18 de outubro de 2023

Minha Mãe nasceu há 112 anos

Minha Mãe nasceu na quarta-feira, 18 de Outubro de 1911, faz hoje 112 anos. A república tinha sido implantada há um ano, à heroica semelhança do que sempre tem acontecido no país: por mera casualidade. Meia dúzia de revoltosos partilhavam algures a força de fogo de quatro espingardas e o fumo de uma ponta de charuto e a um deles fugiu o dedo indicador para o gatilho. O estampido desceu a avenida, atravessou a solidez da baixa pombalina, foi morrer no Tejo logo a seguir ao Terreiro do Paço. O estrondo fez explodir o voo doido dos pombos e assustou a sonolenta letargia das tropas reais, que debandaram. Os revoltosos inquiriram-se: que fazemos agora? Acabamos o charuto ou proclamamos a república? O mais sensato orientou: acabamos de fumar que o Relvas (nessa altura ainda o Relvas não militava na JSD nem chegara a ministro) há de anunciar a república.

Sua majestade sereníssima el rei D. Manuel II foi aconselhado a recolher-se a Mafra e a aí pernoitar, enquanto se aprimorava o protocolo da partida para o exílio. Teve uma noite agitada, pelo sono intranquilo e pelo voo dos morcegos, e no dia seguinte foi embarcar à Ericeira, com destino ao estrangeiro. Haveria de voltar ao convívio da real família muito mais tarde, depois de morto, reunindo-se a ela em São Vicente de Fora, superiormente autorizado pelo republicano dos sete costados que foi o doutor Salazar.

E no dia de nascimento de minha mãe, há 112 anos, reuniu-se em sessão extraordinária a Câmara dos Deputados sob a presidência do senhor José Tristão Paes de Figueiredo, que abriu a sessão às 2 horas e 30 minutos da tarde, tendo como secretários os senhores Baltasar de Almeida Teixeira e Tiago Moreira Salles, com a presença de 121 senhores deputados. Seria fastidioso enumerar presentes e faltosos, saliente-se apenas que entre os presentes se contavam os senhores Afonso Augusto da Costa e Amílcar da Silva Ramada Curto e entre os faltosos os senhores Alexandre Braga e Manuel Alegre sendo que este último, em boa verdade, eu nunca julguei capaz de tão grande precocidade e não pensaria, à altura, sequer pelas esconsas ruas da cidade de Argel.

Discutia a Câmara a criação de tribunais especiais para julgar os conspiradores que, como se depreende, conspiravam contra os benefícios da república, invocando alguns que lhes assistia a condição de espoliados pelo usurpador senhor D. Miguel. Apesar de, por sorte, este os não ter incluído entre os supliciados da Praça Nova em 1829.

Porque venho com esta história? Apenas porque a não sabia e, por isso, nunca a contei a minha Mãe. Apenas para que ela soubesse que, afinal, o dia do seu nascimento não tinha paralisado nem a república nem o país. Sempre houve, apesar dele, outras coisas menores, como a sessão da Câmara.

5 de outubro de 2023

Cinco de Outubro

Há 880 anos, pelo Tratado de Zamora, Afonso VII, de Leão e Castela reconhecia a existência de Portugal como país independente. Hoje, imperturbável no seu leito de Santa Criz de Coimbra, Afonso Henriques continua por exumar e não convocou celebrações. Há 113 anos, depois de uma última noite agitada no Palácio Nacional de Mafra, o rei D. Manuel II, largava da Ericeira para o exílio no Reino Unido e era proclamada a república a partir da varanda dos Paços do Concelho, em Lisboa. Hoje D. Manuel II repousa no panteão da dinastia de Bragança, em São Vicente de Fora, onde foi sepultado com a devida autorização do poder republicano. Não consta que tenha interrompido o repouso e saído à rua para celebrar até ao Martim Moniz.

Hoje, na Praça do Município, alinharam-se cadeiras para acomodarem as nádegas dos convidados (e convidadas) de honra e estendeu-se-lhes por cima uma larga cobertura que protegesse da inclemência do sol todas as importantes e frágeis moleirinhas. Trajando de gala a charanga tocou o hino nacional e sua excelência o Presidente da República, ladeado pelas mais altas individualidades, içou a bandeira nacional, envergando um ar solene e um fato de bom corte e de melhor fazenda. O povo, - pouco, discreto e amarelecido pela avitaminose – foi convenientemente mantido à distância, ao poder de barreiras e de forças de segurança, usando uniformes militares. Houve discursos, mais insuflados que inflamados, sempre em nome e em proveito de quem, convenientemente, se mantem à distância, por meras questões de higiene e de contágio. Pediu-se a descida dos impostos e a liberalização do alojamento local e o país será em breve um alinhamento de pensões e de prósperos proprietários, felizes como a alta sociedade que frequenta os salões do principado do Mónaco.

Não consta que tenha estado presente o herdeiro do usurpador senhor D. Miguel, aquele mesmo que na Praça Nova, no Porto, mandou que se enforcassem alguns pouco avisados cidadãos, em 7 de Maio e 9 de Outubro de 1829.