Carta de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel I sobre o achamento do Brasil
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E assim seguimos nosso
caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa,
que foram 21 dias de Abril, estando da dita ilha obra de seiscentas e sessenta
ou seiscentas e setenta léguas, segundo os pilotos diziam, topámos alguns
sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os
mareantes chamam botelho, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E
quarte-feira seguinte (22 de Abril), pela manhã topámos aves a que chamam
fura-buxos.
Neste dia, a horas de
véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente de um grande monte, mui alto e
redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes
arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome – o MONTE PASCOAL – e à terra – a TERRA
DA VERA CRUZ.
Mandou lançar o prumo.
Acharam vinte e cinco braças, e, ao sol-posto, obra de seis léguas de terra,
surgimos âncoras, em dezanove braças – ancoragem limpa. Ali permanecemos toda
aquela noite. E à quinta-feira (23 de Abril), pela manhã, fizemos vela e
seguimos direitos à terra, indo os navios pequenos diante, por dezassete,
dezasseis, quinze, catorze, treze, doze, dez e nove braças, até meia légua de
terra, onde todos lançámos âncoras em frente à boca de um rio. E chegaríamos a
esta ancoragem às dez horas pouco mais ou menos.
Então lançámos fora os batéis
e esquifes; e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do capitão-mor;
onde falaram entre si. E o capitão-mor
mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele
começou a ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quandio aos
três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou
vinte homens.
Eram pardos, todos nus, sem
coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com as
suas setas. Vinham todos rijamente sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez
sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.
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[Excerto da edição da Parque
Expo 98, SA, de 1997. O original desta carta, uma preciosidade de valor incalculável,
é propriedade do estado português e encontra-se à guarda da Torre do Tombo.]