Há gente para tudo
Há dias foi noticiado o facto de forças iranianas terem aprisionado uma patrulha de 15 marinheiros ingleses, alegadamente por esta estar em águas territorias daquela república islâmica. Responderam os súbditos de sua majestade e aios do Sr. Tony Blair que não, que a alegação era falsa porque a sua patrulha se movimentava ainda em águas do canal da Mancha. Ripostaram os iranianos dizendo que não, que os ingleses navegavam já entre dois decímetros a vinte centímetros para lá da linha de pesca que define a fronteira. Mas, mais do que isso, sabe-se que a força aprisionada, num total de 15 elementos, era composta por 14 homens e por uma mulher. E fica por se saber o que fariam tantos homens no meio de uma só mulher, mesmo armada até aos dentes, tanto mais que esta, segundo o rigor das agências noticiosas, é casada e mãe de uma menina com 3 anos de idade.Ontem, ao que parece, a televisão iraniana mostrou ao mundo o grupo prisioneiro, enquanto este se alimentava substancialmente, com uma ementa dietética, que excluia a carne de porco e as bebidas alcoólicas que, como se sabe, se não podem consumir no Reino Unido em qualquer local e a qualquer hora. A mulher foi já mostrada quando saboreava a bica e fumava o seu cigarro e foi dizendo que estavam todos bem, sem fome, bem tratados, e que apenas tinham sido convidados pelas autoridades iranianas a passar uma semana de férias, à semelhança do que o Sr. George Bush tem feito relativamente a uma série de turistas com poucos recursos que, voluntariamente e por convite, gozam das delícias das Caraíbas nas praias de Guantanamo.
Ao que parece ainda, para que isto se assemelhe em tudo ao jornalismo de investigação, os orgãos de comunicação do Reino Unido propagaram que os iranianos tinham exibido uma mãe inglesa perante as câmaras de televisão, mascarada de marinheira por detrás de um fato militar, usando capacete, máscara, granadas e arma automática como se fosse o Rambo, com uma fotografia da sua filha de 3 anos a pender-lhe de um dos bolsos do camuflado e o poema de Fernando Pessoa a escorrer-lhe da memória. Contrariamente ao que qualquer analfabeto possa pensar - por melhor que os analfabetos pensem, como se sabe! - a excelsa mãe limitava-se a amamentar a filha num ambiente apenas um pouco mais animado do que os verdes campos de golfe dos reinos de sua majestade!

Confesso que não acompanhei o programa televisivo e sobre o assunto estou, naturalmente, mais virgem e intacto que o Dr Pulido Valente e a sua prosa dos fins de semana. Mas, mesmo assim, devo reconhecer que o mesmo teve o excepcional mérito de permitir a convalescença da D. Maria Elisa em pleno estúdio, frente ao desconforto das câmaras e dos projectores, em vez de a obrigar, coitada, a conseguir a nomeação de adida na embaixada em Londres e de se esfalfar diariamente a ver as novidadese e a fazer compras no Harrods para minimizar os efeitos da esquisita doença de que padece.
Parece que o Dr. Cavaco dá hoje, algures e à nossa custa, um jantar comemorativo dos 50 anos da assinatura do tratado de Roma. E os noticiários de ontem salientavam o facto do Dr. Soares se não ir sentar à mesa dos convivas, apenas por não ter sido convidado. De forma exemplar e original a própria União Europeia vem celebrando, sem bolos e sem velas de aniversário, o cinquentenário de um cadáver adiado, a ser formalmente devorado por 27 vermes, com mais uma série deles espreitando a sua vez, dos balcãs ao estreito do Bósforo.

Este fim de semana reconciliou-me, definitivamente, com os Drs. Ribeiro e Castro e Paulo Portas e, ainda, com o CDS-PP, com os partidos políticos, a Assembleia da República, a União Nacional, o Dr Pacheco Pereira e o grande educador da classe operária. E também com a memória do Doutor Salazar e com a intenção meritória de lhe erigir uma estátua, dedicar um museu e consagrar uma adega em terras do Dão.