13 de abril de 2005

A suspeita

Por mim, não tenho medo das palavras: Portugal, viva, é o país da suspeição. E um país onde se suspeita de tudo não se tem a certeza de nada. Ou porque se não consegue ou porque, frequentemente, se não quer. O segundo caso, tirando a excepção, já reformada, do professor Cavaco e a virtuosa vocação do Dr. Portas, é aquele que melhor assenta ao país, o deixa vestido como se tivesse passado pelas mãos do próprio Hugo Boss e se encontrasse pronto para as festividades privadas do segundo casamento do príncipe Carlos. Mas, como sempre, teso como um virote e sem libras no bolso para a prenda do protocolo e a gorjeta pelintra ao taxista.

Sobre uma qualquer Maria, por exemplo, com o mesmo espírito mesquinho e pejorativo, chega a suspeitar-se que é virgem ou que é puta. Do mesmo modo que um qualquer Manuel levanta suspeitas sobre a sua activa virilidade ou sobre a condição mais recatada de paneleiro, por falta de habilitações que o requalifiquem como homossexual. Se uma velha viúva, devota e vestida de negro, à maneira antiga, mesmo que se arrime já a uma bengala que a ajude, vai à confissão todas as semanas, acaba por sair da igreja a rezar o acto de contrição e suspeita de ser amante do padre. Mas se lá for todos os dias, desde logo se suspeita que é beata incorrigível ou ladra que vai à caixa das esmolas. Quanto ao padre, é maricas, porque se lhe não reconhecem outros propósitos ou apetites para tanta fruta.

E porque se suspeita, escuta-se. Em todas as circunstâncias e em todos os lugares, por todas as razões e pela falta delas. Às esquinas, debaixo das janelas, nos amontoados dos autocarros, atrás das portas, na ida para o trabalho e no regresso dele. Nos sanitários públicos e, ao que dizem, no próprio e nobre mijadouro da Praça da Batalha. Quanto ao telefone deve escutar-se com mandado do juiz, pode escutar-se por intermédio da judiciária, e de facto escuta-se como e quando calha, por razões de estado, por qualquer almoço de um fiscal de linha com um roupeiro do Alcabiche Sport Clube ou mesmo por haver suspeita de que haja razões para suspeitar. Se não se entender o raciocínio, clarifique-se a situação: suspeita-se que pura e simplesmente não exista raciocínio nenhum.

Segundo um jornal de hoje - que para mal seu não tem Luís Delgado como colunista, embora se suspeite que seja administrador do grupo a que pertence! - o Sporting e o Benfica foram apanhados em escutas com Valentim. A afirmação, garrafal embora sem álcool, é desde logo equívoca e suspeita, como aliás convém ao jornalista, ao jornal, ao Luís Delgado, não sei se ao Dr. Rui Rio e ao país. Não contribui para a nossa felicidade, mas dá-nos alento e garante o sucesso da Casa da Música. Sem desvios de calendário ou de orçamento, porque o que se ouve e se propaga são nacionalistas suspeições e simples despeito pela superior escolha das competências sucessivas que se têm devotado à causa, a troco de remunerações pouco acima de cinco vezes do que a lei estabelece. Primeiro porque o Sporting e o Benfica são pessoas colectivas, instituições dotadas de personalidade jurídica, escrupulosamente cumpridoras das suas obrigações fiscais, perfeitamente nos conformes com todos os pareceres que o professor Marcelo possa emitir, mas não falam. E quem não fala não é escutado. Eu próprio me gabo - a gabarolice é outro ex-líbris nacional! - de nunca ter levado tampa das colegas a que não ousei pedir namoro, nem por bilhete. Depois Valentim! Valentim é nome que deveria ser banido e estar no índex como Estaline, Lenine, Kubala ou Kamasutra. Valentim é santo, patrono dos namorados, assinala-se a 14 de Fevereiro, não devia misturar-se com apitos, comboios, câmaras, - para que se não suspeite que haja pneus à mistura até estes hoje vêm sem câmara! - falidas fábricas de têxteis e consulados, honorários ou não, de conhecidas democracias africanas. E, no mínimo, é deselegante andar a espiar santos e a ouvir o que dizem. Mesmo que depois se possa avançar com o nome do novo papa, ainda antes de iniciado o conclave.

11 de abril de 2005

O congresso

A felicidade, vão por mim, deprime. E a depressão, como sabem os leigos, os veterinários e o infatigável Vasco Pulido Valente, conduz ao suicídio. Por isso já durante a guerra do Biafra era muito mais elevada a taxa de suicídios na Escandinávia do que na Nigéria. E hoje as coisas assim se mantêm, apesar das reservas de petróleo, da subida permanente das cotações no mercado de Nova Iorque e da liberalização dos preços dos combustíveis neste jardim - salvo seja e sem ofensa para ninguém do Mercado dos Lavradores! - à beira-mar plantado.

Um país feliz é um país que arde em fogo brando, como se cozesse arroz de miúdos de cabrito para levar ao forno de lenha, pintado com açafrão, tem neste mundo mais do que as setenta virgens que o profeta reserva aos mártires, não sabe o que são dificuldades a português ou a matemática, marimba-se para o novo código da estrada e para as coimas ameaçadoras e tão pouco se preocupa já com o silicone que a Elsa Raposo, acidentalmente residente na quinta dos burros, possa ou não ter nas mamas que lhe fogem pelo gargalo.

Um país feliz pensa invariavelmente na morte da bezerra, quer que se lixe a evasão fiscal, pensa organizar uns jogos olímpicos e acredita, por temor a Deus e incomensurável respeito pela classe política, que o túnel de Ceuta há-de ter saída e que, com a seca, as catacumbas do Terreiro do Paço hão-se ser percorridas por um comboio chamado metro, com partida sem atrasos do jardim fronteiro à Câmara de Gondomar.

Este país, e eu com ele, começou um Abril sem águas mil, mesmo considerando aquele fatídico dia um, em que anualmente tanto se empenha na descoberta de uma verdade que faça de mentira. Com a globalização as pessoas esqueceram-se do passado, em Montmartre já se não ouve o Avril au Portugal, o atarefado Boaventura de Sousa Santos corre mundo a dar aulas e a integrar manifestações que façam da felicidade uma coisa tão generalizada como os hamburguers da Mc Donalds.

Apenas este fim de semana o país deu sinais, mesmo lentos e imperceptíveis, de querer mexer-se. A felicidade, ao fim e ao cabo, é como as equipas de futebol: de sítio onde se é feliz não se deve mudar, não se varre o chão, não se espana o pó, não se encomendam requalificações ao arquitecto Siza Vieira. Excepção feita ao Futebol Clube do Porto que, de novo, persistiu na asneira de descer até ao Bessa e de ouvir o que não gosta, em dialecto de Lordelo e da própria boca de Jaime Pacheco.

E tal evento foi, para além do casamento do Príncipe de Gales com a Camila, depois de um noivado que lhes roubou a juventude, a idade adulta e parte da velhice, o congresso do PSD em terras a que Sebastião José deu o nome. Não ganhou um pediatra que prometia creches gratuitas e vitaminas à ganância nos supermercados. Mas ganhou um de Fafe, esgrimindo o típico varapau de marmeleiro.

E desde logo fez saber que o país não era tão feliz que pudesse adormecer sobre a beleza de Inês de Castro e a beatitude da Rainha Santa. Tem prioridades e tais são, depois de devolvido Santana Lopes à pobre Câmara de Lisboa e recambiado o adversário a Vila Nova de Gaia, o referendo sobre a Europa. Não pense o engenheiro Sócrates que vai votar sozinho, ele e a sua pandilha, incluindo ex-comissários europeus e revendedores de combustíveis do Baixo Alentejo.

Já é qualquer coisa para combater a depressão, para fazer de todos nós pessoas simples, com cinco sentidos como tinham os nossos avós e até, ao que parece, o senhor João Semana que uma moita de flores reincarnou em Nicolau Breyner. Agora se o país tivesse alunos a abandonar os estudos antes de concluída a escolaridade obrigatória, se houvesse pessoas no desemprego, filas de espera que, por decreto, não tivessem sido extintas com os hospitais sa, velhos a mais para o comprimento ridículo das pensões! Isso daria que pensar. Mas até um exilado político que à falta de recursos próprios ia comendo da sopa dos pobres, decidiu regressar à Guiné Bissau, recensear-se como eleitor e disputar a presidência a um psicólogo evadido do Júlio de Matos. Aumentando os recursos disponíveis para pagar a redacção da pergunta e imprimi-la em decente papel bond de 100 gramas!

1 de abril de 2005

Pode lá ser?

Socorrendo-me da memória, creio ter ouvido ontem por aí que as organizações e os empresários ligados ao sector do turismo se queixavam da redução do número de turistas no decurso do ano passado. Tentando ser sensato, afastei desde logo quaisquer responsabilidades que o extinto ministério de Telmo Correia ou a secretaria de estado que foi degredada para o sotavento algarvio pudessem ter na questão. Embora superiormente dirigidos, sendo gente capaz como se não cansou de dizer o seu educador-mor, quase não tiveram tempo para adquirir, por ajuste directo, os automóveis de serviço a que tinham direito ou receber das respectivas instituições os cartões de crédito e os correspondentes códigos secretos. Quanto mais influenciar o fluxo turístico que, se assim fosse, apenas poderia ter crescido.

Mesmo assim sendo, porque a César se deve entregar o que é dele e o que pertence ao vizinho, como se César fosse o ministério das finanças, de certeza que também se não pode culpar a gestão do sector. O país pulula de gestores: doutorados, mestres, licenciados ou simples curiosos como o Tino de Rans. Exceptuando a Lili Caneças que, fazendo hoje 61 anos aí pela vigésima vez, figura na comunicação social séria como exercendo a profissão de "colunável". O país tem excesso de quadros, faltam-lhe é empresas que eles possam tornar rentáveis para fazer felizes os respectivos accionistas. Os centros de emprego fazem esperar filas de licenciados desesperados, estendendo-se pelos vãos de escada, aspirando a qualquer lugar compatível, mesmo precário, como entregar pizzas ao domicílio ou fritar batatas nas lojas dos Mc Donald's. Mas não vêem acotovelar-se trolhas e picheleiros, carregando a marmita e a caixa de ferramentas, prontos a dar início às obras que o presidente da câmara sonhou para a Avenida dos Aliados, ajudado pelos honorários dos arquitectos Siza e Moura e pelo degredo dos canteiros de flores algures para a Corticeira.

O que acho é que, definitivamente, são infundados os lamentos e deturpados os indicadores estatísticos em que se apoiam. Porque o ano passado foi o glorioso ano do Euro 2004. Que apenas não ganhámos porque os sacanas dos gregos não souberam reconhecer a subida honra que lhes reservámos, deixando-os jogar duas vezes connosco por meras questões de preservação histórica. Mas quanto ao sucesso do acontecimento nada o pode contestar e o sucesso do engenheiro Belmiro não tem nada a ver com a química que aprendeu na escola mas muito apenas com o ganho que lhe trás a venda dos legumes nas lojas do Continente. Sintetizando, o sucesso apenas se mede pelo lucro, como faz a banca, cuja progressão é modesta, embora na casa dos dois dígitos.

Quanto a isso, a UEFA não se queixou. Os proveitos eram dela, os custos eram do país, de pé ficava um qualquer lugar para o incansável Madail, com deslocações frequentes a Genebra, em lugar de executiva e alojamento em adequado hotel de cinco estrelas. Para o confirmar aí está à mão de semear, de barba aparada e discurso solto, embora trôpego, o mesmo Madail. O Euro trouxe-nos, só ele, 500.000 visitantes, de bolsos ainda cheios, mesmo depois de terem pago os bilhetes a preços que assustariam o próprio José Castelo Branco. Gastaram-no essencialmente em cerveja, alguns compraram garrafas de vinho do Porto, os preservativos distribuíram-lhos gratuitamente, as quecas foram por amor. Mas, não sendo os turistas de pé descalço como os que temia Nandim de Carvalho, semíticos e sovinas, souberam sempre retribuir às parceiras - ou parceiros, que também se cá gasta! - com prendas de valor. O Dr. Madail que já está habituado a falar para as câmaras de televisão, não poderia vir corrigir a notícia? Exemplificando até com a plena utilização a que, mesmo depois do Euro 2004, tem estado sujeito o formoso Estádio do Algarve?