
Este país nasceu por equívoco, não foi um nado-morto mas pouco faltou para isso. E acabou sendo um aborto por vontade de Afonso Henriques e por falta de legislação que impedisse a prática do acto nas clínicas de Badajoz e nas residências das parteiras adjacentes à zona do Intendente. Tanto assim que o futuro está assegurado pela integração na comatosa União Europeia, pela integração de forças militares na libertação do Iraque - ainda se não ouviu que o país participe na actual ocupação daquela terra! - e pelo sucesso indiscutível e sustentado das agências funerárias de que Durão Barroso há-de vir a ser ainda eficiente gestor. E cliente!
O país tem uma queda natural por quanto é tétrico, macabro e inútil. O povo troca, embora por breves minutos, a novela educativa da TVI pelo filme de suspense da licenciatura de José Sócrates. Despreza a utilidade da queca e até a facilidade como jovens actores, consumindo ou não alucinogéneos, descobrem amizades coloridas, participam em sessões múltiplas de sexo e reciprocamente partilham e permutam pares de chifres e actos de traição. O país chega ao orgasmo colectivo se puder espreitar pelo buraco da fechadura e verificar a cor das cuecas da D. Cinha Jardim ou, mais depressa ainda, se confirmar que a ilustre tia da linha, ecologicamente, nem sequer as usa.
Não admira que assim sendo o país se empenhe no aumento da produtividade, na promoção da morte e no convívio, saudável e frutuoso, entre vivos e mortos. Desde logo nos corredores dos hospitais SA, unidades exemplares de que o ministro da saúde vem sendo eficiente mestre escola, sem necessidade de avaliação. Empoleirados em macas, cobertos por panos encardidos que terão sido lençóis, os mortos são sempre conduzidos por vivos ao longo dos corredores, cruzam-se com vivos que vão ocupar as camas que deixaram vagas, ao preço promocional de 5 euros por noite em regime de alojamento e pequeno almoço e algumas vezes, mesmo àsucapa, reviram os olhos numa saudação amistosa, informal e derradeira.
As agências funerárias têm a mesma rentabilidade que a Associação Nacional de Farmácias, mesmo sem o Dr. Cordeiro e sem o negócio dos genéricos. E dispõem de serviços comerciais e de marketing que promovem a excelência dos seus serviços entre mortos, semi-mortos, vivos e funcionários administrativos dos hospitais. Esgrimem argumentos, enunciam vantagens, estabelecem planos de preços como a Portugal Telecome oferecem facilidades de pagamento e tarifas vais vantajosas para quem, previdentemente, celebrar o contrato de prestação de serviços com prudente antecedência. Propõem-se enterrar mais depressa, mais perto, mais fundo, utilizar limousinas como para os casamentos e dar formação profissional contínua, on the job, aos seus gatos-pingados. Utilizar flores naturais importadas da Holanda, sem o menor indício da presença de químicos ou da libertinagem das praças de Amesterdão. Usar carretas motorizadas e silenciosas, movidas a electricidade para benefício da EDP, e espalhar carpideiras profissionais, importadas dos países africanos de expressão portuguesa, ao longo dos arruamentos ladeados de ciprestes. E cobrir a urna - vulgarmente conhecida por sobretudo de pinho, de carvalho ou de cerejeira, conforme as posses do falecido! - com a bandeira da sua associação, do seu bairro, do seu clube ou até mesmo do seu país. Como já fez o senhor Scolari há poucos anos atrás!