24 de julho de 2007

A justiça

A justiça devia ser, aos olhos do cidadão comum, uma coisa simples, linear e transparente que todos pudessem entender e temer como fonte dissuasora pela rapidez e eficácia da sua aplicação. Mas não foi, não é e ninguém tem fundamentos para acreditar que o venha a ser algum dia neste celebrado país de Pacheco. O Luiz, naturalmente!

O cidadão vulgar compreende facilmente que um facínora, homicida confesso de ascendentes e descendentes, seja rápida e severamente condenado e uma pesada pena de prisão. Do mesmo modo que entende que um traficante de droga por atacado vá envelhecendo atrás das grades sem direito a mordomias especiais, a televisor de écran plano e a leitor de DVD topo de gama. Até é possível explicar-lhe que figura é essa que dá pelo nome de corrupção de que tanta gente fala e que dizem existir por terras de África e cercanias do Futungo de Belas. Mas é mais difícil que entenda que a polícia apresente um ladrão em tribunal, o meritíssimo se esmere nas reprimendas e nas lições de moral e o mesmo possa livremente e sem licenciamento voltar à sua actividade profissional na manhã seguinte, usando o esticão ou meios tecnologicamente mais evoluídos.

Mas o mesmo cidadão comum já tem muitas dificuldades em entender muitas outras coisas e não imagina sequer porque razão as secretarias dos tribunais parecem antigos armazéns de papéis velhos e imprestáveis que ninguém reclama e, mais do que isso, que ninguém quer. Do mesmo modo que não enxerga porque motivo um arcaico e ferrugento apito feito em folha da Flandres há-de pomposamente dar pelo nome de apito dourado. E porque é que o senhor Pinto da Costa não afirma com convicção que não teve nada a ver com actos de corrupção eventualmente praticados nuns desafios do Futebol Clube do Porto na Amadora e em Aveiro. E, em vez disso, alega que a Dra Maria José Morgado não tinha poderes para reabrir inquéritos arquivados e que, por isso, reclama a ilegalidade da acção e a sua plena e indiscutível inocência. O que quase pretende significar que se o caso algum dia chegar a julgamento - coisa de que o cidadão comum definitivamente duvida! - os arguidos serão ilibados se o processo não chegar à sala de audiências numa bandeja de prata transportada por um amanuense trajado a preceito, usando farda de cerimónia!

23 de julho de 2007

Benefícios do álcool

Antigamente, com o Dr Salazar, que ainda há pouco tempo ganhou para aí um qualquer "reallity show" sobre o maior português de todos os tempos, tudo era simples, linear e indiscutível: beber vinho era dar de comer a não sei quantos milhões de portugueses, ponto final. O que grosso modo significava que a bebedeira de uns era, sem tirar nem pôr, o pão dos outros. Hoje são precisos especialistas para se pronunciarem contra a publicidade a bebidas alcoólicas no desporto, sem que se saiba se serão especialistas em bebidas alcoólicas, em desporto ou em nutrição. Como se compreende, há especialistas diferentes em áreas distintas e até mesmo não especialistas mas tão só gestores de alto gabarito como usa dizer um amigo meu.

A administração das cervejeiras acha, justa e conscientemente, que o álcool faz bem ao desenvolvimento e até estimula as capacidades intelectuais dos estudantes. Tanto assim que se esgadanham, umas contras as outras, na intenção benemérita de promoveram as queimas das fitas, as bebedeiras de uma semana e os comas alcoólicos. Do mesmo modo que a tabaqueira propagandeia os múltiplos benefícios do tabaco enquanto inscreve dísticos nos maços de tabaco a dizer que ele mata. O senhor secretário de estado do desporto é um homem recto e um homem que acima de tudo respeita a legalidade. E porque é legal nada o preocupa que as selecções nacionais, de futebol ou de berlinde, possam ser promovidas por marcas de cerveja que, entretanto, já promoveram a limpeza da Torre dos Clérigos e estão em vias de promover a recolha do lixo na Porcalhota.

Imagino até, no pragmatismo com que procuro ver as coisas, as simulações à Garrincha de que seria capaz o senhor Simão Sabrosa depois de meia dúzia de cervejas e três pratinhos de caracóis, desde que o caracol não tenha passado a espécie protegida e os pratinhos do dito não tenham entretanto sido alarvemente proíbidos pelo plenário do parlamento. Para que isso se evite, Deus mantenha a Quercus preocupada com outros assuntos, o senhor Carvalho da Silva entretido com as greves gerais e o parlamento justamente no gozo de curtas mas merecidas férias.

Mas mais dia menos dia o parlamento vai aprovar leis, autênticas e justas, a promover o desemprego e a permitir o despedimento com justa causa por motivos religiosos ou políticos como já sabiamente defendeu um qualquer empresário da argamassa. E não repugna que mais cedo ou mais tarde o estado permita, no âmbito de leis a aprovar, que os descendentes possam matar os ascentes, um pouco à semelhança do que o próprio estado faz, de forma velada e apenas ao abrigo das leis do euro que o ministro da saúde muito preza. Tudo a bem da recuperação económica das empresas, da competitividade e do bem estar futuro dos trabalhadores. Nessa altura as cervejeiras poderão promover as funerárias e até mesmo os homicídios, desde que praticados em directo. E desde que uma lei qualquer dê ao acontecimento a honrosa legalidade de que carece!

17 de julho de 2007

A palhaçada

Lisboa está, desde domingo último, muito mais circunscrita à zona de Sete Rios e aos limites, gradeados, do jardim zoológico. Acabaram, para já, as acrobacias de rua, as cambalhotas, os truques de ilusionismo barato, a propaganda, a qualquer preço, sobre os benefícios múltiplos e perenes da banha da cobra. Havia, segundo a contagem do Dr Vasco Pulido Valente, 12 candidatos à presidência da Câmara, qual deles o pior, o mais demagogo, o mais descarado. No final de uma eleição intercalar que acabou por não ter nenhum significado, e como sempre acontece, todos reinvidicaram vitória. Até o Dr Monteiro, subalterno do tesoureiro de qualquer agremiação que promove as danças de salão como via para o desenvolvimento, se afirmou publicamente satisfeito com o seu particular desempenho e com os resultados obtidos.

Desprezando a parte decimal, que não tem para este efeito nenhuma importância significativa, 63 por cento dos lisboetas estiveram-se cagando para os candidatos e para a Câmara e não se deram à vergonha de contribuir para o espectáculo grotesto e ridículo. Mesmo que o tempo não tivesse chamado por aí além para as praias da costa, para o pratinho de caracóis e para a imperial. Estes foram os que actuaram mais ajuizadamente, que manifestaram maior sensatez, que arrecadaram os louros da vitória. Mesmo que o licenciado em engenharia civil Sócrates tivesse discursado das varandas do Hotel Altis para 3 apoiantes de bandeira às costas, apinhando-se a toda a largura da Rua Castilho. E que o celebrado Doutor Vital invoque, de Coimbra e a despropósito, o terramoto de 1755 e a queda de um gigante como lhe parece ser o Dr Marques Mendes.

Os apregoados 30 por cento do Dr Costa, cabeça da lista mais votada no domingo representam apenas 14 por cento do eleitorado e, como se sabe, pecará sempre por excesso devido à desactualização dos cadernos eleitorais e aos mortos que civilmente ainda os enxameiam. E os outros, coitados, representam ainda menos do que isso, incluindo o gozado Dr Monteiro, o indescritível Dr Telmo and "his master" e o advogado biscateiro nestas andanças, Dr Garcia Pereira. Não sou lisboeta e nunca vivi em Lisboa, mas tenho sinceramente dó de quem é e de quem vive. Entregar o governo de uma instituição falida, de más contas e pior conduta, a um qualquer gigantone eleito por meia dúzia de celerados é triste e é dramático. Inconsequente já se sabia que seria sempre!