O
pouco que sei aprendi-o com minha Mãe, tudo o que não sei aprendi sozinho. Aos
oito anos eu só sabia que aquela era a primeira margem do rio, mas não sabia
que o rio tinha mil quilómetros. Não sabia onde era a sua nascente. Mas sabia
que iria desaguar no mar, sem saber onde era o mar ou, se calhar, também ainda
não sabia. Sabia que o rio tinha uma jangada para o atravessar, que os homens,
à força de varas compridas e de braços faziam encostar a um pequeno cais onde
esperava uma camioneta Internacional K-11. Pôr a camioneta a bordo era uma
tarefa de homens de ciência, demorava uma eternidade, até que minha Mãe me
chamasse para o almoço. Para, talvez, me dar peixe frito e salada para comer e
quinino para tomar, por causa do paludismo.
Logo
depois de almoço a camioneta estava a bordo com precisão milimétrica, metade
dos homens orientando de um lado, a outra metade orientando do outro, mais um
bocadinho para a esquerda, menos um bocadinho para a direita, em frente
devagarinho, para, em frente, volta a parar, isso. A cantilena muito lenta,
muito arrastada, da qual, finalmente, sobressaía a voz poderosa de tenor: alto!
Os homens subiam também todos a bordo, pegavam nas varas compridas, de pés
descalços, os peitos negros exibindo o poder dos músculos e o preto da pele. Desamarravam
as cordas grossas que prendiam a jangada aos troncos de árvore enterrados na
terra seca. A jangada balançava suavemente ao sabor da corrente, parecia
ameaçar ir rio abaixo, os homens fincavam as varas ao fundo do rio, o coro do
esforço enchia o ar: huuuuumm. O balanço sustinha-se, a jangada contrariava a corrente,
arrastava-se uma mão-travessa a subir o rio. A monotonia do coro durava uma
hora, primeiro subindo o rio alguns cem metros, ao longo da margem. Depois empurrando
a jangada para o outro lado, de uma outra margem tão distante que não existia,
depois aproveitando e controlando a corrente para chegar ao destino.
Nesta
primeira margem, com um pequeno resto de tábua, eu escavava a terra húmida sob
a sombra larga das mangueiras. Cada punhado de terra trazia duas ou três
minhocas contorcendo-se, tentando libertar-se da luz que lhes cegava os olhos
que não viam. Eu aprontava o anzol na ponta de um fio com dois metros, preso a
uma cana mal aparada de outros dois. Cravava-lhe na ponta a primeira minhoca,
que se contorcia sempre, sem ai nem ui, esperneando, calada. Atirava o anzol ao
rio e a rolha ficava a boiar, à superfície, acompanhando lentamente a corrente
do rio e o movimento da jangada a meio dele. A meio do rio os homens
continuavam com o seu esforço e o seu coro, arrastando a jangada e a cantiga,
de troncos nus rebrilhando ao sol. Eu fixava o olhar no sol e na distância,
preso à margem, à sombra das mangueiras, seguindo a rolha que flutuava e a
jangada que carregava a camioneta. E começava a divisar um grande girassol que
emergia no fundo do horizonte, ereto e poderoso, de tronco largo e folhas muito
verdes, com uma corola tão brilhante e amarela como o sol escaldante do meio-dia.
Era o sonho que se abria à volta do sol. Durante cinquenta anos o girassol cresceria
sem rega e sem cuidados, fortalecendo-se nesta primeira margem do rio. O rio
era o Kwanza, farto, largo, imenso e forte, grande de mil quilómetros, arrastando-se
lentamente a caminho de Nossa Senhora da Muxima. Saravá!