezes, impedido em Gaia, que gastou o que podia e o que lhe estava vedado, é uma vitória!

Não ter sido eleito Pizarro de que ninguém ouviu falar como presidente de junta e de quem nada se esperava, é uma vitória!

Ter sido eleito Rui Moreira, conhecido como empresário, como adepto do Futebol Clube do Porto e impropriamente como independente, com o apoio do CDS, não é uma vitória. É, quando muito, uma meia vitória por vir publicamente demonstrar que a estrutura partidária que tem governado a cidade, se esgotou e que o regime deve mudar.

Mudar, no sentido de mobilizar verdadeiros independentes, honestos acima de tudo, competentes logo a seguir. Em detrimento da ditadura que vem sendo exercida pelos partidos do poder!

Qualquer voto que seja, mesmo um único, obtido fora desta trilogia antiga e ultrapassada, é obviamente uma vitória. Que importa ampliar para que o regime possa de facto mudar!

O senhor Silva foi à televisão

O senhor Silva foi ontem à televisão para abrir a boca. Terão sido acidentais os acordes prévios do hino nacional, poderiam muito bem ter sido os de um dos múltiplos sucessos com letra, música, arranjos e orquestração superiores do celebrado artista Quim Barreiros, da cosmopolita Vila Praia de Âncora, terrinha simpática que não tem culpa nenhuma e que, logicamente, não deve ser para aqui chamada.

Eu tremo sempre que o senhor Silva abre a boca, excepto quando o faz para trincar uma fatia de bolo-rei que, já agora, o orçamento público suporta. De resto, tremo e temo, porque o vejo empoleirado no topo do pau de sebo que antigamente espetavam nas feiras, uma mão no bacalhau e a outra no garrafão, esquecendo-se de que só tem duas. E cair dali abaixo, a estatelar-se no solo, a gritar impropérios e a partir as costelas, com a Maria de véu negro a cobrir-lhe a face de toutinegra, lavada em lágrimas e em lamentos.


Esperei ontem que, por influência de um qualquer assessor, sofrivelmente pago à razão de alguns quatro mil euros mensais, viesse como qualquer ventríloquo de circo, apelar ao voto para as tais autárquicas de hoje. Mas não, à falta de bolo-rei, preferiu começar pela asneira. E reclamar de imediato a alteração das leis eleitorais que prejudicaram o eleitor e o seu cabal esclarecimento sobre os projectos dos candidatos. Poderia o senhor Silva ter reclamado mais alguma democracia e mais alguma transparência, que vão faltando cada vez mais. Sempre vale mais tarde do que nunca e poderia o eleitor ficar a saber alguma coisa dos desvarios do senhor Silva primeiro-ministro, da sua expo e do seu centro cultural bem como dos respectivos descalabros financeiros. Ou das estroinices do senhor Silva de Belém, a comer pasteis, a engasgar-se com a canela em pó e a fazer visitas de estado às selvagens e às cagarras.

Mas não! O senhor Silva ou come bolo-rei ou sai asneira. E nós já deveríamos todos saber disso, não era?


27 de setembro de 2013

Eleições autárquicas


Até agora não escrevi uma linha sobre as eleições autárquicas do próximo dia 29. E estas serão as únicas, cada vez me falta mais pachorra para a palhaçada e vontade para falar sobre aquilo em que não acredito. E, definitivamente, não acredito mais nesta ditadura travestida de democracia, em que os mais surrealistas disparates se divulgam a uma velocidade quase ultrassónica.


As urnas, parece, abrirão às primeiras horas da manhã do próximo domingo. Pois, coisa estranha, já ontem fulano tinha perdido a Câmara de Sintra, sicrano tinha perdido a Câmara de Vila Nova de Gaia, beltrano podia ganhar a Câmara do Porto e outro gajo qualquer ganhava a Câmara de Lisboa com maioria absoluta e, pela força do voto em eleições consideradas livres e justas, transformava-se num pequeno ditador, do Cais das Colunas ao Parque de Monsanto, durante quatro anos.

A dita comunicação social, com relevo para as televisões que, recorde-se, tanto vendem cavacos como detergentes para a loiça, pouparam-nos a retina e os tímpanos por discordarem de ser obrigadas por lei a reservar tratamento idêntico a todas as listas de candidatos. Não é que ponham em causa o tratamento igualitário, que tanto e sempre defenderam. Apenas entendem, a bem do negócio e de outros interesses, que uns são claramente mais iguais do que outros. E, assim sendo, assim devem ser tratados. Dizem eles!

Um senhor de aspecto respeitável, pela idade e pelo fato de bom corte, certamente morador num qualquer portal descoberto da Quinta da Marinha, referia mesmo que a obrigação era um atentado frontal à liberdade de imprensa. Da imprensa dele, claro está! E imprensa não lhe falta...

Para já, pessoalmente, sou eleitor recenseado na freguesia do Bonfim, da cidade do Porto, por força de aqui residir há uns anitos. E devo dizer que as sondagens divulgadas ontem não têm nada a ver com a minha. Nem fulano ganha por poucos, nem sicrano perde por muitos, nem sicrano fica a uma unha negra de servir a cidade e recuperar o Mercado do Bolhão e todo o centro histórico!


22 de setembro de 2013

São Leonardo de Galafura

Bem no alto, no cimo de tudo, a ermida simples emerge do meio do penhasco de granito, imaculadamente caiada de branco, as costas viradas para o rio. De resto, em volta, só montes. Montes e silêncio. Os montes debruados por socalcos com um rendilhado de vinhedo explodindo na paisagem, precipitando-se para o rio que lhes foge, vê-se aqui, deixa de se ver logo adiante, em mais uma curva. O silêncio absoluto, de ruído e de movimento. Projetando-se no céu limpo, muito azul claro, nem pássaros nem nuvens. O tojo que nasce a custo, encolhendo os espinhos entre calhaus, quase temendo expor o amarelo da  flor à harmonia inóspita de tudo em volta.


Expontânea, a torga cresce por aqui e por aqui Torga se afirmou também, arremessando palavras enormes contra a paisagem agreste. Sem o rigor do bisturi e a precisão exigida à sua profissão de médico, desenhando mais detalhados diagnósticos. Não se consegue imaginá-lo a percorrer a calçada calcárea da rua da Sofia, pensando poemas de granito, a voz insubmissa, o sentido ultrapassando os limites de todos os montes de que é parte. Ainda por aqui se sente o silêncio bravio dos seus passos, se lhe adivinham as pegadas de que não ficaram marcas, nos sobrevem a emoção solene de saber que contemplou os mesmos horizontes e partilhou sonhos para além deles.

Não se imagina que tenha pronunciado uma palavra que fosse, perturbando o silêncio em que o rio, lá no fundo, mergulhou tudo em volta. Há palavras suas que ali, no cimo, podem ser lidas sem sequer mexer os lábios, Mas que devem ser apenas contempladas, com devoção. Não se adivinha como ali terão aparecido os azulejos que as suportam, todo o resto está à volta, sem outras palavras e sem mais nada. E aquelas, se ali não tivessem sido postas, não seriam necessárias, bastariam a quietude e o silêncio.


Trás contigo o olhar sereno com que me dás a mão suave por que espero. E, de mãos dadas, subamos o resto da ladeira, até os olhos se nos encherem de horizonte. Não digas nada, basta que nos extasiemos com o que nos passa na retina. Deixa-me sentir o calor silencioso com que o teu coração bate, é ele que dá vida à paisagem que desce pelas encostas!

17 de setembro de 2013

Ainda pasmo...

Mas não devia, tantas e tais são as bacoradas com que diariamente somos brindados por cabotinos investidos em funções governativas.

Ainda hoje! Parece que o governo trocou por patacos o que o país ainda detinha da ANA. E alguém, de quem felizmente não vi a carantonha, apregoava num dos conhecidos orgãos de descomunicação: “Hoje é um dia muito importante para o nosso país. Deixa de ser accionista da ANA mas mantém se próximo e reforça a sua posição de regulador”. Seja lá isso de regulador aquilo que for, para além do tacho e da independência dele em relação à fonte de calor que lhe aquece o rabiosque.


Pasmei, como se nunca tivesse visto nem autarcas, nem porcos a andar de bicicleta! Porque isto é como uma família desempregada, com para aí dois filhos em idade escolar, que seguem em jejum para a escola – tendencialmente gratuita, viva o Dr. Crato! – vender a casa em que vivem, amortizar com o produto da venda parte dos calotes e anunciar solenemente: “Hoje é um dia muito importante para a nossa família. Vendemos a casa, vamos mudar-nos para debaixo da primeira ponte onde ainda houver lugar, continuamos cheios de calotes, as crianças deixarão de ir à escola e terão a fome diária por alimento, comeremos o que conseguirmos resgatar do contentor do lixo. Temos motivos para estarmos orgulhosos”.

Como na piada da hiena que se alimenta de dejectos de outros animais, tem sexo com o seu par uma vez por ano e ri muito, é caso para perguntar: se come merda e tem sexo uma vez por ano, ri de quê?


9 de setembro de 2013

Seis anos

Há seis anos que me debulho em lágrimas, minha Mãe. O mesmo espanto incrédulo nos olhos, a mesma lança cravada no peito, uma dor ainda maior a estender-se pelo horizonte, até onde a terra se faz redonda. A tua mão trémula apertada entre as minhas, a pele tisnada pelo sol de anos difíceis, mirrada de carnes, os ossos mal cobertos, os olhos cansados, pousados no infinito, um sorriso ocasional e breve, a saudade tranquila, amarga e doce. Tantos anos!


Faço a minha romagem dolorosa a todos os sítios onde não fomos, falando sozinho todas as muitas conversas que não falamos em conjunto. Atravesso o povoado de lado a lado, as ruas desertas de sentimentos e de gente, às vezes um velho, as memórias que se resguardam para lá das portas, o céu azul, o sol parado. Não conheço ninguém, não há uma sombra a que me acolha, a fartura dos campos entregues ao pousio, nada mais resta. Primeiro fim de semana de setembro, nem a festa grande, o adro, a procissão, as fogaças, os andores, os enfeites em papel de seda, a filarmónica e a procissão contornando a igreja velha. A quermesse e uma caneca numa rifa, depois de tantas sem nenhum prémio, a tradição que se enterra um pouco mais em cada ano.

É uma peregrinação inútil ir procurar-te onde sei que estiveste, porque por ali nasceste. E por ali também deixou de haver gente. A estrada que sobe, o barranco de um lado, a chada do outro, as cepas ao abandono, as oliveiras resistindo a tudo, aguardando que as chamas um destes dias desçam pela encosta e lhes roubem o persistente verde da ramagem. Nem vivalma, só o canto estridente das cigarras e os restos de uma pequena casa, em ruínas, o pinhal ao cimo da estrada, esperando que outro inverno corra tumultuoso nas valetas. Sozinho, não sei como se me toldam os olhos e o que se me prende na garganta, enquanto o peito me doi como sei que te doía a ti o abandono desolado da paisagem.

...

A tua mão seca que seguro entre as minhas. Os meus dedos desenhando carícias nas tuas palmas, o teu sorriso breve, as lágrimas que o meu coração verte. Há seis anos!