29 de julho de 2005

Explicação

Alguém, seja quem for! Mas que não ocupe nenhum cargo de confiança política, não seja autarca, deputado da Nação, secretário de Estado, ministro, carteiro dos correios ou aprendiz de coveiro no cemitério do Alto de S. João. Pode fazer o favor de me explicar! Sendo eu funcionário público. Pronto! Pertencendo eu aos quadros técnicos da função pública, tendo sido admitido em resultado de concurso em que houve júri e se realizaram provas. Tendo assinado ainda a famosa declaração 2003, com activo repúdio de todas as ideias comunistas ou afins, rejeitando tudo o que pudesse soar a russo, incluindo o caviar, o Nikita Kruschev e a Anna Kournikova. Trabalhando na expectativa de me reformar aos 60 anos de idade, depois de 36 anos de serviço e com a totalidade do vencimento que na altura auferir - inferior a 1.000 euros para não me arriscar a nenhum congelamento que o oportunismo do ministro em funções venha a decretar. Passo a poder reformar-me aos 65 anos, depois de aturar durante 40 anos todas as mudanças inúteis de governo, com 80 por cento daquilo que à época for o meu salário. E a mudança contribui para o progresso do país, o aumento da competitividade, a subida do nível de vida dos portugueses e o aumento do meu índice de bem-estar?

Se assim é, coitados dos presidentes dos conselhos de administração dos bancos, companhias de seguros, empresas de telecomunicações - que são muitas! -, de electricidade - que são outras tantas! Bem têm razões para se queixar da crise que pegou de estaca e já criou raízes, apesar da seca. Certamente que o aumento dos lucros das instituições que dirigem, cerca de dez vezes acima da taxa de inflação registada, compromete o progresso do país, reduz a competitividade, diminui o nível de vida dos portugueses e põe-nos a eles todos à beira do desemprego e à porta da Mitra, com a lata estendida para a sopa dos pobres!

28 de julho de 2005

A filosofia do lixo ou o lixo da filosofia

Em Lisboa, ainda a campanha para as autárquicas de Outubro está longe de começar, e o empenho já desceu ao nível do lixo e do cheiro nauseabundo que o mesmo exala nos dias quentes de Verão. Com a aspersão de um qualquer perfume medíocre importado da China que lhe transmita a fragrância do sovaco e a insinuação de uma filosofia de pacotilha que lhe incorpore cultura. Faltam, para a parte convictamente surrealista, António Maria Lisboa e a sua sensata premissa de que é preciso avisar toda a gente, e para a ironia subtil a palavra escorreita e devastadora de Alexandre O'Neil.

Bem ou mal, Carmona Rodrigues não vem a esta novela. Quanto mais não seja pela sugestão que o nome carrega de velho marechal, trajando à século XIX, convencido de que era Presidente da República e dava posse a António Salazar. Quanto a Manuel Carrilho, fora o cartaz, a Bárbara e o filho. Quis o candidato à vereação lisboeta acompanhar a recolha do lixo da capital, sentado ao lado do motorista de um dos camiões municipais. São lógicas as razões que levaram a não o permitir. São filosóficas as conclusões: o adversário usa para propaganda eleitoral os meios da autarquia. Como no célebre silogismo que me acompanha desde o manual do celerado Bonifácio: a cadeira tem pés, os pés têm unhas, as unhas tocam guitarra. Logo, a cadeira toca guitarra!

Mas a proibição não impediu a apresentação do projecto. Afinal a Câmara alfacinha tem camiões com os pneus carecas, sem direcção assistida, alguns da década de setenta do século passado. A filosofia será, doravante, atribuir a cada condutor um camião adquirido em regime de locação a três anos, com opção de compra. Cada veículo terá pneus novos, direcção assistida, ABS - a bomba sexual, como diz o outro! -, ar condicionado e tracção às quatro rodas. Para além da aparelhagem sonora topo de gama, com certificado de fabrico no Japão. Talvez até vão andar as obras do túnel do Marquês. E ser esvaziadas de água as galerias do Metro no Terreiro do Paço. Desde que não seja para propaganda!

26 de julho de 2005

Aeroporto e TGV

Manuel Pinho é economista, administrador do grupo Espírito Santo e ministro da economia nas horas vagas e por tempo indeterminado. Enquanto a chuva não chover, as papoilas não rebentarem espontaneamente pela planície dourada e a água não chegar, sem restrições, aos campos de golfe do barlavento algarvio.

Como membro inamovível do governo, não tem ideias. Mas faz descobertas. Ontem, dia especialmente favorável, segundo o calendário juliano e as previsões astrais da maga Maya, fez duas. Nada menos. Segundo a primeira, o país está atrasado em relação a Espanha no sector dos transportes. Constatação que, para além de descoberta é também novidade. O país foi-se convencendo de que o atraso apenas abrangia o sector das frutas e legumes - incluindo os tomates - , da indústria dos detergentes e da lixívia e dos serviços oferecidos porta a porta, incluindo a banca e os seguros. E por isso recordará sempre com incontida emoção e uma lágrima furtiva descaindo ao canto do olho, o visionário ministro de pinho. Que descobriu também o atraso dos transportes e a necessidade urgente de um TGV que ligue Sintra ao Rossio e de um aeroporto que permita a descolagem de aviões onde caiba o Alberto João para que este possa vir às reuniões do Conselho de Estado.

A segunda descoberta é a de que o rigor das contas públicas é perfeitamente compatível com a construção de um novo aeroporto na Ota e com o TGV. Da mesma forma que a fome é compatível com a vontade de comer e as taxas de juro do Banco Espírito Santo compatíveis com o preocupante endividamento das famílias. Desde que se acautele o crédito mal parado. O que, mesmo não sendo economista e tirando partido da sua especial vocação para lidar com cifras, já Mário Soares tinha descoberto nos idos de oitenta, sem perda de horas de sono e sem o avisado contributo de uma matilha de assessores. Para tanto basta apenas que se invoque o princípio da arbitrariedade da ordem dos factores, cuja demonstração levou Blaise Pascal para o Olimpo e J. Sebastião e Silva para o cemitério do Alto de S. João.

Apertar o cinto hoje e gastar à tripa-forra amanhã é rigorosamente idêntico a gastar à tripa-forra hoje e a apertar o cinto amanhã. A ordem dos factores é, naturalmente, arbitrária! Como cantava o outro, este país há-de cumprir seu ideal… há-de transformar-se num imenso Portugal!

Terrorismo

Jean Charles de Menezes, brasileiro, legalmente residente no Reino Unido, foi há dias assassinado, numa estação de metro, com oito tiros disparados por um zeloso agente à paisana das polícias de sua majestade, com comando em Downing Street, 10. Tudo sem lhe perguntarem nome, idade, filiação ou preferência clubista, segundo o velho princípio das democracias inspiradas em Benito Mussolini, de disparar primeiro e perguntar depois.

Sorte do anónimo e invisível terrorismo contra quem, segundo se diz, o afoito agente julgava disparar. Se, por acidente, tem estado no lugar do brasileiro tinha acabado ali, de borco, transformado em crivo, num lago de sangue e o problema de George Bush estaria resolvido como já de há muito está o do Afeganistão. Onde actualmente uma sólida democracia parlamentar, funcionando segundo as mais apuradas regras do tio Sam e onde o governo nunca é derrubado por duas dezenas de trogloditas com o estatuto de deputados e a mentalidade de australopitecos.

Mais rápido do que a luz o choroso governo de sua majestade enviou o primeiro-ministro para uma estância balnear grega e o ministro dos negócios estrangeiros bater à porta do palácio do planalto, trajando de gala e com um barbante ao pescoço como Egas Moniz, a apresentar desculpas. Lá para o interior a pobre família do Jean Charles aguarda que as desculpas o possam ressuscitar ao terceiro dia e pensam que o mesmo devia ser parecido com o terrorismo pra caramba. Se não tivesse sido isso, não o tinham confundido e crivado de balas!

24 de julho de 2005

A renovação

Então é assim! Estava o Dr. Soares tranquilamente ressonando no aconchego do seu lar, a cabeça brilhante pousada na doçura do carinhoso regaço da sua Maria de Jesus. Enquanto isso o Joãozito entretinha-se a desenhar nas tábuas do soalho caricaturas do Dr. Seara e da D. Judite de Suza e a Isabelita ia penteando uma moderna Barbie toda made in China, a menos de dez euros nas lojas dos ditos cujos, sem passagem pela zona franca da Madeira.

Quando a notícia chegou sem ser sequer por intermédio do porta-voz do Conselho de Ministros, depois de uma reunião extraordinária e espontânea como sempre foram as manifestações de apoio ao Dr. Salazar e de repúdio pelas ideias comunistas e subversivas da Lei 2003. O engenheiro Sócras, depois de 120 dias de engenharia governativa, dez conselhos de ministros, trinta e cinco reuniões com assessores, mil e duzentas nomeações de lugares de confiança política, tinha tido uma ideia para o País.

E tal ideia era reformá-lo. Nem aos cinquenta, tão pouco aos sessenta, menos ainda aos sessenta e cinco anos de idade. O país não é como os professores do ensino primário que se reformam no concelho de Ourém como presidentes de câmara, governadores civis e deputados. Um país reforma-se de alto a baixo, de norte a sul ou de Melgaço a Vila Real de Santo António, renovando-se como o comité central do Partido Comunista. Pondo no expositor o peixe com o sangue na guelra como a petinga, acabado de pescar, saído da rede como se saísse do parto.

Quando o Dr. Soares, em acordando deste doce torpor em que sempre trouxe a vida, tinha planeado preparar a sua viagem de turista sénior! Vem a ideia do engenheiro a arranjar-lhe ocupação para lhe compor a magra pensão que numa legislatura há-de chegar ao salário mínimo. Mas se o País de facto precisa de sangue novo, faça-se a transfusão. Mesmo contra a vontade do Dr. Pulido Valente, ontem à tarde convertido às testemunhas de Jeová, ao liberalismo e às qualidades do Sr. José Peseiro como o treinador ideal para o sucesso do Dr. Dias da Cunha. O Dr. Almeida Santos lá terá também que descer de Lagoaça. A contribuir para a renovação do parlamento e para a requalificação do Rossio e do Largo de Santos. Ah! E da Pedreira dos Húngaros.

20 de julho de 2005

Mercado do Bolhão

Depois de um mandato cinzento, apesar do "dream team", da Avenida dos Aliados e das corridas de calhambeques, o Dr. Rio assume-se finalmente como um decisor e não como um vulgar manga de alpaca, incumbido das funções de guarda-livros, com inscrição na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas. E com isso deu um passo importante a caminho da celebridade e um salto com vara na subida ao Olimpo. Em três dias despejou os comerciantes do Mercado do Bolhão, ameaçou iniciar obras de restauro dentro de um ano, estimou os respectivos custos em 15 milhões de euros, afirmou que a Câmara não tinha dinheiro para as mandar fazer e que, por isso, as mesmas passariam para o âmbito da SRU, mais conhecida por Porto Vivo que, apesar de tudo, continua morto.

No despejo dos comerciantes foi mais expedito do que a Polícia Municipal na vigilância das ruas e até mesmo do que aquele célebre pistoleiro dos bonecos que era mais rápido no disparo do que a própria sombra. Foi além disso magnânimo e previdente, salientando que, mais que a cidade e as suas freguesias, todo o país deveria ter aprendido com o desastre de Entre-os-Rios. Previdente e calculista disse querer evitar idêntica tragédia. Especialmente agora, que a chuva é farta e que o telhado do lado sul poderia não resistir à passagem de uma qualquer camioneta de passageiros, alugada para uma excursão à Quinta do Covelo. Cuidou do decente alojamento dos despejados, autorizando-os benemeritamente a ocuparem os vãos de escada, a sombra dos candeeiros de iluminação pública ou a amontoarem-se no lado norte, como prisioneiros árabes no campo de Guantanamo.

Justificou a brevidade do despejo com a urgência do início das obras, agora que o Metro do Porto tem quase consumada meia demolição. E revelou que as mesmas deverão ter início dentro de um ano. Um seu vereador, que sonha vir a ser presidente e ostentar ao pescoço a concha de escanção, à proporção da ambição, anunciou que por ele se iniciarão dentro de seis meses e estarão prontas ainda antes disso.

Disse que o custo das obras se estimava em 15 milhões de euros. Que é apenas uma cifra, assim a modos do somatório dos jackpots do euromilhões: a gente nem imagina quanto é que aquilo é, mas sabe que pode sempre crescer ao ritmo da capacidade política de quem dirige. E contra o conteúdo das contas de merceeiro que, na condição de guarda-livros, manda depositar abusivamente nas caixas de correio dos portuenses, revelou que a Câmara não tinha dinheiro para essas obras. O que não é novidade para ninguém: a autarquia estava falida mesmo que pintada de rosa, continua falida mesmo que esborratada de cor de laranja, com um traço a vermelho na esquina que dá para os Fenianos.

Não havendo dinheiro, as obras de restauro passarão para a Porto Vivo cujos capitais, se os houver, são pertença de investidores privados, apenas obedecendo à tutela liberal da economia e do engenheiro Ludgero Marques, como se sabe. De forma que já se imagina o engenheiro Belmiro de Azevedo a vender batatas nas freguesias da Senhora da Hora e de Santa Marinha e a promover o realojamento de comerciantes da freguesia de Santo Ildefonso num renovado Mercado do Bolhão. E a disponibilidade do senhor Salvador Caetano, apesar da idade, para receber alguns a que não calhe banca, na freguesia de Avintes. Onde mandará que lhes sirvam broa, da autêntica, com uma caneca de verde tinto a acompanhar.

Espera-se é que o Dr. Rio, por passagem compulsiva à situação de reforma, não volte a terreiro acompanhado do seu "dream team" que não consegue concretizar um lance livre e muito menos transformar um lançamento de três pontos. E que não venha depois com as suas ideias elitistas de apenas permitir que ali se comercializem galináceos depenados na Isabel Queirós do Vale e portadores de diplomas emitidos pela Faculdade de Economia.

11 de julho de 2005

Diferenças

O engenheiro do Cafaco ganhava bem, fizera poupanças, a banana vendia-se a bom preço, meio mundo mascava cana de açúcar. Tinha uma paixão por corridas de automóveis o engenheiro. Comprou um Lótus Elan, seduzido pelas proezas de um tal de Néné Neves que arrasava tempos e miúdas sempre que completava uma volta ou parava nas boxes a reabastecer. Arranjou um mecânico velho, magro e sabedor de mecânica e de corridas. Ambos viajaram para terras do Maiombe, ao encontro da glória num circuito de Cabinda.

A meio dos treinos livres o engenheiro encostou às boxes pela décima quinta vez. Queixou-se! Ó Pereira isto não dá mais e depois tenho de travar muito, as ruas estão cheias de árvores e de candeeiros. Achas que não dá mesmo para melhorar a afinação? Senhor engenheiro está feito o melhor que pode ser feito, deixe-me dar uma volta a ver se descubro mais alguma coisa que possa melhorar-lhe os tempos e garantir-lhe um lugar na primeira fila da grelha de partida.

A mesa de cronometragem abanou, os seus elementos levaram as mãos à cabeça. Então não queriam lá ver o engenheiro a andar mais depressa, menos quinze segundos por volta, uma, duas, três vezes. Afinal era o mecânico. Velho, magro e sabedor. De mecânica e de condução de automóveis. Lá diz o velho ditado: não vá o sapateiro além da chinela.

Agora o rescaldo das bombas terroristas de Londres. Fleumáticos, os súbditos de sua majestade contiveram-se. Resguardaram-se, protegeram a privacidade de mortos, feridos, suspeitos e famílias. Foram trabalhando sem espavento e divulgando resultados com moderação. Coisa do terceiro mundo, os órgãos de comunicação social selaram um acordo de cavalheiros e de bom senso. Recataram-se, venderam menos, viram reduzir-se as publicações dos anúncios dos detergentes. O grupo Espírito Santo ainda não anuncia por aquelas bandas, ou anuncia pouco.

Ontem, na querida RTP - do Dr. Almerindo e do serviço público! - era notícia o facto de ter passado pela cabeça de um aprendiz de condutor de fórmula 1, durante a volta de aquecimento em Silverstone, que pudesse haver novo atentado quando a grelha estivesse recomposta para a partida, mesmo antes da abertura dos semáforos. Podia, ao menos, ter-lhe passado melhor coisa pela cabeça, mas cada celebridade é para o que nasce e ponto final. Lá diz o mesmo velho ditado: não vá o sapateiro além da chinela.

Diferenças!

8 de julho de 2005

Candidato oferece-se

Para Vereação, Assembleia Municipal ou mesmo Junta de Freguesia. Com habilitações, ambição e ganância para ocupar os cargos de presidente, membro efectivo ou até mesmo suplente. Sem militância partidária mas perfeitamente disponível para se filiar em qualquer força política, seja quem for o militante proponente, ou para manter o estatuto de independente como os deputados eleitos para a Assembleia da República e os ministros de tendência maoísta que integram o governo do engenheiro Sócrates. Rápido de mãos e de pés, mesmo quando a prudência aconselha que se pire da polícia, sem prejuízo do rigor do gesto e do alcance dos objectivos e dos objectos. Detentor de dois bacharelatos, três licenciaturas, dois mestrados, um doutoramento e um apartamento com quatro assoalhadas no complexo habitacional da Cooperativa O Problema da Habitação, com empréstimo a quarenta anos e juros bonificados, isento de contribuição autárquica e outros impostos e taxas. Portador de certidão emitida pela Dra. Manuela Leite, assegurando não ser devedor ao fisco por falta de rendimentos que o justifiquem.

Conhecedor profundo do país e do estrangeiro, incluindo a praia do Guincho, os apeadeiros da estação de São Bento a Miramar, as aldeias histórias de Portugal - incluindo Monsanto e a obra do Dr. Fernando Namora -, Tui e Cidade Rodrigo. Antigo frequentador de parques de campismo, hóspede habitual de hotéis de três estrelas em regime de meia pensão, frequentador de termas e convicto apreciador de lampreia à bordalesa nos meses em cujo nome figura a letra erre, por tradição republicana e herança maçónica. Com vocação inata para hospedagem em hotéis de cinco estrelas, incluindo os da Rua Castilho frente aos quais se celebram vitórias e curtem as amarguras de inesperadas derrotas. Possuidor ainda de um certificado de frequência das praias de Varadero e de uma fotografia tirada frente à Bodeguita del Médio, fumando um puro havano e segurando uma garrafa de rhum de primeira qualidade, no decurso de um seminário que não foi de médicos e que aquele ex-empregado da Bayer não denunciou à polícia.

Disposto a fazer campanha por qualquer freguesia do concelho de Monção em qualquer estância de veraneio do sotavento algarvio, podendo eventualmente atravessar o Guadiana a salto e instalar-se, sob anonimato, em Huelva ou na Isla Cristina, só ou acompanhado sendo que, no último caso, se reserva o direito de escolher a companhia, mesmo que pela análise de fotografias tipo passe, tiradas há menos de cinco anos, mesmo em máquinas instântaneas. Condições irrecusáveis, limitando-se as suas exigências ao simples fornecimento de cama, mesa e roupa lavada. Não prescinde, todavia, do mês de dispensa e da respectiva remuneração que, em cumprimento da lei - legal e indiscutivelmente justa! -, a entidade patronal está obrigada a atribuir-lhe. A bem do interesse nacional, da preservação das espécies animais e vegetais em vias de extinção e da devolução das corridas à portuguesa à Praça de touros do Campo Pequeno e às noites das quintas-feiras, com transmissão directa na RTP de serviço público. Desde que os touros abandonem os curros com uma bolinha vermelha enfiada nos cornos como acontecia com aquele filme do pato não sei com quê e da garganta imunda que deu no Capitólio e no Sá da Bandeira.

7 de julho de 2005

O contexto da cueca

Há dias, em mais um assomo de etílica sensatez, o vitalício régulo das terras de Zarco, Teixeira e Perestrelo, afirmou publicamente não querer a reserva invadida por indianos e chineses e apenas permitir a entrada temporária de pretos desde que sejam portadores de visto válido e se apresentem habilitados com a carteira profissional de jogadores de bola e praticantes de batuque. Absorvido com os problemas do défice, o aumento parcimonioso dos funcionários públicos e a insuficiência das pensões de que beneficiam os mais necessitados ministros, o governo da república - como usam chamar-lhe - não se apercebeu da ocorrência. Mesmo assim, e embora atordoados, alguns dos membros das associações de moradores da Quinta da Atalaia e da Almirante Reis, reagiram às informações e manifestaram-se chocados e ofendidos.

Também parcimonioso, veio a terreiro o vice-chefe da tribo solidarizar-se com o grande Descabeçado Burricoide, num discurso circular sem tentativas de quadratura, lamentado o boicote a Cuba, a curta duração dos discursos de El Comandante e o seu incontestável desapego ao poder. E referir que as afirmações deviam ser interpretadas no respectivo contexto, com o régulo em cuecas de algodão, de cor branco encardido e com aberturas atrás e à frente, para facilitar a libertação de gases e o arejamento do grilo, enquanto ensaiava para o corso do próximo carnaval.

Magoado ficou o embaixador da China que, para desagravo, enviou no primeiro barco saído das Berlengas uma garrafa de saquê, com fita azul no gargalo e respeitosos cumprimentos num cartão de canto dobrado segundo o protocolo e o gosto da governanta. Rendeu-se sua insolência ao gesto diplomático e ao sabor acre e forte do desconhecido tipo de jeropiga. E assim sendo prontificou-se a recebê-lo na sua própria palhota, a permitir fotografias para os jornais de Oeiras e Gondomar e a aceitar o desinteressado patrocínio da festa anual do chão não sei de onde, expresso em nada menos que seis caixas de 12 garrafas cada uma.

Na calha fica a assinatura do protocolo que permitirá a comercialização do líquido desentupidor em conjunto com os sifões para lavatórios e sanitas, sendo o assunto cometido à competência de um conselho de lavradores sem mercado, de que será presidente, tesoureiro e relator um qualquer ramos que tenha rebentado nos penhascos do Pico do Arieiro e resistido à devastação dos maxilares das cabras do monte.