Olha Joaquim, quando
escreves “Ano comum” deixas-me o calendário vazio de tempo. Como se não
houvesse nem semanas nem meses e eu ficasse sozinho de todo, para sempre. Resta-me
apenas um às vezes derradeiro dia de Fevereiro, soltando-se de uma memória doce
e remota, libertando-se-me do peito curvado, como um frágil sopro de vida. E
todos os anos se me enchem os olhos de um raio de sol, redondo e bissexto de
espera. Vagueio por aí, sem rumo nem destino, à procura do espaço que sobre das
palavras que pintaste pelos dias todos, um a um. Mas não venço nem o primeiro
lanço de escadas, nem tenho corrimão a que me apoie ou patamar onde descanse
para a frescura lívida da manhã. E fica o poema adiado!

Porque cada linha que
escreves é um rio que salta das páginas de um livro e que preenche toda a
hidrografia da paisagem. Sem me deixar margens onde possam crescer os choupos,
à sombra dos quais, com persistência, eu espreite a luz. E aguarde pela
floração do verso que suba pelos troncos e se ramifique por todos os ramos da
copa. Que haja pássaros que ali construam os ninhos, onde nasça mais vida a
cada primavera que chegue. Correndo pelo verde dos campos e erguendo-se com a
corola vermelha das papoilas, esvoaçando ao vento que sopra de levante.