Democracias
Segundo os seus próprios dirigentes, os partidos políticos são os suportes fundamentais daquilo a que os mesmos chamam democracia. Ao cidadão comum, que neste âmbito se denominará eleitor, competirá no dia da eleição incorporar-se no rebanho que se desloca às mesas de voto a depositar um papel numa caixa a que pretenciosamente chamam urna. E, com isso, contribuir para a eleição de um vogal de uma junta de freguesia, dos deputados ou do próprio presidente da república. Esse voto é disputado violentamente pelos membros dos mesmos partidos políticos, utilizando os mais ínvios e falsos argumentos. Desde promessas que nunca houve a intenção de cumprir, à oferta de sacos para o transporte das compras domésticas ou de esferográficas baratas que nunca escreveram ou escreverão.Os eleitos serão oficialmente designados por representantes do rebanho e o tipo de democracia por representativa. E terão à sua frente um mandato de alguns anos em que viverão à custa do orçamento, viajarão à custa do orçamento, utilizarão automóveis topo de gama à custa do orçamento e farão almoçaradas ainda à custa do orçamento. O eleitor, o zé que foi na conversa e vendeu o seu voto a troco de uma febra no pão e de um copo de cerveja, será reduzido à sua verdadeira dimensão até às eleições seguintes. E será pura e simplesmente ignorado e esquecido, até que voltará a ser despudoradamente assediado com promessas de casamento, prémios do euromilhões e milhares de empregos estáveis e bem remunerados.
Os representantes dos partidos nunca se entendem entre si, facto que leva o zé a acreditar que de facto isso acontece porque eles têm ideias diferentes para o radioso futuro do país e dos seus habitantes. O que é inteiramente falso porque o que caracteriza os políticos é a circunstância rasteira de nunca terem ideias que extravasem do seu círculo pessoal de interesses. Aí são pródigos e perfilham as ideias mais mirabolantes e inimagináveis para atingirem os seus objectivos.
Como aconteceu agora, em que todos os partidos com assento parlamentar, por consenso, se reuniram à porta fechada - certamente por causa das correntes de ar e da ameaça da gripe suína - e acordaram em tempo-recorde em alterar a lei de financiamento dos partidos políticos, aumentando em mais de 55 vezes o actual tecto das contribuições a receber em dinheiro. Mais do que isso, a maioria dos artigos foi aprovada por unanimidade, com os Drs Louçã e Portas a cumprimentarem-se efusivamente ao som das palmas, tipo assistência do concurso o preço certo, dos deputados Jerónimo de Sousa, Paulo Rangel e Alberto Martins. O Dr Vital Moreira, por razões de força maior, apenas aplaudirá hoje!

A gestão por objectivos é, provavelmente, a expressão mais vezes invocada pelos gestores, sejam estes diplomados pelas universidades ou pelos estaleiros das grandes obras de betão. Mesmo os leigos e os ministros, como o Pino-Lino, por exemplo, já a ouviram e a ela se converteram sem resistência e sem condições. O ministro ainda há dias justificava, como só os gestores são capazes de justificar, o grande objectivo das obras que, ao que parece, vão ser realizadas na estrada nacional 125 que atravessa o Allgarve do também ministro Pinho-Linho. E, à falta de ouvintes, mesmo recrutados a garrafões de 5 litros, perguntava-se a si próprio se seria melhor deixar às gerações futuras uma estrada degradada e cheia de buracos ou uma estrada nova, sem curvas e sem irregularidades. Lamentavelmente, mas numa exemplar gestão por objectivos, não referiu sequer que as gerações futuras se irão confrontar também com o pagamento das obras, das comissões e de um ou outro enriquecimento ilícito que naturalmente tenha ocorrido.
Em vésperas de completar 35 anos de idade o 25 de Abril deveria estar na pujança da vida. Ser adulto, ter-se feito responsável, adquirido uma consciência colectiva e solidária, ser respeitado e lembrado por aquilo que de facto deveria representar. Nada disso acontece, o 25 de Abril agoniza nos estertores da morte e não há perspectivas de regresso do seu profundo estado de coma. O 24 de Abril está mais vivo do que ele, inaugura benfeitorias, celebra Salazar, faz a apologia da xenofobia, insurge-se contra a promoção a coronel de Otelo e manifesta-se nas paredes de forma tranquila e impune.
Os autodenominados representantes do povo parece terem aprovado ontem uma proposta de lei do Bloco de Esquerda sobre o enriquecimento ilícito. E, no Parlamento, quem aprova seja o que for é a ditadura que a maioria absoluta de um partido representa. O mesmo que, ainda não há muito tempo, recusara as ideias do seu militante e deputado João Cravinho sobre o assunto.
A crise, como se sabe, acentuou o trabalho precário. Com recibos verdes e contratos a prazo. As filas nascem pela madrugada às portas dos centros de emprego. À espera da esmola, diariamente chorada, do governo Sócrates. E à porta das instituições que vão distribuindo uma lata de caldo, um pouco mais para o meio da manhã.