30 de abril de 2009

Democracias

Segundo os seus próprios dirigentes, os partidos políticos são os suportes fundamentais daquilo a que os mesmos chamam democracia. Ao cidadão comum, que neste âmbito se denominará eleitor, competirá no dia da eleição incorporar-se no rebanho que se desloca às mesas de voto a depositar um papel numa caixa a que pretenciosamente chamam urna. E, com isso, contribuir para a eleição de um vogal de uma junta de freguesia, dos deputados ou do próprio presidente da república. Esse voto é disputado violentamente pelos membros dos mesmos partidos políticos, utilizando os mais ínvios e falsos argumentos. Desde promessas que nunca houve a intenção de cumprir, à oferta de sacos para o transporte das compras domésticas ou de esferográficas baratas que nunca escreveram ou escreverão.

Os eleitos serão oficialmente designados por representantes do rebanho e o tipo de democracia por representativa. E terão à sua frente um mandato de alguns anos em que viverão à custa do orçamento, viajarão à custa do orçamento, utilizarão automóveis topo de gama à custa do orçamento e farão almoçaradas ainda à custa do orçamento. O eleitor, o zé que foi na conversa e vendeu o seu voto a troco de uma febra no pão e de um copo de cerveja, será reduzido à sua verdadeira dimensão até às eleições seguintes. E será pura e simplesmente ignorado e esquecido, até que voltará a ser despudoradamente assediado com promessas de casamento, prémios do euromilhões e milhares de empregos estáveis e bem remunerados.

Os representantes dos partidos nunca se entendem entre si, facto que leva o zé a acreditar que de facto isso acontece porque eles têm ideias diferentes para o radioso futuro do país e dos seus habitantes. O que é inteiramente falso porque o que caracteriza os políticos é a circunstância rasteira de nunca terem ideias que extravasem do seu círculo pessoal de interesses. Aí são pródigos e perfilham as ideias mais mirabolantes e inimagináveis para atingirem os seus objectivos.

Como aconteceu agora, em que todos os partidos com assento parlamentar, por consenso, se reuniram à porta fechada - certamente por causa das correntes de ar e da ameaça da gripe suína - e acordaram em tempo-recorde em alterar a lei de financiamento dos partidos políticos, aumentando em mais de 55 vezes o actual tecto das contribuições a receber em dinheiro. Mais do que isso, a maioria dos artigos foi aprovada por unanimidade, com os Drs Louçã e Portas a cumprimentarem-se efusivamente ao som das palmas, tipo assistência do concurso o preço certo, dos deputados Jerónimo de Sousa, Paulo Rangel e Alberto Martins. O Dr Vital Moreira, por razões de força maior, apenas aplaudirá hoje!

28 de abril de 2009

Objectivos

A gestão por objectivos é, provavelmente, a expressão mais vezes invocada pelos gestores, sejam estes diplomados pelas universidades ou pelos estaleiros das grandes obras de betão. Mesmo os leigos e os ministros, como o Pino-Lino, por exemplo, já a ouviram e a ela se converteram sem resistência e sem condições. O ministro ainda há dias justificava, como só os gestores são capazes de justificar, o grande objectivo das obras que, ao que parece, vão ser realizadas na estrada nacional 125 que atravessa o Allgarve do também ministro Pinho-Linho. E, à falta de ouvintes, mesmo recrutados a garrafões de 5 litros, perguntava-se a si próprio se seria melhor deixar às gerações futuras uma estrada degradada e cheia de buracos ou uma estrada nova, sem curvas e sem irregularidades. Lamentavelmente, mas numa exemplar gestão por objectivos, não referiu sequer que as gerações futuras se irão confrontar também com o pagamento das obras, das comissões e de um ou outro enriquecimento ilícito que naturalmente tenha ocorrido.

Gestão por objectivos é assim como que um fruto natural e sem corantes ou conservantes do sistema neoliberal. Impõe-se hierarquicamente de cima para baixo, sem discussão ou acerto. E sem normas ou regras. É o vale tudo e o salve-se quem puder. E nos casinos, como se sabe, não são propriamente os jogadores que ganham, são mais os donos deles. A gestão por objectivos parece ter chegado à função pública, de que prudentemente se exclui a clique política, e à polícia. Cada agente da autoridade terá, doravante, objectivos a cumprir, que se não limitam a carregar a farda durante 8 horas diárias, engraxar as botas, saudar militarmente os chefes ou evitar habilidosamente o contacto com eventuais traficantes no exercício da respectiva actividade, no âmbito normal das horas de expediente e do horário de trabalho aprovado pelos organismos ou institutos competentes.

Cada agente terá de futuro de cuidar minuciosamente da sua preparação física. Para além do exercício, simples, de apertar o cinto à sombra do tísico salário que lhe pagam e da regularidade com que lhe atrasam a entrega das gratificações pelos serviços remunerados. Terá de ser capaz de correr os cem metros em 20 segundos para perseguir um pilha-galinhas ou em 15 para se escapar de meliante mais perigoso. Terá de mensalmente disparar meia dúzia de tiros de aviso para o ar e mais três para as pernas de larápios com cadastro, quer a pistola funcione quer não. Se as munições estiverem dentro do período de validade, pode mesmo acertar, mas sem deixar marcas. Tem ainda que gastar dois livros de multas de trânsito, metade de um deles por infracções muito graves e dez por cento puníveis com apreensão da licença de condução. Realizar 30 testes de alcolemia em que 6, pelo menos, claramente denunciem a embriaguez do infractor. Consumar 15 detenções, das quais 3 com perigo de vida e 2 em flagrante delito.

A avaliação anual de cada agente será feita em função do cumprimento dos objectivos. As promoções, se as houver, também. Bem como os aumentos de salário, se houver orçamento que sobre da construção do TGV,do aeroporto de Alcochete e das remunerações dos assessores políticos dos membros do governo. É bom que cada agente comece, diligentemente, a construir a sua carteira de meliantes e de facínoras. Bem vão precisar deles!

24 de abril de 2009

26 de Abril

Em vésperas de completar 35 anos de idade o 25 de Abril deveria estar na pujança da vida. Ser adulto, ter-se feito responsável, adquirido uma consciência colectiva e solidária, ser respeitado e lembrado por aquilo que de facto deveria representar. Nada disso acontece, o 25 de Abril agoniza nos estertores da morte e não há perspectivas de regresso do seu profundo estado de coma. O 24 de Abril está mais vivo do que ele, inaugura benfeitorias, celebra Salazar, faz a apologia da xenofobia, insurge-se contra a promoção a coronel de Otelo e manifesta-se nas paredes de forma tranquila e impune.

Como prova disso basta atentar em quem, amanhã, celebra o quê e onde o faz. O país deixou de existir, não tem nem autonomia nem independência. Vendeu-as a troco de dez réis de mel coado que deram para a construção de algumas auto-estradas, para uma série de projectos megalómanos, para o enriquecimento injustificado de uma clique sem escrúpulos e, linearmente, para o roubo. O país não tem sistemas de educação, de saúde, de segurança ou de protecção social. Mais do que isso, não tem nem moral, nem ética, nem vergonha.

O país maltrata os jovens, reservando-lhes apenas a nova oportunidade de obterem um diploma académico sem terem frequentado a escola. De resto não têm nenhuma garantia de frequentar escolas condignas e de serem ensinados por mestres profissionais e responsáveis. A única perspectiva que se lhes oferece é o desemprego, depois de uma licenciatura de 3 anos e de um mestrado de mais 2. E a certeza da dívida incomensurável e criminosa que vão herdar da geração dos seus pais que se foram entretendo com a construção de centros culturais, exposições internacionais, estádios de futebol, comboios de alta velocidade e aeroportos que acolham os muitos aviões que garantam a muito necessária ligação aérea entre Alcochete e o Montijo.

O país ignora e sacrifica os adultos que, teimosamente, ainda acreditam que a democracia em que vivem é uma senhora digna e respeitável que usa meias de vidro e sapatos de verniz. Quando de facto ela se vai mostrando a medo e às escondidas nos portais esconsos das muitas pensões de passe a cujos quartos sobe, por profissão e por necessidade. Em plena luz do dia, sem esperar pelo lusco-fusco do crepúsculo ou aguardar pela protecção da escuridão da noite. Os adultos acordam a perder empregos, afogados em dívidas que não podem pagar, não sabendo que bucha terão para o almoço, ou sequer se a terão.

O país, literalmente, mata os velhos, não assumindo tão pouco a responsabilidade de enterrar os mortos, como fez Sebastião José de Carvalho e Melo. Ao invés disso, deixa-os morrer à míngua, sem dinheiro para as mezinhas para tratamento das doenças que sobrevêm com a idade e sem instituições que os acolham e os dignifiquem. Para um problema sério o país trás consigo, na algibeira das calças, a magreza da esmola em moedas de alguns cêntimos. E a fantochada de apregoar, em época de eleições, que todos os velhos sem dinheiro para a sopa diária, terão agora os medicamentos inteiramente de graça. Podendo doravante morrer por falta de dinheiro para a sopa, mas mais lentamente, porque poderão tratar da gota desde que as empresas do Dr. Cordeiro produzam os medicamentos genéricos necessários.

É preciso que se vire a página do calendário e se chegue ao 26 de Abril. É preciso reabrir os quartéis das Caldas da Rainha e de Santarém, reciclar blindados artesanais e obsoletos, fazer ressuscitar homens que daí partiram sem irem em busca do poder e da fortuna. Do 25 de Abril, de facto, apenas nos resta a memória deles, dos Capitães de Abril.

21 de abril de 2009

Uma história

Joaquim, nome fictício de uma história real, é transmontano com mais de 50 anos. Na terra fez o segundo grau com distinção e com o sacrifício dos progenitores. Aos doze anos perfilhava-se-lhe no horizonte o futuro do sacho, da enxada e da guarda das cabras, saltando montes e penedos para devastarem as parcas couves galegas dos vizinhos. Como se isso fosse o melhor para si,entenderam os pais mandá-lo para a cidade, a aprender um ofício e a virar-se na vida. Foi assim que escreveram a um primo que labutava no Porto como privilegiado caixeiro de uma próspera mercearia que, anos mais tarde, sem queixas e sem crise, as grandes superfícies haveriam de sufocar e de levar a uma morte sem ressurreição. Por esta via, pedido emprestado o dinheiro para o bilhete só de vinda, chegou à cidade invicta com a melhor roupa coçada que a mãe pudera aprontar-lhe e com um desconfortável par de tamancos que lhe protegessem os pés do frio das calçadas.

Por empenho do primo o seu patrão fez o subido favor de o empregar a troco de dormida, comida e nenhum salário. Pondo-o, aos 12 anos, a entregar as encomendas pelas portas, embasbacando-se com as distâncias, a altura das casas, o comprimento das ruas e o ar solenemente atarefado das pessoas sentadas às mesas dos cafés que o tempo haveria de transformar em balcões de bancos. Levantava-se pela madrugada, tiritando de frio ainda que fosse Verão, e partia a descobrir a cidade e a decorar-lhe o nome das ruas, vergado ao peso da ceira. Roendo uma côdea seca de conduto ia esbugalhando os olhos enquanto apertava o estômago vazio de alimento e deixava sangrar o coração, saudoso da terra, dos pais e das cabras invadindo as modestas hortas dos vizinhos.

Foi crescendo, enquanto insistiam em dizer-lhe que se estava a fazer homem. Acabou recebendo o primeiro salário de miséria que, apesar disso, o fez chorar. Usou as primeiras cuecas, comprou os primeiros sapatos baratos para se aperaltar aos domingos e, espigadote, deitar o olho às jovens sopeiras cujos seios se deixavam adivinhar para lá das blusas de chita barata. Teve o primeiro namoro. Nem sabe como, arranjou um tecto pobre numa ilha, casou, teve filhos. Afeiçoou-se à cidade, fez alguns amigos da sua condição. Gente simples, gente sem maior ambição que não fosse subsistir.

A tísica roubou-lhe a alegria com que os pobres convivem tão facilmente, ao escolher-lhe um filho. Na esperança desesperada de o salvar, excedeu-se e cometeu um erro. Na farmácia, sem nenhuma intenção de se apropriar dele, utilizou dinheiro do patrão para pagar as injecções que a doença do filho urgentemente reclamava. Sem grémio, sindicato ou tribunal, foi despedido com justa causa, sem possibilidades de apelo para nenhuma instância superior. Marcaram-lhe a vida com um rótulo que carrega ainda hoje: ladrão!

Joaquim, nome fictício de outra história real, não importa onde nasceu nem que estudos concluiu. Mas presume-se que tenha feito o segundo grau, completado o liceu, frequentado uma universidade. Admite-se que tenha frequentado tabernas onde se vendia vinho a copo e a bebedeira se atingia a baixo preço. Caiu pelas valetas, enveredou pela política, opôs-se à ditadura, mesmo sem sentimento ou convicção. Nunca trabalhou. Pode até ter estado preso e usa o facto como um doutoramento. Começou por uma junta de freguesia, passou à vereação, fez inimigos, sacaneou conhecidos e desconhecidos, chegou a presidente de Câmara. Multado pessoalmente, por qualquer razão, decidiu democraticamente que os fundos da autarquia suportassem o encargo. Uma coisa que se chama Tribunal de Contas detectou a situação e classificou-a de ilegal e muito grave. No mínimo acha que o valor indevidamente utilizado deve ser reposto. Não houve nem haverá procedimento disciplinar ou criminal. Sua excelência não será despedido nem perderá o mandato. E tem a intenção de interpor recurso caso o obriguem a repôr o dinheiro de outros que utilizou em proveito próprio. Já é de novo candidato. O mais provável é vir a ser reeleito. Não lhe colaram nenhum rótulo à carreira ou ao currículo. Mas não deixa de ser um ladrão. E não é o primeiro, nem o segundo, nem o terceiro. É apenas mais um! A história é que não é a mesma...

17 de abril de 2009

Enriquecimento

Os autodenominados representantes do povo parece terem aprovado ontem uma proposta de lei do Bloco de Esquerda sobre o enriquecimento ilícito. E, no Parlamento, quem aprova seja o que for é a ditadura que a maioria absoluta de um partido representa. O mesmo que, ainda não há muito tempo, recusara as ideias do seu militante e deputado João Cravinho sobre o assunto.

Fulcro da questão é, em qualquer dos casos, o sigilo bancário e o seu levantamento. A fazer fé no jornal de referência o Bloco é simples e directo naquilo que propõe em apenas cinco pontos: a possibilidade de acesso pela administração fiscal a todas as informações ou documentos bancários relevantes como forma de detectar rendimentos não declarados pelos contribuintes. O partido do poder parece ter sugerido um regime semelhante ao que vigora em Espanha. Ao que se pensa por mera questão de boa vizinhança porque Aljubarrota já lá vai, o Condestável já tem estatuto de santo e a Galiza é mesmo aqui por cima. O governo propõe coisa diferente do partido a que pertence e decide-se por optar, ele próprio, por combater o enriquecimento ilícito com o enriquecimento ilícito.

Se alguém enriquecer de forma ilícita, o que de forma mais ou menos linear significa ao arrepio da lei, da moral e do direito, será sujeito a um tributo especial de 60 por cento. O que desde logo confere legitimidade à ilicitude pois, como todos sabemos desde miúdos, ladrão que rouba ladrão tem cem anos de prisão. E, para enriquecer de forma lícita bastará, afinal, constituir uma parceria com o ministério das finanças ou obter um alvará como fez o preso preventivamente Oliveira e Costa.

Parece que muito pouco muda em relação à realidade actual. Porque em Portugal, incluindo os reinos da Madeira e dos Açores, ninguém enriquece, muito menos de forma ilícita. Aliás, por ironia, os jornais falavam ontem na existência de mais de 2 milhões de pobres no país, incluindo o Dr Dias Loureiro e deixando de fora, por uma unha negra, em virtude da crise, o Sr Américo Amorim.

3 de abril de 2009

Barrososky

A crise, como se sabe, acentuou o trabalho precário. Com recibos verdes e contratos a prazo. As filas nascem pela madrugada às portas dos centros de emprego. À espera da esmola, diariamente chorada, do governo Sócrates. E à porta das instituições que vão distribuindo uma lata de caldo, um pouco mais para o meio da manhã.

A perspectiva do desemprego, da fila para entrega do formulário e da marmita para a sopa, afecta todos os que estão presos a vínculos laborais pouco consistentes, sejam eles quem forem. Está neste caso a brigada Sócrates que receia não ver renovado o seu contrato. O mesmo acontecendo com o José Manuel Barroso (permita-se-me um aparte que simule conhecimento de outras línguas: formerly Durão Barroso) cujo contrato caminha para o fim.

Previdente, o José Manuel tem uma página na internet onde vai fazendo pela vida, prometendo a felicidade plena aos europeus, caso venha a ser reconduzido no cargo que desempenha. Depois de, como se recordam, ter levado Portugal a ser, como é, um dos países mais desenvolvidos do mundo entre o Douro e o Mondego. Exactamente o mesmo que o treinador Queirós vem conseguindo com a selecção nacional de futebol, indiscutivelmente a melhor do Minho ao Algarve.

Mas, facto que comprova que a língua que mais se linguareja no país não é nem o português nem sequer o mirandês, Barroso esqueceu de todo a língua que o seu professor primário fez por lhe ensinar. Provavelmente a custo e, pelos vistos, inutilmente. A sua página tem versões em inglês, francês, alemão, espanhol, italiano e, pasme-se, polaco. Tendo Barroso adoptado o apelido Barrososky, segundo se presume. O que confirma que na União Europeia são iguais todos os estados membros, embora uns mais iguais do que outros. Neste caso aqueles que, obviamente, têm maior expressão demográfica. Era o que faltava este Portugalzinho ter os mesmos direitos da Alemanha. Ou aquela meia ilha do Mediterrâneo ter os mesmos deste Portugalzão, do Carlão Queirós e do Cristiano Ronaldão!

2 de abril de 2009

País exemplar

Portugal é um país exemplar em tudo. Até nas estatísticas da União Europeia onde, por questão de solidariedade, tem assinatura em lugares de relevância negativa. E um país exemplar é necessariamente exigente. Em Portugal, como se sabe, não há cunhas, compadrios, tráfico de influências ou corrupção. A prática política é inatacável e os políticos, a todos os níveis e nos mais díspares lugares, são pessoas sem mácula. Os lugares públicos, de natureza política, são disputados em eleições democráticas, precedidas de campanhas de moderação e respeito pelos adversários, com inúmeros e exequíveis projectos. Que, apenas pelo seu número e pela sua elevada qualidade, põem problemas de escolha ao eleitor. Abaixo desses lugares não há nomeações. Todos os cargos são providos por concursos públicos, rijamente disputados, que exigem dos candidatos diplomas académicos obtidos em escolas de reconhecido prestígio, habilitações profissionais adquiridas em cargos anteriorres e cadastro sem anotações e sem nódoas. Tudo para poder usufruir de um sofrível ordenado de funcionário público, sujeito aos descontos legais, sem direito a ajudas de custo, cartões de crédito ou automóveis de uso pessoal. Mais uma vez por soladariedade ou por devoção exacerbada ao interesse colectivo e ao bem comum. Foi com este espírito, e porque o país sendo exemplar não é rico como a Arábia Saudita, que o Doutor Cavaco foi primeiro ministro com um ordenado idêntico ao do motorista do chanceler alemão. E só Deus e ele próprio sabem as dificuldades que isso levantou para realização das obras na Travessa do Possolo e na vivenda Mariani.

Foi pelo seu passado como militar, onde devem estar em causa armas e não sacos de batatas, que Valentim Loureiro chegou a presidente do Boavista, da Liga de futebol e da Câmara de Gondomar. Foi assim que, para melhor servir ao seus munícipes, Fátima Felgueiras se ausentou para o Brasil e para a praia de Copacabana, a expensas da autarquia, onde se reciclou como o papel de jornal, de barriguinha para o ar, trabalhando para o bronze. E ainda agora, num julgamento que se sabe inútil porque o réu se jura inocente, Isaltino Morais declarou ter depositado alguns trocos em contas bancárias em seu nome, na Suiça, para os acautelar da malandragem que por aí campeia. Quando o assunto veio a público, uns anos atrás, jornalistas mal formados e orgãos de comunicação sem escrúpulos, tiveram a pouca vergonha de asseverar que o Dr Isaltino declarara que essa meia dúzia de tostões eram pertença de um seu sobrinho, por sinal motorista de táxi num dos cantões da confederação. E, mesmo que na Suiça, como na Alemanha, os motoristas sejam bem pagos, a verdade, verdadinha, é que o senhor de Oeiras nunca disse nada disso.

Agora, para os lados de Braga, uma empresa intermunicipal, viu ser nomeado para seu presidente o senhor Domingos Névoa, alto responsável por uma empresa de construção e exploração de parques de estacionamento, recentemente condenado por corrupção, em tribunal e por erro crasso deste, já se vê. Do facto, ao menos, resultou da pena um enriquecimento significativo do seu currículo pessoal, a troco da exorbitante multa de 5.000 euros da qual, por elementar sentido de justiça, se interpõs recurso. Mas o facto da condenação constar dos seus atributos, mesmo que ainda a título precário, convenceu o vitalício presidente da Câmara de Braga e os seus sócios na tal empresa. E nada melhor para corrigir uma aleivosia e uma injustiça como a que o tribunal cometeu em relação ao senhor Névoa, do que nomeá-lo presidente. Ao menos, pode acreditar-se nisso, o mesmo poderá de futuro corromper-se a sí próprio, com evidente economia de esforços e, espera-se, poupança de fundos. Na mesma senda, facínoras a cumprir penas de prisão serão nomeados guardas prisionais. Até que o senhor ministro da Justiça regulamente, em conveniente portaria, a carreira para ascenção a cargos mais elevados e mais dignos, como director prisional.