31 de março de 2005

Coisas estranhas

Em termos de política partidária, em Portugal, acha-se tudo estranho e extemporâneo. Nunca nada se considera normal, vê-se a maquinação maquiavélica por detrás de tudo, dão-se largas a histórias da carochinha a que falta o requinte das ilustrações feitas à mão. Além disso nunca nada acontece no momento certo ou adequado. Todas as oportunidades são manipuladas na procura de inconfessáveis vantagens, os relógios são culpados pelos atrasos e pelos adiantamentos, é-se preso por ter cão e por não ter. Desde logo basta que existam cães, uma espécie de que se deveria propor a extinção por decreto.

O suspeito A foi inquirido no âmbito do processo da Casa Pia? Então foi-o com evidentes propósitos políticos. Porque se aprestava para anunciar o seu apoio a um candidato a uma ignota junta de freguesia, porque a ex-mulher desempenhava o cargo de assessora no ministério X, porque o filho era tesoureiro de uma secção da juventude qualquer coisa e, ainda por cima, namorava com a filha do inimigo. Com quem, por razões éticas, ainda não partilhara a cama e o chuveiro.

O suspeito B esteve na Polícia Judiciária a prestar declarações para o processo do apito oxidado? Não se aceita que isso tenha acontecido quando o presidente do clube Y tinha intenções de pagar a primeira prestação da dívida à segurança social. Muito menos quanto estava quase acordado o segundo encontro do ano a disputar no estádio do Algarve, entre funcionários das autarquias de Faro e de Loulé. E ainda menos, dois dias depois de o avião que transportava Rui Costa e a respectiva família ter tido forçado a aterrar de "barriga" no regresso de umas curtas e merecidas férias no ancestral vale do Nilo.

O suspeito C foi inquirido no âmbito de um vultuoso processo de contrabando de tabaco? Porquê? Sabendo-se que nem sequer é fumador, que desde sempre foi temente a Deus, que vai regularmente à missa e nunca se recusou a contribuir generosamente para as festas da freguesia. Tendo-se verificado que as embalagens de tabaco não dissimulavam cocaína, ecstasy ou mesmo aves ou animais de origem tropical e que já prometera apoiar o sim no referendo sobre a dita constituição europeia, se esta vier a existir e aquele a realizar-se.

Hoje, se é assim, a concelhia do PSD de um sítio qualquer, algures a sul, entre Lisboa e Cascais, - e não digo mais para que a incerteza persista! - achou estranho que tivessem sido visitadas instalações da autarquia e a residência do anterior presidente da câmara. Certamente com mandado judicial, estranhando-se também os motivos que terão levado um qualquer ignorado magistrado a assinar o papel. Que procuravam em qualquer dos locais, especialmente depois de sua excelência ter ontem assistido ao empate na Eslováquia, jantado em família e passado o resto da noite a ver um filme de Clint Eastwood? Por acaso suspeitam que são de contrabando os charutos que fuma, a única coisa cubana que até hoje suportou, para além de uma passadora da equipa de voleibol feminino que, todavia, era excessivamente alta no seu metro e oitenta? Ainda por cima antes de sua excelência ter completado a sua cuidadosa higiene matinal, envergado o seu habitual roupão de veludo cor de laranja e tomado lugar à mesa do pequeno-almoço, bebericando café com leite e mastigando algumas torradas feitas com pão do dia anterior. Sabendo-se que amanhã é sexta-feira e a seguir sábado. E o domingo é dito de pascoela?

30 de março de 2005

Cargos políticos

Uma das coisas de que eu gosto mesmo é saber que o governo e a oposição do país se reúnem para acordarem sobre os cargos de nomeação política. Digo mais! Gosto mesmo de o saber, seja qual for o governo e seja qual for a oposição, ou inversamente. Por alguns motivos comezinhos, como eu, vindos de uma cabeça normal e de um tipo que nunca se deu ao cuidado de mandar medir o seu QI. E que, para além disso, nunca se muniu de nenhuma balança de ourives ou de fita métrica de costura para o tentar fazer ele próprio.

Em primeiro lugar tais reuniões formalizam o indiscriminado emprego de "boys and girls", sendo que aqui a terminologia é propriedade do engenheiro Guterres, o político português mais viajado de todos, logo a seguir a Mário Soares. A situação tende a ser cada vez mais vulgar depois de 1974 e faltava apenas a ponta final de pouca vergonha que lhe desse a forma de contrato. De facto ninguém, em Portugal, procura competência. Ou, como dizia o outro, ninguém procura trabalho, mesmo que toda a gente vá insistentemente procurando emprego.

Depois, porque um tal acordo evita aos outros arcarem com a tarefa de nos qualificarem como terceiro-mundistas, o que é sempre um acto desagradavelmente odioso: fazemo-lo nós mesmos, cometendo o trabalho aos nossos omniscientes representantes. E atribuímo-nos a nós mesmos o estatuto inultrapassável de menoridade mental, de incapacidade jurídica, de permanente necessidade do tutor.

Creio que não é difícil de perceber a um QI normal como, apesar de tudo, suponho ser o meu. Mas será difícil aos incontáveis QI's superiores que se passeiam pelo país, que o dirigem e que o projectam para o histórico desiderato das descobertas. Lugares políticos são os que enquadram a estrutura do governo. Mesmo assim com a limitação rigorosa do número de assessores e das respectivas remunerações. Para se não correr o risco, recentemente falecido, de ter um ministro da defesa a nomear assessores com ordenados muito superiores ao seu e acabar, na semana seguinte, a invejar-lhes os cargos e a lamentar que nenhum deles o pudesse nomear para cargo idêntico.

Abaixo dessa estrutura política todos os cargos são profissionais, não devendo depender da flutuação da bandeira eleitoral. E o provimento dos lugares deve ser assegurado por um sistema honesto, nem sequer é preciso que seja sofisticado, basta que seja sensato e bem intencionado. Agora esta alternância negociada nunca deixará este país ser mais que um sítio. E, por mais que cresçam os lucros da banca, os membros do grupo espírito santo nunca destronarão nem Deus nem o seu Filho!

29 de março de 2005

É para tabaco

Eu não sei se estou errado, porque até sou dos que se enganam e têm dúvidas. Mas se eu para aqui disser burrices que possam medir-se em anos-luz, peço humildemente, embora sem requerimento, que o Roncinante faça o favor de me corrigir. No sentido de me restituir a tranquilidade do sono, sem Xanax, e de salvaguardar os legítimos interesses da activa indústria nacional e o perseguido aumento da produtividade que tanto se nos escapa.

Os números vêm assim mesmo na revista Pública, distribuída ao domingo com a edição de um jornal dirigido por um conhecido independente de direita, desertor das fileiras de um partido dito de extrema esquerda, apoiante incondicional de reuniões na Base das Lages e da instauração, pela força, de regimes democráticos feitos à medida como os fatos do Silva e Sistelo, passe o reclame.




Então a Comissão Europeia, que a partir desta época é treinada pelo técnico português José Barroso - o José Mourinho é o que treina o Chelsea! - investe anualmente 963 milhões de euros, mais de 193 milhões de contos, qualquer coisa como cerca de 18 vezes o prémio esperado no euromilhões desta semana e cerca de 400 pequenas moradias familiares como a que o sempre lembrado Manuel Damásio habita na modesta Quinta da Marinha! E tudo isto no propósito altruísta de nos por todos a fumar, de fazer subir as cotações em bolsa das acções das tabaqueiras, garantir aos accionistas maiores dividendos, acautelar a sobrevivência dos descendentes dos Josés de Mello até à trigésima geração e fazer com que contraiamos cancro do pulmão e possamos ser assistidos nas unidades de saúde dos mesmos grupos até acordarmos mortos!

E depois lança uma campanha que mais parece um tributo aos Beatles, os quatro ainda vivos, para a qual orçamenta 72 milhões de euros, mais de 14 milhões de contos, menos de uma vez e meia o prémio esperado no euromilhões desta semana e cerca de 29 pequenas moradias familiares como a que o sempre lembrado Manuel Damásio habita na modesta Quinta da Marinha! Então é apenas este o apoio que a Comissão do José Barroso se propõe dar aos activos empresários europeus do sector da saúde para que tenhamos uma vida com o bolso livre de maços de tabaco. E os pulmões cheios dele, à custa do vizinho do lado!

Desculpem, mas vou continuar a fumar [*], solicitar uma pre-reforma qualquer, arranjar um terreno de pousio na Planície Heróica, fazer formação profissional que deve estar disponível num qualquer centro de emprego de Lisboa e inscrever-me como produtor de tabaco. Alguém, em Bruxelas, faça o favor de interceder junto do José Barroso para que a União me atribua um subsídio qualquer. O requerimento, de que consta o número de identificação bancária de uma conta na Suiça, segue em separado, por correio azul. Não se preocupe a União com as perdas de câmbio que eu vier a sofrer: são contingências do negócio!

[*] - Verdade, verdadinha que, graças a Deus e à vontade que tive e mantenho, já não fumo desde 2 de Março de 1993. Na perseguição, baldada, de levar a Tabaqueira à falência e de conseguir emprego alternativo e melhor remunerado para o pessoal. Não atingi este objectivo, mas tenho hoje a "chaminé" limpa do meu fumo, a consciência tranquila e o bolso igualmente vazio!

28 de março de 2005

De regresso

Bem, como prometido, eis-nos de regresso. Comecemos por agradecer àqueles que por aqui passaram e sorriram e àqueles que, mais do que isso, nos deixaram as amêndoas da visita. Sobra-nos em preguiça deste inverno extemporâneo e serôdio o que nos falta em vontade, determinação e força anímica que, seguramente, Gabriel Alves recomenda à nossa selecção de futebol para vencer a Eslováquia.

Para variar, encontrámos tudo igual, depois de tão curta ausência. Ainda há amêndoas que se nos perdem no fundo de um dos bolsos enquanto, no outro, se vai amarrotando uma qualquer edição gratuita do novo código da estrada. Por razões de regime - alimentar, como é óbvio! - o primeiro dos bolsos rompeu-se, as amêndoas rolaram pelos exuberantes passeios da Avenida dos Aliados, já não há cerzideiras, as calças jogam-se fora por buracos no forro dos bolsos e não nos fundilhos. Também estes passeios de luxo não serão, em breve, mais do que motivo para postais ilustrados que um sábio despacho do presidente da Câmara autorizará a vender em quiosques e bancas de jornais.

O código da estrada foi apressadamente posto em vigor, algumas disposições regulamentadas, todas as lojas venderam os coletes que tinham, mesmo aqueles que, ao gosto de Santana Lopes, tinham a cor da moda ultrapassada. Até os chineses, sisudos e circunspectos, esfregaram as mãos e arrecadaram o apuro. Com o senão, porque não são responsáveis, de muitos dos coletes irem directos para os contentores do lixo, por inconformidade com as normas. Do código apenas se sabe que as multas - a que chamam coimas para despistar! - sobem para valores absurdos. Não para equilíbrio das contas públicas, com que nem o ministro das finanças está preocupado. Apenas pela mesma razão porque se arrancaram árvores e se plantaram parcómetros. Ao tronco das primeiras apenas se chegavam cães, muitas vezes famintos e vadios, para alçar a perna. À geringonça dos segundos chegam-se apressados condutores, a inserir moedas como se estivessem numa das salas de jogo do casino.

De resto o código trás consigo todas as novidades que ninguém conhece. Como pessoa cujas boas intenções não são conhecidas, nada foi divulgado e partiu-se mesmo do princípio que a ameaça das multas altíssimas faria o milagre de converter autênticos selvagens como os classificou Miguel Sousa Tavares em exemplares condutores. Tão bons ou mesmo melhores do que os chefes de família que são adeptos do Benfica. Disse este governo que a culpa foi do governo anterior. Como não fala do passado, acrescenta que a culpa, embora do governo anterior, se localiza na parte do mandato que o presidente da República lhe não deixou cumprir. Alega o governo anterior, pela avisada pena de Luís Delgado, que a culpa é do governo do engenheiro Sócras, que se apressou a tomar posse sem deixar ao governo anterior que a tarefa fosse concluída.

Entretanto, com terminais multibanco instalados nas viaturas, a Brigada de Trânsito vai divulgando as inovações. Com preço elevado, a pronto pagamento e sem nenhum desconto financeiro.

24 de março de 2005

Pausa para o compasso

Como se fosse para a antiga tradição do compasso de província fazemos aqui, a partir de hoje, um curto interregno. As festividades são de natureza religiosa mas não é isso que nos para. Travam-nos os dias seguidos para descanso, para matar saudades de familiares ausentes e para rever lugares que fomos deixando perdidos pelas trapalhadas da vida.

A par, acompanha-nos a saudade das tradições que o progresso e as requalificações foram reduzindo à aridez de um deserto. O compasso pascal - ou visita pascal como mais frequentemente se designa - é um desses velhos usos quase perdidos. Com o cortejo simples e solene, o numeroso grupo de acompanhantes, a distribuição de amêndoas e confeitos.

Fiquem todos bem e acautelem-se com o açúcar das amêndoas. Recomponham-se. Como eu, estejam de regresso para a semana. A gente reencontra-se por aqui.

Por aí

Por muito que o tempo aperte e o chamado "stress" ameace, a gente sempre vai dando umas voltas por aí. Por mim não tenho sítios de peregrinação fixa, salvo as frequentes idas a Fátima, por pessoais e diferentes razões.

Mas hoje não posso deixar de me congratular com este apontamento e de não conter um expressivo "até que enfim". Passa o Reino Unido a ser uma democracia constitucional normal a partir do momento em que decide criar um supremo tribunal. E deixa de me preocupar aquela mesma dúvida que tem roubado o sono ao deputado Bernardino Soares em relação à Coreia do Norte, o lhe prejudica o exercício do cargo. Também eu tenho vivido na incerteza, sem saber se o Reino Unido, sem uma constituição escrita e sem um supremo tribunal, poderia ou não ser considerado uma democracia normal.

Fico sem saber se tão transcendente decisão se terá baseado em longos e dispendiosos pareceres de proeminentes professores de direito portugueses. Mas registo que, paulatinamente, o governo trabalhista do senhor Tony Blair vai modernizando o sistema constitucional e contribuindo para a democratização do Iraque. Haja Deus!

23 de março de 2005

O sistema do Abelino

Pudessem todas as coisas ser assim e o país estava salvo. Bem escusava o engenheiro Sócras de mandar os seus ministros percorrê-lo de lés a lés, utilizando estradas florestais, carreiros e atalhos. Munidos de longas fitas métricas adquiridas em lojas de chineses, a medir a pobreza e a idade das pessoas, propondo a estas o alongamento da esperança matemática de vida, de forma a que se não finem antes dos 80 para que no próximo ano possam receber o óbolo e ouvir o pároco proclamar do púlpito abaixo que a freguesia já não tem pobres. Nessa altura certamente que o governo, com a colaboração do Instituto Nacional de Estatística e a assessoria dos serviços de informática do Ministério da Educação, mandará até que se estabeleça uma lista ordenada a que os intelectuais chamam "ranking" e que muito contribuirá para a felicidade colectiva, para o aumento dos índices de natalidade e para o pleno emprego dos professores.

Infelizmente nem todos podem exibir a polivalência - parece que é assim que se diz! - do compadre Abelino, presidente da Câmara do Marco há cinquenta e oito anos, patrono de ruas, campos de bola, fontes secas e caminhos com mais de dois metros de largo. Como já se tinha visto, o seu desempenho na quinta dita das celebridades foi em tudo idêntico àquele a que nos habituou na autarquia, incluindo a utilização de recursos para sachar o campo de batatas e olear os gonzos dos pesados portões de ferro. E o público em geral, incluindo a Júlia Pinheiro e o burro cujo nome me escapa, teve a oportunidade de ver, em directo e a cores, as imaculadas cuecas que usava, cheirando à frescura lavada que só o aloé vera do anúncio permite.

Sabendo que anteriormente desempenhara todos os cargos no clube da terra, incluindo o papel do adepto com mau perder que insulta o árbitro e a família, esgrime um guarda-chuva de ponta afiada e vira de cangalhas, a pontapé, mesas, bancos e cadeiras da tribuna dita VIP, a PJ - que aqui figura por Polícia Judiciária! - a contas com o complexo processo do apito, chamou-o a colaborar na investigação. Colaborante, foi. Convencido, apressou-se. Seguro de si, à saída, abriu a alma ao diabo e aos microfones da comunicação social. Para se pronunciar sobre a ajuda que lhe solicitavam e a forma desinteressada como a dera.

E, de cátedra, pronunciou-se sobre a crítica da razão pura e a sua influência no espírito do árbitro que validou 4 - golos - 4 ao Nacional da Madeira em pleno estádio do Dragão, na presença solene de Pinto da Costa, Catarina Salgado e do chamado "dream team" que, por ajuste directo, propôs a sementeira de asfalto na avenida dos Aliados e a recolha do presidente da câmara a um dos prédios reconstruídos da Praça de Carlos Alberto. Com renda actualizada a cargo da autarquia, mas só depois de novas eleições.

Do mesmo modo explicou a quadratura do círculo que, sob a forma de tumor, habita há anos a cabeça de Dias da Cunha que, por falta de cultura, se limita a chamar-lhe sistema. E demonstrou como duas sessões de Reiki tinham acalmado o homem, levado ao árbitro que estudou todo o compêndio do J. Bonifácio a exibir cartões vermelhos, a assinalar uma grande penalidade e a levar o Sporting à vitória.

Grata e eternamente devedora ficou a PJ. Que, para já, decidiu nomeá-lo também para o apito dourado. Só se não sabe é se vai ganhar. Mas ele recusa prémios que se atribuam a artistas secundários!

22 de março de 2005

Arrufos tripeiros

Enunciar as anedotas todas que o Porto tem hoje espalhadas pela cidade, a céu aberto, garantiria de imediato a passagem à reforma de Ricardo Araújo Pereira e dos seus eventuais correligionários. O que não pode ser: o rapaz é novo demais, o BMW ainda brilha sem necessidade de polimento e aguarda-se pelo Verão para que possa dar adequado uso à piscina no quintal. Além disso o contrato com a Visão ainda não acabou e, nos tempos que correm, não se abandona assim nenhum emprego, mesmo que se receba atrasado.

Uma das mais queridas anedotas dos tripeiros é o túnel de Ceuta, ultimamente muito discutido por todos os lados e em todos os sítios, incluindo este. Em boa verdade creio que já ninguém se recorda de quando começaram as obras. Sendo hoje cada vez mais claro que ninguém sabe bem o que quer e onde é que elas vão acabar. Um primeiro empreiteiro entaipou a Praça Filipa de Lencastre e começou a furar por ali fora como uma toupeira. Faltou-lhe o ar, cansou-se, voltou para trás e abandonou a obra. Extenuada, a Câmara mudou de vereação, prometeu concluir a obra, iniciou aquilo a que ainda hoje chama a Casa dos 24, apesar do aviso repetido de Germano Silva para o facto da designação estar errada.

Acabou o mamarracho no Terreiro da Sé, de nada valeram os bons ofícios e os terços rezados pelo reverendíssimo bispo na clausura do paço. Sem préstimo e sem uso lá está a torre, abandonada e suja a simular a patine que não tem. O túnel ameaçou recomeçar, os menos avisados julgavam-no já quase a chegar ao castelo da Foz.

Concluiu-se o parque de estacionamento da Praça de Gonçalves Zarco - denominação erudita da rotunda do Castelo do Queijo -, deu-se-lhe o mesmo uso da tal dita Casa dos 24, abandonaram-se as obras e as tralhas nas Praças de D. João I e de Carlos Alberto. A sociedade Porto 2001 foi extinta, Teresa Lago perdeu o emprego e as mordomias, arranjou-se-lhe um medíocre lugar de deputada. O túnel de Ceuta, disse-se, estava por um fio. Era só esperar que no tribunal à esquina da Rua da Picaria fosse julgado o facínora Camilo Castelo Branco e a sua amante da Rua do Almada. Continuaram ao supersónico ritmo de Santa Engrácia as obras da Casa da Música.

As obras do túnel de Ceuta recomeçaram, o presidente da câmara discursou inflamado, o bispo benzeu o estaleiro, as ferramentas e abençoou os operários. As seguradoras do grupo Espírito Santo recusaram subscrever a apólice de seguro, alegaram como razões de monta o prémio baixo e o risco alto. O projecto da Casa da Música foi adequadamente alterado, dotando-a de um elevador que suportasse o peso do PCA, com o bolso cheio com o ordenado acabado de receber em moedas de dois euros. Aproveitou-se a oportunidade, e também adequadamente, dotou-se o piso da administração de uma toilette decente, capaz de acolher a urina dos administradores e de dar-lhes o necessário conforto aos bojudos traseiros. Devidamente insonorizadas, está claro!

Hoje, em plena semana santa, a tal Casa dos 24 jaz no Terreiro da Sé sem nenhum préstimo, nem os comerciantes que ainda sobrevivem na Rua Escura se propuseram alugá-la, o arquitecto não recebeu nenhum prémio nem foi sequer felicitado por Helena Roseta. O parque de estacionamento do Castelo do Queijo, graças à seca e à localização, está felizmente vazio de águas pluviais e de automóveis estacionados. O edifício transparente, que não faz parte desta história e de que se não falou por esquecimento, tem as vidraças surradas e espera-se que dentro de alguns cinco anos garanta à câmara um elevado aluguer, sempre da ordem dos 1.000 euros.

O engenheiro Nuno Cardoso continua a lutar por ser candidato à presidência da câmara, dispondo do apoio incondicional dos familiares e do silêncio do vereador Gaspar. O túnel avança, com as toupeiras cegas não sabendo onde verão a luz do dia e quem terão a aguardá-las: o presidente da Câmara do Porto ou o presidente do IPPAR. Entretanto vão-se engalanando um flanco do Hospital Geral de Santo António e a frontaria do Palácio dos Carrancas, vulgo Museu Nacional Soares dos Reis.

Ao início da tarde passei por lá. Queria ser isento, mas não o consigo. Tomo partido pela saída do túnel em frente à portaria principal do Museu Soares dos Reis, se não puder ser lá dentro, no remanso de uma sala onde se exponham olarias de Rosa Ramalho ou no quintal, durante o Verão, à sombra verde e fresca de uma hipotética tília que não tenha sido podada. Pela fotografia, vejam se não tenho razão!

21 de março de 2005

Auditorias

A auditoria é uma actividade mais antiga e mais velha do que o presidente da Câmara de Vila do Conde, apesar da homogénea calvície deste. Tendo-se globalizado muito antes de Mário de Almeida, espalhou-se por diferentes lugares com uma única finalidade: dar credibilidade à informação que as organizações transmitem para o exterior. Foi e é fundamental nas empresas, em defesa dos interesses de accionistas, devedores, credores, Estado e empregados. Como o é em relação a serviços públicos autónomos, que assumem hoje a dimensão de grandes empresas: no investimento que promovem, nas despesas que suportam, nos proveitos que arrecadam e no emprego que sustentam.

Portugal nunca teve e não tem nenhuma tradição no que respeita à auditoria e à sua função independente de emitir um parecer sobre as contas, em defesa de todos os interesses de terceiros. E não tendo tradição neste campo, confunde auditoria com investigação policial e independência com leviandade. Não sei há quantos anos Mário de Almeida é presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde nem isso me interessa: para o bem e para o mal esse é um problema dos vilacondenses. Mas devo reconhecer que da sua presença, ao longo de já bastos anos, tem emergido a imagem de um homem capaz, trabalhador, cordato e competente. Mas, como sempre e como em tudo, no melhor pano cai a nódoa e foi isso, e apenas isso, que aconteceu.

Os auditores do Tribunal de Contas fizeram o seu trabalho na Câmara de Vila do Conde e apresentaram o seu relatório. A auditoria assenta em factos, não se apoia em propósitos ou intenções. Rege-se por procedimentos técnicos rígidos e objectivos, tem regras, está agregada a nível de instituições internacionais que dia a dia trabalham para que as coisas melhorem e para que, em consequência, desfrutem de mais ampla credibilidade.

Com o mesmo mau perder de Avelino Ferreira Torres, Mário de Almeida convocou uma conferência de imprensa e preencheu o boletim de inscrição para a sua presença na quinta dita das celebridades. Mesmo sem nenhum aconselhamento da sua prole de assessores teria sido difícil explanar tão longo chorrilho de disparates em tão curto espaço de tempo. Segundo as suas palavras, indignou-se com a leviandade e a ligeireza das conclusões, anunciou a sua disposição de ir até às últimas consequências para repor a verdade e o seu bom nome e credibilidade. Expôs as suas dúvidas sobre as capacidades profissionais dos auditores e criticou as suas disparatadas conclusões. Estranhou que o relatório tenha sido elaborado por técnicos e não por magistrados, como se os relatórios da câmara a que preside viessem a ser redigidos por José Saramago, depois do Nobel, já se vê. E, inevitável, anunciou que iria mover a habitual e anedótica acção judicial, apenas para justificar a existência da comarca.

Os relatórios de auditoria não são peças de inquisição e baseiam-se em factos. Como Mário de Almeida o não sabe e o não aceita, seria conveniente que alguém lho dissesse e lhe aconselhasse algum ponderado tento na língua. Os factos desmentem-se com factos, não com disparates arremessados a jovens aprendizes de jornalistas, ávidos de protagonismo e celebridade baratos e efémeros. Neste país, sem rei nem roque, cada autarca é um D. Miguel a quem retiraram a faculdade de pendurar pelo pescoço gente honesta na ponta de um baraço. É preciso por termo a isso: limitar mandatos, definir competências, exigir contas certificadas. A Mário de Almeida e aos outros todos, já agora!



20 de março de 2005

Cadelas apressadas

Do alto da sua já muito idosa sabedoria a minha mãe continua a dizer que as cadelas apressadas têm os filhos cegos. Nunca achei tanta piada e tão certa afirmação em nenhum outro provérbio ou adivinha. E ao fim acabo a concluir que, afinal, deve ser por isso que Portugal é um país de madraços onde tudo se faz sem pressa e a declaração do IRS pode ser sempre apresentada quando o ministro das finanças nos escrever a pedi-la. Apenas choca - já que estamos em época deles! - que a fama aproveite a uns e o proveito, genericamente, a todos.

De facto quando aqui se acabou de escrever o vocábulo madraço estou certo que o país, até à raia do Alto Alentejo, desenhou mentalmente um chaparro no meio do montado e plantou-lhe dois compadres à sombra, digerindo o gaspacho e dormindo a sesta. Até à fronteira sul do Baixo Alentejo os compadres foram trocando impressões e largando palavrões, eventualmente à sombra de um qualquer chaparro crescido no meio da canícula, para acolher pardais e facilitar o descanso: não queres lá ver aqueles cabrões a meterem-se outra vez com a gente heim! Dali para baixo já pouco há que tenha resistido aos incêndios e à seca, a não ser o presidente da Câmara de Tavira. Preocupado com a seca nem tem opinião sobre o assunto, se calhar o Algarve nem sequer tem cadelas - salvo as de arribação! - e as que há foram laqueadas das trompas, nem sequer precisam da liberalização do aborto para nada.

Isto para dizer que esta semana a Direcção Geral de Viação solicitou ao novo governo o protelamento da entrada em vigor do também novo código da estrada. Aquele que vai fazer dos madraços dos portugueses condutores exemplares: sabedores, experientes, transpirando civismo, cheirando à simpatia dos perfumes de Yves Saint Laurent. O que, como se sabe, fica muito mais barato do que construir estradas em condições, vendê-las ao Sr. José de Mello, isentá-lo de impostos e defender com unhas e dentes, como os economistas, o princípio universal do "utilizador-pagador". Ou, em alternativa, ensinar às criancinhas, nas poucas escolas que ainda permanecem abertas, que civismo não é dar pontapés nas canelas dos colegas e simpatia não é chamarem à família dos vizinhos nomes mais difíceis de pronunciar do que de aprender. E, já agora, fazer com que as pessoas obtenham a carta de condução não como quem vai à estrada da Póvoa comprar um molho de grelos de nabo, mas depois de aprender a conduzir um automóvel, sabendo os riscos que isso comporta e tendo consciência dos direitos e obrigações que isso confere.

O novo governo, como também é do conhecimento público, recusou de imediato o adiamento solicitado e o Sr. Fernando Gomes, ex-presidente da Câmara do Porto e residente em Vila do Conde, que só escreve no Jornal de Notícias aos domingos, teve de esperar pelo dia de hoje para dizer que tinha sido muito bem decidido. Se o governo tivesse decidido o contrário ele diria exactamente a mesma coisa, com o inconveniente do leitor viciado e ansioso só poder saber o que vai na cabeça do Sr, Gomes de Vila do Conde quando, depois da missa, for ao quiosque da esquina comprar o jornal de domingo.

Por mim, entregue à madrinha o ramo de oliveira, já com o jornal de domingo debaixo do braço, apavoro-me quando ouço que o novo governo está a trabalhar para produzir os regulamentos que ainda faltam para que, no dia 26, o novo código da estrada possa entrar em vigor. Primeiro porque me dá o fanico sempre que o governo diz que está a trabalhar, seja o governo aquele que for. No mínimo fico sempre naquela ansiedade assustada de que o tecto me desabe em cima da cabeça: o governo a trabalhar nunca foi para me fazer bem. Depois porque num país de madraços se deixa obviamente tudo para amanhã. Estes agora, para dar razão às isentas e coerentes opiniões do Sr. Gomes de Vila do Conde, hão-de apressadamente parir os filhos cegos!

19 de março de 2005

Finanças públicas

Este frequentemente apelidado jornal de referência publica hoje aquilo a que chama Os principais compromissos do executivo de Sócrates. No que respeita às Finanças públicas são os seguintes os compromissos enunciados:

  • Sanear as finanças públicas
  • Recusa das propostas "irresponsáveis de baixa de impostos"
  • O Banco de Portugal irá avaliar a situação orçamental
  • Apresentação, em seis meses, de um programa de redução da despesa
  • Apresentação, em seis meses, de uma simplificação dos regimes de incentivos e benefícios (orientação para os
  • bens transaccionáveis)
  • Adoptar, em seis meses, "um regime igual às melhores práticas europeias", nomeadamente em matéria de sigilo bancário para efeitos fiscais
  • Défice orçamental dentro do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) em quatro enos sem receitas extraordinárias
  • Estabilizar o rácio da dívida pública (actualmente acima dos 65 por cento do PIB)
  • Novos procedimentos orçamentais semelhantes aos dos países nórdicos
  • Implantar um novo modelo de selecção do investimento público.


  • Pronto. Aí estão arrolados dez pontos. Dispensa-se, desde logo, a análise da linguagem macarrónica utilizada. No fim, de um modo geral, o governo é composto por gente jovem que já deve acompanhar-se das sequelas do ensino do português e da matemática. Mas, fora isso, indiquem-me neste conjunto ambíguo e fluído de dez pontos um só compromisso que seja. Porque, naturalmente, não basta anunciar que vou ganhar a lotaria da Páscoa e ficar rico. Se não estabelecer o algoritmo para chegar a esse desiderato e começar por esquecer que não disponho de dinheiro para comprar o bilhete e que, por isso, nem sequer vou jogar.

    À semelhança dos anteriores, este é mais um governo sem ideias e sem soluções. O que aliás já se sabia mesmo a nível de pessoas normais. Não eram apenas os iluminados com o Luís Delgado e o Carlos Magno que o sabiam! Como S. Tomé, vamos aguardar e ver para crer. Mas quem, como nós, não crê em nada disto, muito dificilmente virá a ver seja o que for!

    18 de março de 2005

    Triunvirato

    Que esquisito factor comum poderia juntar neste esconso canto a nobre personalidade liberal de Manuel Fernandes Tomás, o autêntico êxtase cor de rosa de uma magnífica magnólia em flor e a figura cinzenta, embora a cores, do actual presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio?

    Quanto a Manuel Fernandes Tomás, porque o seu nome foi dado a uma das mais conhecidas ruas da cidade do Porto, entre o Campo 24 de Agosto e a Praça da Trindade. Quanto à magnólia em flor porque está situada mesmo no fim da rua, junto à Celestial Ordem Terceira da Santíssima Trindade. Finalmente, quanto ao Dr. Rui Rio porque, um inesperado e breve assomo de humildade, o faria ir a uma das varandas das traseiras dos paços do conselho e contemplar o espectáculo. Para mal de tudo e de todos, o Dr. Rio é muito mais dado à teimosia, à convicção de que só ele tem razão depois da batalha de S. Mamede - incluindo o engenheiro Nuno Cardoso e a exilada de Copacabana, Fátima Felgueiras! -., e às corridas de calhambeques. E também à resolução complexa de charadas como a de saber quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha. Que o mesmo é estabelecer quem tem competência sobre quê: o presidente do IPPAR, o primeiro vereador da autarquia portuense, o túnel de Ceuta ou a memória do Sr. Soares dos Reis.

    17 de março de 2005

    A poda
















    A República foi podada. Ou, melhor dito, a Praça da República foi podada. Talvez ainda com um pouco mais de rigor, as magníficas árvores da Praça da República foram podadas. Aquelas que os ventos e as invernias têm poupado foram podadas. Como peões sem idade nem valia. Depois de terem sido historicamente podados do nome o Campo de Santo Ovídio e o Campo da Regeneração. Ainda ouço, com saudade, o guarda-freios anunciar "Campo" quando o ronceiro eléctrico, gemendo, vindo da Ponte da Pedra, descia a Rua da Lapa. A caminho da Rua da Boavista e da Rua de Cedofeita, para acabar na Praça da Liberdade. Já podada do seu nome de Praça Nova. Simples curioso, sem nenhuma erudição, acho mal feitas todas estas podas. Eu, que nem sei de enxertos! Acho mesmo que quem tão desbragadamente utilizou o serrote pura e simplesmente não sabia da poda. Pelo menos acho que não sabia o que devia saber! Mas estes meus companheiros de jornada vão ajudar-me. Corrigindo-me naquilo em que eu esteja errado. Emitindo o certificado profissional ao podador, se for caso disso!

    15 de março de 2005

    O circo volta à cidade

    Depois do maremoto no sudoeste asiático, a que os repórteres televisivos de erudição estrábica, entenderam por bem chamar tsunami, Lisboa apavorou-se. Como se já não bastassem as obras de Santa Engrácia, a original solução para armazenamento de água no túnel do Terreiro do Paço e a inutilidade do túnel do Marquês, passou a dedicar-se especial atenção ao terramoto de 1755 e ao maremoto que se lhe seguiu e do qual nem o próprio Marquês de Pombal se terá apercebido. Tanto assim que não teve palavras que não fosse para os vivos, para cuidar deles, e para os mortos, para os enterrar.

    Lisboa, como tanto gosta, especulou com o tsunami passado e com as perspectivas do tsunami futuro. Que amplitude teria, arrastaria por completo toda a praça a começar pelo cais das colunas, chegaria ao Saldanha, estaria a salvo a segunda circular e as arenas que a orlam, o que poderia acontecer à calçada de Carriche. Não se preocupou minimamente com o maremoto que, entretanto, o Dr. Santana Lopes levava à residência oficial de S. Bento, vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana, mesmo que as televisões o fossem dando em directo, chamando-lhe eufemisticamente actos de estado. Apenas frente à Praça do Império - qual império, porra? - o Dr. Sampaio entornava a sopa pelo guardanapo abaixo, perdia o apetite para os filetes de pescada, arrasava-o o fastio quando chegava à sobremesa e ao pudim do abade de priscos.

    Ontem, depois de ter despejado o Dr. Santana Lopes da residência de S. Bento, Lisboa esqueceu-se por um dia que espera por um imberbe e efeminado D. Sebastião há não sei quantos anos, assim no meio de uma manhã de nevoeiro como aquela que acordou hoje. E excitou-se no meio da dúvida e da incógnita sobre a sorte nos números do euromilhões e o paradeiro incerto do presidente da câmara que não retomara o lugar nem a ele renunciara. Enquanto isso, sem ironia e sem nenhum sarcasmo, o Dr. Santana Lopes dormia a sono solto e uma empregada de quartos fez mesmo constar que ressonava.

    À tarde as mais antigas profissionais do mundo viram Monsanto ser invadido por batedores da polícia, seguranças de dois metros de altura e limusinas importadas da América para levar ao altar noivos felizes e determinados na condenação do divórcio e do aborto com a mesma exuberância daquele padre que só dá a comunhão a quem primeiro tiver aproveitamento num curso de cristandade. O presidente que tinha sido e aquele que era reuniram-se numa casita rural de que a câmara dispõe no meio da mata, dada como pagamento de um qualquer dízimo para que não havia moedas de ouro. Como se fosse na Convenção de Évora Monte, o engenheiro Carmona - este apelido é fatídico, seja qual for o cargo que se desempenhe! - Rodrigues acedeu o que o presidente que tinha sido voltasse a ser e juntos, logo ali, decidiram emitir um comunicado e subir juntos, na manhã seguinte, a escadaria dos Paços do Concelho.

    Hoje a cidade assiste à chegada tranquila dos cacilheiros vindos da outra margem. Excita-se ligeiramente com o fanatismo benfiquista do engenheiro Seara, exilado em Sintra, e questiona-se se ele acha mais bela a águia do que a D. Judite. Acredita que este ano é que é e que mesmo sem mudar pneus, como agora impõem os regulamentos, o Benfica vai por o Sr. Eusébio da Silva Ferreira a chorar de alegria e o Sr. Veiga a vender, com lucro, o Sr. Simão Sabrosa para uma qualquer equipa de amadores do Luxemburgo. Enquanto isso o Dr. Santana Lopes e o engenheiro Carmona Rodrigues, de braço dado, sobem a escadaria do edifício da Praça do Município. Para alegrar a cerimónia há raparigas de perna ao léu, dançando músicas alegres e agitando vaporosos véus de tule e organdi enquanto soltam gritinhos de histeria e de paixão.

    Hoje eu gostava de estar em Lisboa e não era para visitar o Mosteiro dos Jerónimos. Era para ver a cara dos coitados dos lisboetas. Mas tenham esperança que em Outubro isso passa: o Dr. Santana Lopes perdeu hoje a Câmara de Lisboa.

    14 de março de 2005

    Confrarias de artes e ofícios

    O país tem desde sábado passado, segundo me disseram, um novo governo. Para aí o 847º desde a proclamação da independência, excluindo os períodos de ocupação dos Filipes e das guerras miguelistas. É claro que depois de tantas equipas ninguém espera que o capitão conduza esta à vitória, inspire um novo poema épico como Os Lusíadas ou evite a primeira decisão sensata tomada no Largo do Caldas nos últimos trinta anos, empacotando o retrato do professor Freitas do Amaral e expedindo-o pelos correios como se fosse uma encomenda-bomba.

    Mas, de qualquer modo, fica bem prometer muitas coisas sem nenhum custo, desde o paraíso pejado de virgens às dezenas esperando pela sua primeira vez até à felicidade plena, ao emprego bem remunerado para todos, ainda por cima com isenção total de impostos. Sendo assim parece que no discurso de posse o novo primeiro-ministro prometeu colocar os medicamentos de venda livre noutros locais além das farmácias e realizar um referendo sobre a constituição europeia - que ninguém sabe o que é! - conjuntamente com as eleições autárquicas do próximo mês de Outubro.

    Caiu o Carmo e a trindade e se mais não caiu foi porque mais nada havia para cair. Sobre a hipótese da aspirina ser vendida na tradicional mercearia da esquina ou sobre a possibilidade de adquirir supositórios para a tosse num posto de abastecimento de combustíveis, logo formaram as diversas confrarias das artes e ofícios, marchando com destino ao largo dos ferradores e integrando mercadores, correeiros, caldeireiros, almocreves e farmacêuticos.

    Pela primeira vez em tantos governos conforta sentir que a corporação dos farmacêuticos está, desinteressadamente, ao serviço da comunidade, dos doentes e daqueles que nem dinheiro têm para comprar as batatas na mercearia e que não precisam da gasolina de 98 octanas para nada. Tanto estávamos habituados a ver um alvará para a abertura de uma farmácia como um passaporte para a fortuna que nunca lhe antecipámos o mecenato e a filantropia. Mas tem a corporação que perceber que a globalização é isto tudo, mais as opiniões do Dr. Garcia Pereira e a viagens do professor Boaventura à volta do mundo, viajando em classe executiva, a bem da extinção da pobreza e da subnutrição infantil em África.

    Os correios, por exemplo, passaram a vender selos como um produto residual e é para ocupar pessoal velho e excedentário que ainda transportam e distribuem correspondências, mal, pelo domicílio. De forma mais moderna passaram a servir cafés e a vender intragáveis queques prefabricados, a divulgar a erudita literatura da D. Margarida Rebelo Pinto e a promover provas pedestres para ministros e presidentes da república. Enquanto encaram a possibilidade de admitir licenciados politicamente competentes que possam promover o negócio dos detergentes para a louça e do papal higiénico para o evidente. Ao mesmo tempo que publicam anúncios de página inteira nos jornais diários ,onde se afirmam como os melhores do mundo que vai da Rua de S. José ao Largo da Anunciada.

    12 de março de 2005

    Histórico

    Definitivamente, eram tempos de África. Não posso recordar-me da época do ano, lembrar-me se já tinham chegado as primeiras chuvas e aquele perfume intenso a terra molhada. Se os milhos tinham nascido, iam já crescendo por diante. Mas lembro-me que era um domingo à tarde, depois de almoço acompanhei o meu tio Quim até casa do Pepino. O Pepino era um mulato pequeno, entroncado, carpinteiro. Jogador de futebol, calçando chuteiras com traves para correr em campos pelados, defesa direito de uma formação alvi-negra, Atlético Clube de Nova Lisboa. Duro de rins e de canelada, lhe conheciam pela alcunha: arranca mamoeiro. Tarde de domingo, maravilha da comunicação sem técnicos de marketing e sem contraditório, a Emissora Nacional levava-nos os relatos dos jogos do campeonato nacional da primeira divisão. Naquela tarde, em Évora - cidade que eu não sabia onde ficava, embora soubesse de cor e salteado todas as estações e apeadeiros da Linha do Norte! - o Lusitano recebia o Benfica. Ganhou por quatro a zero e falhou uma grande penalidade. O árbitro não usava cartões e ninguém reclamava daquilo que ele decidia. Poucos anos antes Manuel Gervásio - a saudade também se invoca! - tinha sido a transferência mais cara do futebol português: o Sporting pagara por ele, ao Barreirense, cinquenta contos.

    Ontem, no Porto, o Nacional da Madeira humilhou o Futebol Clube do Porto, campeão nacional, campeão europeu, vencedor da taça intercontinental - a que eles chamam campeão do mundo! - também por quatro a zero e alguns outros que ficaram por marcar. Achou normal o Sr. José Peseiro, as coisas não têm o sortilégio de outros tempos, para o ano já ninguém se recorda. Como ninguém recorda um ano em que o Sporting veio às Antas ganhar por quatro a um e depois, em Alvalade, completou a receita com seis a um. Só me recordo, que também nestes, eram ainda tempos de África.

    Como eram tempos de África as tardes em que o Benfica vinha ao Porto, que não ganhava coisa nenhuma, e levava chapa três, sem nenhum desconto. E o meu velho amigo Rubi, doente, quedava-se a segunda-feira na cama, a caldos de galinha e a chazinhos para a azia. Há coisas que é sempre bom podermos recordar, além da batalha de S. Mamede!

    11 de março de 2005

    Anedota de português

    Chorei a ver a Teresa Guilherme no palco do Tivoli.
    [Miguel Falabella, in TVGuia]

    Pois é cara! Você chora só de ir ver uma sessão curta, de algumas duas horas. Ainda por cima como convidado, sem ter ido para a fila da Abep para comprar bilhete. Como aqueles malucos que montaram guarda à porta, feitos vigilantes, na esperança de um lugar para ver os U2 e a quem, no fim, acabaram a vender bilhetes para a supertaça.

    Agora você imagina nós aqui, portugueses, deste lado do mar. Todos com nomes gozados como José, Manuel, Joaquim. Só disso você vai começar a rir até mijar as calças. Todas as semanas a Teresa a falar de coisas importantes com gente com aspecto de pessoa a frequentar não sei quê dos famosos. Você é um gajo com sorte Miguel Falabella. Você pode ficar no Brasil a rir das anedotas do Lula e dos portugueses. Vir chorar a Lisboa, só de ver a Teresa Guilherme no palco do Tivoli, só se for de remédio. Ou de macumba!

    10 de março de 2005

    Barbitúricos

    O frenesim, a ansiedade e o nervosismo evidentes do autarca de Gaia, candidato a um lugar de chefia na cova da Lapa, não aconselhariam uma cura de sono e a administração da necessária dose de barbitúricos? Não há por aí quem siga as recomendações do Dr. Sampaio e se disponha a prescever-lhe genéricos? Assegurando que, pelo mesmo preço, terá direito a segunda dose e ao aumento das perspectivas de cura? Senão ele ainda acaba com o desemprego e com os custos com o pessoal nas empresas, tudo à conta do aumento dos rendimentos dos trabalhadores. Eu já eu vi, com estes meus olhinhos ligeiramente míopes que a terra há-de comer, este gajo sentado à mesma mesa, no restaurante da Taylor's, com o engenheiro Ludgero Marques. E o engenheiro, que não terá pago o almoço a bem da contenção de custos e do aumento dos lucros, limitou-se a papar o almoço e a não aprender nada? Então não poderia ter junto o últil ao agradável? Ou, por questão de princípio, há normas maquinadas por pediatras que são incompatíveis com a indústra de ferragens? Não seria melhor voltarem a sentar-se à mesa antes do congresso? Vejam lá isso! O restaurante á caro mas tem boas vistas e pode conduzir a resultados que nem na Kapital poderiam ser imaginados.

    9 de março de 2005

    Alegre-se a companha

    Os grandes homens nunca se distinguiram pelos grandes feitos. Bem ao contrário, foi sempre pelas pequenas coisas, minhoquices, questões de pormenor. Carácter ou falta dele, dedicação ou oportunismo, sangue azul ou sangue vermelho, dissolução de guano ou extracto de salsaparrilha.

    O indigitado ministro das finanças, ao que parece um académico ilustre e considerado, terá já afirmado que, a prazo, o aumento dos impostos é inevitável. Os académicos vivem, via de regra, num mundo à parte, que não é este em que vivemos nós, cidadãos de baixa condição, com o despertador a arrancar-nos da cama ainda de madrugada, auferindo menos ou pouco mais do que o salário mínimo, suportando as taxas moderadoras na saúde, levando os filhos pequenos ao infantário, colaborando para o sucesso dos hospitais sa e para os lucros, sempre curtos, do banco do regime. Assim sendo, e como o país lhes está entregue, podemos sempre esperar por grandes projectos, vermo-nos confrontados com esplêndidas teorias e acabar a contabilizar os prejuízos do Centro Cultural de Belém, da Expo 98 e da mais modesta Casa da Música. E, como Pedro Álvares Cabral, fazermos o plano da viagem para a Índia e acabarmos por aportar ao Brasil. Com a desgraça de, à época, apenas haver indígenas porque as mulatas são invenção posterior.

    Em Portugal, para se assegurar que as coisas não funcionarão, começa-se tudo pelo telhado. No caso concreto do quase ministro das finanças não custa admitir que quando decidiu casar, sendo os rendimentos curtos para o orçamento familiar, terá solicitado aumento ao patrão. E terá seguido o mesmo salutar princípio quando entendeu alcatifar a casa, mudar os móveis, substituir os electrodomésticos, arranjar um automóvel que lhe permitisse a viagem até à aldeia com o mínimo de conforto, encomendar os filhos e matriculá-los na escola. Sempre que o patrão negou provimento às suas pretensões, endividou-se utilizando a ilegítima pressão que o sector financeiro faz dia e noite sobre os incautos e desprotegidos cidadãos. A longo prazo, para que a geração dos seus filhos e dos netos dos outros envelheçam a pagar as prestações com o sector financeiro a reclamar da rentabilidade, da insuficiência das margens e do excessivo endividamento das famílias.

    Meio minuto de ponderação - vocábulo que os políticos não usam e cujo significado de todo desconhecem! - tê-los-ia levado a concluir, como La Palisse, que cada um deve viver com aquilo que tem e a não contar com o ovo no cu da galinha. O país que docilmente paga os impostos não é o que vive nas avenidas novas, nem o que adquire mansões na Quinta do Lago, tão pouco o que segue de praia em praia a bordo de um qualquer helicóptero que melhor serviria qualquer vulgar incêndio onde alguns vulgares e dedicados bombeiros vão deixando a vida e cavando a desgraça dos descendentes. Linear é viver-se com o que se tem, sem criatividades contabilísticas - ou receitas extraordinárias, tanto faz! -, sabendo-se que diariamente a política da União Europeia nos remete um prémio do euromilhões, sem que tenhamos feito nada para isso.

    Para além disto, pequena grande atitude da avantesma política que é o Sr. António José Seguro, portador do cartão vitalício de "boy" desde a idade média, é ter recusado o convite do Sr. José Sócrates para se manter como presidente do grupo parlamentar socialista. Porquê? Por claras e incontornáveis razões: o tempo e o modo do convite não foram os mais apropriados. Está visto que o Sr. José Sócrates, talvez ainda pouco dado a estas coisas do protocolo, não deixou que o Sr. Seguro fizesse tranquilamente a digestão do almoço e recuperasse energias à custa de uma retemperadora sesta, uma instituição política nacional, a caminho de se tornar num órgão de soberania. Mais do que isso! Está visto que o terá feito aos berros, julgando-se ainda no deboche da campanha. Ora o Sr. Seguro é uma pessoa de respeito, jovem ainda, mas educado. Frequentou boas escolas, foi de férias à Tailândia, viveu em Estrasburgo. Dizem até que o seu francês é melhor do que o do Dr. Mário Soares e que a Dra. Edite Estrela lho inveja. Não seria melhor que o Sr. Sócrates frequentasse um curso intensivo de etiqueta na quinta da D. Paula Bobone? A bem da digestão e da sesta do Sr. Seguro. O interesse público muito teria a lucrar com isso. E se houver dúvidas sua alteza real, o Sr. D. Duarte Pio etc e tal de Bragança que faça o favor de vir a terreiro para esclarecê-las!

    8 de março de 2005

    Dia da mulher

    Assinala-se hoje o dia internacional da mulher. Hipocritamente. Com a mesma estúpida hipocrisia com que o CDS enviou a fotografia de Freitas do Amaral, pelo correio, do Largo do Caldas para o Largo do Rato. Pretensamente para limpeza da parede e requalificação da história. Espera-se agora que com o mesmo espírito democrata-cristão um jagunço qualquer possa irromper pelas escadas do Largo do Rato e espetar com convicção nacionalista um picador de gelo bem no cocuruto do retrato.

    A ideia da efeméride pertenceu, naturalmente, a um qualquer modesto Mota Soares de outros tempos e de outro continente e, imaginação minha, vejo-o gordo e anafado, sentado no chão, rodeado de mulheres, tipo Gungunhana. Que Mouzinho julgou sempre mais uma curiosidade do que um homem.

    Todos estes dias comemorativos são oportunismos grosseiros, sem sentido, sem coerência e sem nenhuma honestidade. Durante um ano inteiro abatem-se tílias seculares, extinguem-se espécies, transformam-se em cavacas para a fogueira troncos de oliveira com trezentos anos, plantam-se eucaliptos e semeiam-se acácias por terrenos de cultura. Depois celebra-se a árvore, feita em lenha, a mais de vinte contos a tonelada. É como celebrar um dia da galinha, em que se não comessem canjas mesmo que se estivesse doente, se não estrelassem ovos e as não puséssemos a assar no espeto. E depois, nos restantes dias do ano, capássemos os galos, os forçássemos à engorda e os levássemos para a venda na feira dos capões de Freamunde.

    A igualdade, honestamente, não passa nem das intenções nem de um ridículo dia comemorativo. Porque se lhes paga menos, se lhes exige mais, se estabelecem quotas para o exercício de cargos políticos que não são cumpridas - nem penalizadas! -, se lhes dá autorização para viajarem de Elvas a Badajoz. Ou, pior do que isso e como já ouvi esta manhã, se lhes exigia que apresentassem autorização dos maridos se fossem sócias de uma agremiação desportiva de Amares e se quisessem votar, por exemplo, para a eleição da direcção.

    As mulheres começam por ser mais do que nós e só isso lhes daria o direito a reivindicarem a autodeterminação e a independência, como se fossem colónias. Porque razão se entende que devem aceder a acompanhar-nos num qualquer jantar a despropósito, aceitar um perfume adquirido com um cartão de crédito e, de seguida, disporem-se a não reagir ao assédio e prontificar-se a mostrar a cor da lingerie e a abrir-nos as pernas?

    7 de março de 2005

    Se eu pudesse votar

    Se eu tivesse outra mentalidade e visse os partidos políticos como coisas diferentes do grupo do Ali Bábá. Se eu achasse que eles eram mais assim à maneira da quadrilha do Zé do Telhado, que tirava a quem tinha e distribuía por quem não tinha. Se, depois disso, eu simpatizasse com o PSD e metesse um empenho a alguém com alguma influência, talvez pudesse ser militante do partido. Se o fosse e tivesse as quotas em dia, ao contrário do que acontece com a Dra. Manuela Ferreira Leite, e os militantes fossem chamados a eleger o líder. Se tudo isso pudesse simultaneamente acontecer eu, por mim, já tinha candidato que calorosamente apoiaria e a quem daria o meu voto. Até mais do que uma vez se a fiscalização das mesas de voto se distraísse. Eu apoiaria Luís Filipe Menezes, sem hesitações. Primeiro porque é sabedora e sensatamente Luís, como o Delgado. Segundo porque é ambiciosamente um vencedor como o Luís Filipe que comanda o Benfica, que tem no bolso metade do passe do Mantorras e que acolhe o refugo de um ex-serralheiro emigrado no Luxemburgo. Por último porque é Menezes, um apelido que se escreve com zê, uma letra que sempre me foi difícil de desenhar de tão raro uso que lhe dou. Cheguei a frequentar exigentes aulas de caligrafia, que não resultaram. Continuo com a tendência para escrever com esse todas as palavras que têm zê, as pessoas percebem, vamos adiante.

    Os principais argumentos para que eu apoiasse Menezes, mesmo sendo ele um médico pediatra e não tendo eu filhos em idade para lhe solicitar consulta, foram diligentemente enumerados por esta rapaziada pândega que bastante visito e onde mais me cultivo enquanto está vazio o ministério respectivo e ocupado na crónica diária o Dr. Prado Coelho. E senão vejamos: as propostas do Dr. Menezes são sensatas, visam o controlo da dívida pública, alcançarão rapidamente o equilibro orçamental e deixarão o pacto de estabilidade e crescimento para quem não é capaz de governar a sua paróquia.

    Propõe a extinção do Tribunal Constitucional. É o primeiro passo para a extinção do Supremo, das Relações, das primeiras instâncias, dos tribunais de família e de menores. A seguir é atribuir a aplicação da justiça a uma empresa de "out sourcing", aposentar quem, com mais de 40 anos, já pouco possa dar à comunidade e despedir os outros, sem direito a subsídio de desemprego. No fim, num segundo mandato, será de extinguir a justiça ela própria que, como toda a gente sabe, não serve para nada. Tanto assim que, mais do que provarem que houve ou não abuso sexual de crianças da Casa Pia, os juízes se vão ocupando com os levantamentos no multibanco do Sr. Carlos Cruz e com os espectáculos de ópera a que, de fraque, esteve presente o embaixador Jorge Ritto.

    Propõe a extinção da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Então alguém de bom senso sente como necessária uma tal organização? Quando o Sr. Joaquim Oliveira acaba de adquirir a Lusomundo e o Sr. Luís Delgado continua a assegurar a independência da sua prosa nas colunas do Diário de Notícias? Já é mania esta de persistir no gasto vão dos dinheiros públicos, tão necessários à promoção de sermões e procissões para que chova a cântaros, se faça a sementeira da batata e se assegure a graduação equilibrada do vinho alvarinho na próxima colheita.

    Eleições directas do líder, claro está. Uma vez eleito será extinta a assembleia eleitoral, obsoleta e inútil, poupar-se-á em papel para os boletins de voto e em circulares dos adversários a aliciar incautos para o lado errado da verdade. E, como ainda se não esqueceu, a rádio Moscovo não fala verdade.

    Propõe finalmente uma regionalização séria, que não seja sulista, elitista e liberal com epicentro no trajecto entre o Estoril e o Guincho, com paragem no casino e jantar na estalagem do Muxaxo. Uma regionalização que deslocalize - termo moderno este! - Gaia para o Alentejo, rapidamente e em força, numa sadia permuta de experiências com Ourique que já remeteu para norte o polivalente Zé Raul, actualmente dado ao erudito estudo da calçada à portuguesa.

    Apoia a recandidatura do Dr. Rio à Câmara do Porto, a decisão que maiores garantias dá de que o mesmo não será eleito, para bem da cidade e protecção da família, e que ficará definitivamente encostado às boxes das provas automobilísticas de calhambeques que persiste em promover pela avenida da Boavista abaixo, com a cambota partida. E ali ficará, sujeito à restrição de movimentos curtos como se usasse uma pulseira electrónica, até que esteja terminado o túnel de Ceuta, entre em exploração o parque de estacionamento do Castelo do Queijo e se inicie a circulação de eléctricos na Rua 31 de Janeiro.

    6 de março de 2005

    O saneador implacável

    Eu não sei se o país conhece Pedro Mota Soares. Eu não conheço. Ou por outra! Ouvi falar dele durante o dia de hoje, no decurso dos noticiários radiofónicos. Acho de todo imperdoável que o não conheça! Até porque compro jornais, folheio revistas, não dispenso as crónicas da Margarida Rebelo Pinto e sou visita diária do curral dos burros para me manter ao corrente dos últimos e profundos pensamentos do Luís Delgado que o Roncinante trata carinhosamente por Luisinho. Além disso ouço rádio, tendo-me desleixado um pouco com a Rádio Cidade, o que todavia não deve ser importante. Até porque ouço atentamente todos os fóruns da TSF que, como se sabe, repete os temas, os convidados e os participantes de dois em dois dias. Além disso, como no tempo da Mocidade Portuguesa, não tem turmas mistas. É um fórum para homens de barba rija de manhã e outro, para louras, morenas, casadas ou solteiras à tarde. Tenho um contra: não vejo televisão. Primeiro porque já sei de cor e salteado o que dizem a Judite de Sousa e a Fátima Campos Ferreira. Depois porque a única e verdadeira piada que hoje acho ao Herman José é armar-se em fino, a pilotar iates, a ir passar fins de semana ao principado do Mónaco como se fosse a Lili Caneças e a dizer carroçadas como nunca em tempo algum se ouviu na puta da Ribeira.

    Mas soube hoje que Pedro Mota Soares é o único político português - a seguir ao seu demissionário líder que nos enche as medidas com as lições de humildade democrática! - a reclamar a surrealista qualidade de não ser hipócrita e de a acumular com a habilidade inata de fazer embrulhos e de os despachar pelos correios. Enquanto o diabo esfrega um olho, sem consultar o líder porque este não existe, leu o fax que o gabinete do engenheiro Sócras mandou com a constituição do governo, correu à arrecadação a buscar um escadote, empoleirou-se nele e apeou da parede do Caldas o retrato de Freitas do Amaral. Antes que este ou a família dessem por isso, estava feito o embrulho, em papel pardo, amarrado com um vulgar cordel de nylon e colada uma etiqueta com destino ao Largo do Rato. Já que és rato, vai-te, que aqui acabou-se o queijo embora se espere que lá mais para diante possa haver uma bolita de Limiano. Vai-te a ser ministro de estado, dos negócios, dos nacionais ou dos estrangeiros. Entretém-te a escrever biografias do Afonso Henriques que eu, se aqui tivesse o retrato dele, mandava-o direitinho para Castela, com portes a pagar no destino. Escreve peças que actores hipócritas se disponham a representar no Teatro de Trindade. Vai dando aulas de direito administrativo enquanto o pregador de domingo te não faz a cama e a lei te não jubila. Por mim, Mota Soares eu não seja, aqui no Largo do Caldas, estás saneado. Ninguém te conhece, ninguém se lembra de ti, não fazes cá falta nenhuma!

    4 de março de 2005

    E vão dezassete!

    Talvez por ser o XVII governo constitucional aquele que, por mera casualidade foi anunciado à hora dos telejornais, terá 16 ministros e um primeiro-ministro, perfazendo a soma, também casual, de é só fazer as contas. Em menos de duas semanas Sócras consegue reduzir o desemprego em 16 unidades a que se seguirão os ajudantes, adjuntos, chefes de gabinete, assessores, luíses delgados, carlos magnos e quejandos. Atingida a velocidade de cruzeiro os tais 150.000 serão alcançados mesmo antes do CDS aliviar o luto pela perda do pai tirano e escolhido novo ideólogo. O que não falta para aí é rapaziada - e raparigada também, que a discriminação deve ser esbatida! - para ocupar lugares de confiança política. De direcções a subdirecções gerais, institutos públicos, empresas municipais, fundações, empresas públicas, hospitais do Estado sob o cognome de sas, serviços municipalizados e empresas privadas onde se mantem uma coisa esquisita a que chama golden share.

    Além disso, muito justamente, foi melhorada a situação de um respeitado patriarca de Santarém que, há anos, foi directamente requisitado para a arena de S. Bento. Mesmo com o passe, saíam-lhe caras as deslocações e perdia um horror de tempo, que nada aproveitava ao progresso do país, dentro de comboios ronceiros que não cumprem nenhum horário. Jorge Lacão é a garantia deste governo, mesmo sendo apenas ajudante de ministro. Mas há muito merecia a convocação do seleccionador, mesmo que apenas venha a ser utilizado cinco minutos para poder invocar a condição de internacional. Num qualquer desafio amigável contra o Afeganistão!

    Nação valente

    O país passa muito bem sem governo! Desde que se calou a chinfrineira da campanha eleitoral e depois de conhecidos os resultados das legislativas do passado dia 20 de Fevereiro, as ruas perderam a histeria, as cidades parecem ter amadurecido. As quezílias quase que se limitam aos insultos entre condutores e ao atropelo de peões nas passadeiras. A actividade política não se nota, os dirigentes partidários reduziram-se à clausura dos conventos e, de tão amados que eram, ninguém tem saudades deles e não se vê vertida uma lágrima de dor que os lamente. Insistindo em beber vinho, o país parece miraculosamente sóbrio, como se fosse abstémio. Nem se reclama contra as elevadas reformas e indemnizações de que beneficiarão os deputados que, como Almeida Santos e Narana Coissoró, não regressarão a S. Bento. O país sente-se aliviado, embora tarde e a custo elevado, por vê-los pelas costas. Apenas há dois dias atrás os jornais remeteram para uma curta notícia, numa das páginas interiores, os resultados eleitorais das comunidades portuguesas que votaram por correspondência e que, como alguns erros de arbitragem, já não foram a tempo de interferir nos resultados.

    Perturbação menor tem sido alguma moderada agitação no seio do PSD à procura de novo líder que substitua Santana Lopes. A sucessão é, como se sabe, extraordinariamente difícil. E, mesmo não sendo militante, não me tem saído da cabeça a humilde manifestação de Marcelo Caetano quando foi indigitado para suceder a António Salazar dizendo que a nação tinha que se habituar a ser governada por homens normais. Como sabe, não se habituou. A sucessão de Santana é uma coisa parecida, tão trágica como a ocupação espanhola que, para mal dos nossos pecados, não vingou. E tão difícil como a de Salazar, excluindo a castidade, o celibato e as botas de meio cano. Mas, convenhamos, é tarefa árdua encontrar quem tenha tal versatilidade no discurso do disparate e na prática da bojarda. É por isso que se entregam à refrega o médico pediatra, por equívoco presidente de câmara, aliás equivocamente eleito deputado a S. Bento e um advogado de baixo perfil que reclama o estatuto de saca-rolhas em vez do depreciativo epíteto de porta-chaves. Sendo certo que provém de Fafe, a única terra portuguesa onde a justiça funciona em pleno, por métodos expeditos, sem atrasos, sem artifícios dilatórios e sem ardilosos procedimentos que lhe dificultem o processo. Como os que os advogados aprendem nas faculdades para alegar a inocência dos seus clientes e justificar os altos honorários sem recibo.

    O caso político do momento nem sequer é saber se José Sócrates está em Lisboa, na Serra da Estrela ou nos picos da Europa ou no Mosteiro de Singeverga a analisar as respostas recebidas aos anúncios que fez publicar para admissão de ministros, de ajudantes e de adjuntos. Com a taxa de desemprego que se verifica, as respostas foram muitas. E ele tenta, segundo se presume, garantir as primeiras colocações para abater à tal meta de 150.000 que andou a gritar durante três meses. Sendo que os primeiros, serão recebidos pelo presidente da república, em cuja presença assinarão os contratos e receberão as felicitações e os cumprimentos de amigos e familiares que já terão solicitado o empenho para lugares de vigilantes, empregadas de limpeza e cantoneiros. Quanto a coveiros não há vagas, nem para o Alto de S. João, nem para Agramonte.

    O caso político - e até mais humano que político - é o de Santana Lopes que, de repente, sem sentença transitada em julgado, é despejado de S. Bento sem direito sequer a duas assoalhadas num bairro social da câmara, onde possa pernoitar nestas noites de temperaturas abaixo de zero. Não é que ele se preocupe consigo, sempre foi um homem desprendido dos bens materiais, é chapa-ganha, chapa-gasta que, se for à conta do Zé, até não custa nada. Ele, na maior parte das vezes, nem precisa de cama certa: ou não dorme ou dorme onde calha, se lhe oferecerem guarida. A barba de dois dias sempre lhe dá um ar de modelo, mesmo fora de prazo, e o cabelo começa a dispensar a escova e a ser facilmente domado pela acção dos dedos de uma mão.

    Para já, ao que parece, recusa sentar-se em S. Bento. O ordenado é pequeno, a verba para ajudas de custo ainda menor, as viagens ao estrangeiro já não são como eram e os gabinetes são tão exíguos que não lhe dão para receber os filhos, os familiares e os amigos. Muito menos para encomendar uma pizza familiar, com direito a uma garrafa de Coca-Cola de dois litros, e reparti-la pelos convivas, decentemente sentados à volta de uma mesa redonda, sem pé de galo. Ainda mesmo que comendo à mão e lutando pela posse do último pedaço.

    Está mais tentado a dar novo alento ao desenvolvimento da cidade de Lisboa, paralisado com a sua ida para o governo. Mesmo fora de mão, distante e em local de má fama, sempre poderia dispor de uma casita meio rural, com a erva a medrar mesmo até à soleira da porta. A autarquia, sem nenhum favor, sempre fornece um automóvel topo de gama, conduzido por motorista fardado e usando boné que pode levar as crianças à escola e ir buscar as amigas convidadas para a ceia. Além disso pode entregar-se à concepção de grandes projectos. Mais túneis, mais casinos, mais obras de arquitectos de nomeada que Bush não tenha mobilizado para a pacificação do Iraque. Ou que tenha mobilizado mas que, entretanto, tenham terminado a comissão e regressado vivos.

    Esta actualidade política é uma calmaria, está-se bem, o governo não é preciso para nada. O Jorge Perestrelo diria que é disto que o povo dele gosta. O equilíbrio das contas públicas pode até conseguir-se por esta via. Nem sei como é que o Luís Delgado, tão erudito como o Jorge Perestrelo, ainda se não lembrou disto e o escarrapachou nas colunas do Diário de Notícias!

    Requalificação

    Se tudo isto se tivesse passado no Porto o assunto seria muito provavelmente com a Câmara Municipal e o Dr. Rio, como se tivesse alterado a face do mundo, chamar-lhe-ia requalificação. E vangloriar-se-ia por tê-lo conseguido, apesar da oposição desmiolada do engenheiro Gaspar e da abstenção militante do engenheiro Sá. O Francisco fê-lo sem dizer nada e foi-se de novo a isto e não deixou pedra sobre pedra, alterando completamente o aspecto. Que, em minha opinião, está mais atractivo, mais ligeiro e - parabéns! - aceita comentários. Manteve aquela provocação absurda ao Dr. Rio que dá pelo título de Cantinho do Hooligan, mas está bem, é problema dele. Como esta época a periodicidade do canto até tende para a irregularidade! De forma que...

    3 de março de 2005

    Tiro e queda

    Uma em cada seis jovens confessa fazer sexo sem protecção, apesar de 90% delas confirmarem estar bem informadas sobre o assunto. Deixemos de lado aspectos ridiculamente menores como, por exemplo, o dos anticonceptivos custarem dinheiro e poder acontecer não se dispor dele quando se vai para a desbunda. Mais do que isso, cremos, estará o anúncio deste zeloso padre e a sua determinação em recusar a comunhão a quem utilize tais meios de protecção, como ontem foi largamente noticiado. Há, naturalmente, quem não queira correr o risco de perder a hóstia por causa de um bocado de latex que, frequentemente, até acaba roto. Não se podia imaginar é que os resultados fossem visíveis assim, de repente, de um dia para o outro. O anúncio do padre teve, está visto, maior audiência que o Vitória de Setúbal - Braga. Foi tiro e queda!

    2 de março de 2005

    Um padre pouco católico

    Um experiente jurista, ao serviço de Deus Nosso Senhor, licenciado por qualquer seminário menor, com mestrado concluído num seminário maior e doutoramento obtido numa basílica maior do que a da Estrela, enganou-se e envergou o hábito em vez da toga. Confundiu-se a espraiou-se nas alegações finais esquecendo-se dos procedimentos da homilia. Sem sacristão oa lado julgou-se desembargador numa relação qualquer em vez de abade numa paróquia de província. E, como jurista que a magistratura deve aproveitar, recusa-se a dar a comunhão a quem usar métodos contraceptivos. E enuncia-os. Está certo este padre pouco católico. O acto sexual é para fazer filhos, como já dizia o outro coitado que só tinha um. Ah!, mas o D. Afonso Henriques teve um caterva deles. Feitos ao natural, em muitas mães, de todas as maneiras, a todas as horas e nos mais diversos lugares. Nunca padre nenhum lhe recusou a comunhão com que purificava a alma e arremetia contra o mouro ímpio. Que de certeza já usava um preservativo qualquer.

    Pulmões sem fumo

    Sei que o assunto é de ordem pessoal e que ninguém tem nada a ver com ele. Mas deixem-me recordá-lo aqui, publicamente, com aquele orgulho indisfarçável de quem o conseguiu sem nenhum tipo de ajuda externa. Faz hoje precisamente doze anos que, ainda antes das nove da manhã, fumei os meus dois últimos cigarros. No dia anterior tinha fumado, como habitualmente, cerca de três maços, aproximadamente sessenta cigarros.

    Fi-lo sozinho, não impondo regras a ninguém e obrigando-me, desde logo, a conviver com o fumo dos outros. Comecei por contar as horas, os dias, as semanas e os meses. Depois os anos. Desde aí o dia 2 de Março de 1993 passou a ser uma data mítica, uma efeméride que não posso deixar passar em vão. Mesmo aceitando que abandonar o cigarro possa não ser fácil posso assegurar que, afinal, é possível. Não pretendo induzir ninguém a deixar de fumar. Mas, por mais que fumem, quero apenas que saibam que isso é possível.

    1 de março de 2005

    O preço do dever



    Ao regime chamam-lhe democracia: sistema político que faz residir a fonte da soberania no conjunto da população, no povo, sem qualquer discriminação. Isto segundo reza o meu solícito e humilde Dicionário Editora, 6ª. Edição. Ao acto de votar chamam-lhe direito e dever cívico. Direito, como se nos garantissem o emprego estável, a assistência na doença, a educação dos filhos e o futuro deles menos mau do que tem sido o nosso. Dever cívico, como se moralmente nos pesasse a obrigação de irmos à missa, de nos prostrarmos de joelhos perante o bojudo abade e de, respeitosamente, lhe solicitarmos a comunhão.

    Não nos falam, por má fé ou por pudor - que há má fé que também se envergonha! - na Lei 19/2003, de 20 de Junho que trata do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. E, por desinteressante, não se menciona nunca o artigo 5º. da mesma lei que estabelece:

    Subvenção pública para financiamento dos partidos políticos
    1 - A cada partido que haja concorrido a acto eleitoral, ainda que em coligação, e que obtenha representação na Assembleia da República é concedida, nos termos dos números seguintes, uma subvenção anual, desde que a requeira ao Presidente da Assembleia da República.
    2 - A subvenção consiste numa quantia em dinheiro equivalente à fracção 1/135 do salário mínimo mensal nacional por cada voto obtido na mais recente eleição de deputados à Assembleia da República.
    3 - Nos casos de coligação eleitoral, a subvenção devida a cada um dos partidos nela integrados é igual à subvenção que, nos termos do número anterior, corresponder à respectiva coligação eleitoral, distribuída proporcionalmente em função dos deputados eleitos por cada partido, salvo disposição expressa em sentido distinto constante de acordo da coligação.
    4 - A subvenção é paga em duodécimos, por conta de dotações especiais para esse efeito inscritas no orçamento da Assembleia da República.
    5 - A subvenção prevista nos números anteriores é também concedida aos partidos que, tendo concorrido à eleição para a Assembleia da República e não tendo conseguido representação parlamentar, obtenham um número de votos superior a 50000, desde que a requeiram ao Presidente da Assembleia da República.

    Atente-se, a este propósito, no quadro que se insere, relativo às eleições do passado dia 20 de Fevereiro. Repare-se que exercemos o nosso direito, cumprimos o nosso dever cívico e, desde que o partido em que votámos tenha eleito pelo menos um deputado, vamos pagar ainda por cima. Quanto? Ora! A insignificância de 2,78 euros por cada voto, pouco mais de 556 escudos em moeda antiga. O que representa um encargo superior a três milhões de contos, saídos do bolso dos contribuintes, como os nossos governantes tanto gostam de referir quando lhes convém. E, também quando lhes convém, tanto gostam de omitir e até mesmo de escamotear!