Angola, 50 anos
Angola celebra hoje, 11 de Novembro, cinquenta anos de independência. Uma independência tardia e atribulada. Tardia, desde logo, por culpa do país colonizador e, depois, da sua própria indefinição. Do país colonizador por força do estado novo e do seu dirigente máximo, o doutor António de Oliveira Salazar, cujo espírito mesquinho e curta visão não foi capaz de compreender os ventos da história que começaram a soprar com o termo da segunda guerra mundial. Da sua própria indefinição porque o 4 de Fevereiro de 1961 foi uma ação isolada, sem retaguarda e sem nenhuma organização que, de facto, a pudesse suportar. E o 15 de Março foi outro acto desencadeado noutra região, por gente diferente, que não deixava antever nenhuma luta organizada para além da chacina de populações brancas e angolanas de etnia umbundo.
Depois Portugal e o 25 de Abril de 1974 que, após quase cinquenta anos, apanhou no exílio, completamente desprevenidos, os opositores ao regime que se apressaram a regressar ao país e a ocupar o seu lugar na fila de espera de acesso às cadeiras do poder. De forma desordenada e desorganizada, exceptuando o pragmático PCP e o seu secretário-geral, doutor Álvaro Cunhal. Os militares, por si, que nunca pensaram que o regime pudesse cair com tamanha facilidade, não tinham nem preparação nem vocação política, viram-se com o país nos braços sem fazer a mínima ideia de como lhe calar a boca e acalmar os excessos. O fim da guerra colonial era um propósito a prazo, que protegesse a sua juventude da mobilização para as paragens de África, sem se ter a ideia de como e quando isso poderia ser feito.
Os movimentos de libertação
das diversas colónias foram apanhados tão desprevenidos como os opositores ao
regime, mas aproveitaram a oportunidade para pressionar as impreparadas
autoridades portuguesas no sentido de reconhecerem o direito das colónias à
autodeterminação e à independência. Todas as independências foram
apressadamente agendadas para o ano de 1975, culminando com a de Angola, a 11
de Novembro. Em Angola, com o mesmo propósito e génese completamente distinta,
havia três movimentos que combatiam o domínio português e se guerreavam entre
si. Foi possível reuni-los à mesma mesa, para os acordos do Alvor, uma peça
irrealista, abstrata e digna de um capítulo próprio nas peripécias de Astérix
pela lusitânia. E tanto assim foi que, num ápice, o compromisso foi descartado,
o governo de transição foi eliminado e os movimentos se lançaram numa guerra
aberta perante a complacência e a passividade das autoridades portuguesas que,
inclusivamente, deixaram ao abandono os colonos e as populações que pretenderam
optar pela cidadania do país colonizador.
A 11 de Novembro de 1975
foram proclamadas três independências, em locais distintos, uma por cada
movimento. Em Luanda, ao que consta sem a presença das autoridades portuguesas,
o doutor Agostinho Neto proclamou a independência da República Popular de
Angola sem que, sequer, Portugal a tivesse reconhecido de imediato. A jovem nação
começou a ser inundada por um inimaginável arsenal bélico, de proveniência
soviética ou sua aliada e por forças cubanas que ainda chegaram a tempo de
suster as forças que marchavam sobre Luanda, quer a norte, quer a sul. Esta
guerra fratricida, sempre à revelia e em nome do povo angolano, durou mais do
que o dobro do tempo que durara a guerra de libertação e consumiu recursos,
quer humanos, quer materiais que nunca se imaginara ser possível reunir. E
acabou da única forma que se sabia ser possível, pela morte do líder de uma das
partes e pelo aniquilamento militar do respetivo movimento.
Foi isto há mais de vinte
anos e, desde aí, Angola é um país único e indivisível, de Cabinda ao Cunene,
ignorado que seja o tratado de Simulambuco e as pretensões separatistas do
enclave além do rio Zaire. Engenheiro de formação, José Eduardo dos Santos foi
cognominado de arquiteto da paz, como se a paz pudesse ser um simples condomínio
fechado em pleno Maiombe, no Soio, nas lagoas do Panguila, no planalto central
do Huambo ou nas vastas terras do fim do mundo. Angola era antes e continua a
ser um país imensamente rico em recursos naturais, que nem sequer interessa
enumerar. A sua população, que em 1975 era inferior a seis, suplanta hoje os
trinta milhões. Se à produção de petróleo fosse retirado um dólar, só um, por
barril, não haveria em Angola quem morresse à fome, quem não tivesse abrigo,
quem carecesse de assistência. E os que enriqueceram muito, os que são muito
ricos, continuariam a ser exactamente isso: muito ricos.
E isso sim, isso faria de
todos os governantes, de todos os dirigentes, de todos os responsáveis, de
todas as zungueiras, verdadeiros arquitetos da paz e do desenvolvimento. É esse
percurso que vos desejo a todos, quando celebrais os primeiros cinquenta anos
de independência. Parabéns Angola, em meu nome e do meu sempre amigo José
Sapalo, que já me faltava há cinquenta anos. E que nunca ouviu falar dipanda.


