Dezassete anos, minha Mãe
Minha Mãe, há dezassete anos que te não falo. Todas as palavras perderam o sentido, tornaram-se inúteis por completo, não servem para mais nada. Já não há brisa que as agite ou onda que as estenda na areia fina, quando o Verão se esfuma nos primeiros dias de Setembro. Apesar disso estou mais próximo de ti a cada instante que passa, quase ao dobrar da esquina, quase a bater-te à porta.
Ambos
sabemos, desde sempre e cada vez melhor, que o nosso destino é comum, sem
precisar de gestos ou de palavras. O fim, como o princípio, é o teu regaço, o
teu sorriso fácil, a tua humildade excessiva, a tua determinação com lágrimas
sentidas nos olhos. A primeira imagem que retenho de ti, criança que não foste,
de vestidito de chita, por carreiros, serra acima, correndo atrás das mulheres
que te levaram à Cova da Iria pela primeira vez. À época um sítio sem jeito
nenhum, só montes e pedras, algumas azinheiras, charcos com água da chuva e um
mar de gente no descampado. À procura não se sabia bem de quê.
Depois, muito mais tarde, a praia do Pedrogão, com o largo areal ali, à nossa frente, emoldurando aquele mar imenso, sem fim à vista. E o brilho traquina e feliz no fundo dos teus olhos cansados pelos anos. Com a sorte que é voltarmos a um sítio onde fomos felizes e onde pensámos que não teríamos oportunidade de voltar. Hoje vou contigo, pela tua mão, criança como tu, por carreiros, serra acima. E estou aqui contigo, debruçado sobre o areal, vendo o mar e a praia já deserta de Setembro. Não precisamos de palavras. Volto ao teu regaço.