9 de setembro de 2025

Minha Mãe, dezoito anos

Pois, podia ser assim, mas não é. A dor e o sofrimento não têm convenções nem obedecem a regras. Não fazem ideia do que seja o código civil nem do que estabelece. Esta imensa dor que me deixaste já me ficou assim: enorme e de maioridade. E apesar disso não deixou de crescer a cada dia, a cada momento, como se pudesse ser sempre maior, sem nada que a limite ou a impeça de crescer. De forma que não tem nenhum sentido especial o facto de hoje se cumprirem dezoito anos. Não representa maioridade nenhuma. A maioridade vem do primeiro dia e persegue-se em cada dia seguinte, sem nunca se atingir. E assim vai continuar, enquanto eu souber contá-los.

Na manhã fina de Setembro ainda se desmontam os enfeites da Festa Grande e se recolhe o engelhado colorido do papel de seda esvoaçando ao vento. Para que ainda possa servir para o ano que vem. Só há velhos no recinto da igreja cujo restauro minga à falta de vontades e de recursos. E apesar disso não há ninguém que se reconheça à sombra dos carvalhos onde repousam andares carregados de bolos e de notas de cem escudos. Nem o azul deslumbrante do olhar da gata atravessa o adro e enche a nave cheia da igreja. A freguesia não tem pároco e as chaves da igreja repousam na algibeira do sacristão ou das zeladoras que renovam as flores naturais que adornam o altar. Já ninguém vem ao teu encontro, já ninguém sabe quem eu sou. Nem sei se a fotografia do teu abraço repousa ainda na cozinha da gata, ao lado do forno onde se cozem os bolos. Mas na minha memória tudo continua nítido como se fosse ontem.