Coisas do pitrol
O acto mais relevante do passado fim-de-semana foi, sem nenhuma dúvida, a final da Taça de Portugal em futebol. A malta não é, por cá, informada sobre aquilo a que pretensiosamente chamam constituição europeia e limitou-se a ignorar que, em França, se realizava um referendo que se não adivinha a que ponto poderá contribuir para a nossa felicidade. E mesmo a final da Taça não foi um manancial de surpresas como o maldito do défice. Nem a grande penalidade com que o árbitro iniciou o encontro, nem a forma como o camisola dez, do Benfica, a marcou. Nem sequer o Bentley tipo utilitário em que se desloca o Simão Sabrosa ou o facto, simpático, do Vitória de Setúbal ter contrariado favoritismos, virado o resultado e carregado o troféu para a Avenida Luísa Todi. Numa homenagem à passada geração em que, pelos idos de sessenta, militaram os negros José Maria e Jacinto João.A única surpresa que a final da Taça de Portugal trouxe ao país do futebol foi a nomeação de Fernando Gomes para administrador da Galp. Fernando Gomes é, como se sabe, detentor de um extenso currículo em que é, graças a Deus, ex quase tudo. Além disso tem uma licenciatura em economia e supõe-se que terá feito a famigerada Contabilidade Analítica sob a orientação do malogrado professor Baganha que, para isso, o terá obrigado a saber cálculo integral. Depois sabe de petróleo desde o tempo em que este se vendia ao quartilho e se usava nos candeeiros de iluminação doméstica. Muito antes das pesquisas que Raul Solnado realizou no Beato e das que o próprio promoveu na pedreira da Trindade, no Largo do Infante ou na Praça de Carlos Alberto.
Isso mesmo, colaborante e solícito, veio o próprio esclarecer. Lembrando a sua condição de economista e revelando a sua qualidade de professor catedrático da Universidade Lusíada, coisa que o vulgar e ignorante jogador de sueca do jardim de S. Lázaro liminarmente desconhecia. Além disso soube de petróleo em Estrasburgo, visitou as pesquisas em curso no Terreiro do Paço, sabe da vantagem dos preços em Tui por força da frequência das deslocações a Vigo e à Corunha, para a visita ao tio-avô Iribarne e para a mariscada. De exclusiva confiança política são os cargos de directores gerais que, por isso mesmo, nada sabem do assunto e são o primeiro grande pedregulho nesta completa desengrenagem. Os administradores são profissionais capazes e competentes e quem os nomeia não atende aos clubes de preferência. Como neste caso, em que o Dr. Gomes, derrotado nas últimas autárquicas por um Rui Rio que ainda mantém a boca escancarada de espanto, não é um boy para um job. É apenas um job. Tout court!

O défice varreu a actualidade dos últimos dias com a mesma eficácia com que o senhor Emídio Rangel vendia detergentes importados de Espanha e inquilinos para o Palácio de Belém. Em boa verdade o défice é uma - porventura a única! - descoberta dos economistas e uma criação incompetente da classe política. Agora, hoje, num Conselho de Ministros extraordinário que todavia manterá as comunicações ao país à hora dos telejornais, o mesmo défice prepara-se para fazer esquecer o penalti do Simão Sabrosa, o eloquente discurso de vitória de Luís Filipe Vieira e as históricas comemorações que benfiquistas e portistas conjuntamente promoveram na noite de domingo passado, na Praça Nova das Hortas.
Perdoe-se-me o plágio que, espero, se fique pelo título. Mas não resisto. Ainda na edição de ontem da revista Visão o fedorento Ricardo Araújo Pereira, numa das suas mais desconseguidas crónicas, reclamava para Manuel Acácio, da TSF, o prémio Nobel da Paz. E já hoje este, por obras e actos, declinava a honraria e se auto-propunha para prémio mais modesto, sem nome ou designação que me ocorra.
Em Portugal é de uso, inútil e politicamente correcto, nomear comissões de inquérito e ameaçar com auditorias. As comissões de inquérito são a capa por detrás da qual se escondem todas as responsabilidades e das quais, por mais ilustres e qualificadas, absolutamente nenhuns resultados se esperam. E, para que não sejam defraudadas as expectativas do cidadão, é exactamente isso que se verifica: não se divulgam relatórios para que se não assuma publicamente o ridículo de não haver nem responsabilidades nem resultados. De permeio sempre os seus membros vão contando com algumas deslocações pelo país, refeições ditas de trabalho em bons restaurantes, pernoitas em hotéis de cinco estrelas e ajudas de custo para ajuda dos charutos e da mesada dos filhos. Tanto assim que, gorada a possibilidade de se ser ministro ou secretário de estado, muito licenciado em qualquer coisa se perfila na esperança de ser nomeado para uma comissão de inquérito.
Apesar disso a senhora prestou nos últimos anos dois inestimáveis serviços ao país. Primeiro quando num congresso de um partido cujo nome se me varreu asseverou que Paulo Portas era adversário que não conseguiria ganhar sequer ao rato Mickey. Afirmação que, em termos de futuro, acaba de assumir a natureza premonitória de uma maldição. Tão grande que os próprios jornais noticiam que as capacidades do presidente Bush e do seu ajudante Duck Rumsfeld se esgotam, ultimamente, a condecorar bonecos animados que, na Patolândia, tenham sido ministros e comprado sucata em forma de corveta. Depois quando há dias revelou, num cochicho, que à míngua de lugares a Santa Casa alojava idosos em estabelecimentos que funcionam, normalmente, sem alvará. Como aliás e sem espanto funciona a grande maioria das coisas neste país. Que, por si, não funciona de maneira nenhuma.
Num acto a todos os títulos meritório, desmiolado e inútil assinala-se hoje o dia da cortesia ao volante. Da iniciativa de uma associação de cidadãos auto-qualquer-coisa que enaltece as vantagens do amor platónico e a eficácia contraceptiva dos métodos naturais, a começar pela abstinência.
Ouvi esta manhã, mais sarcástico do que incrédulo, o habitual respigo que a rádio faz daquilo que os jornais elegem como notícia ou tema promotor das vendas. De memória, que não é famosa, creio ter entendido que um herege que preside aos destinos do Brasil, cujo nome não combina propriamente com as condecorações e a farda oficial - e se dúvidas houver limitem-se a aguardar que a Lili Caneças termine a sua reforma agrária, que ela já esclarece! - teria recusado o apoio de 48 milhões de dólares a conceder pelos Estados Unidos do Bush para o combate à sida que, por lá, se chama hivs em tradução literal.
A cidade é serena como o povo. 