Coisas estranhas
Em termos de política partidária, em Portugal, acha-se tudo estranho e extemporâneo. Nunca nada se considera normal, vê-se a maquinação maquiavélica por detrás de tudo, dão-se largas a histórias da carochinha a que falta o requinte das ilustrações feitas à mão. Além disso nunca nada acontece no momento certo ou adequado. Todas as oportunidades são manipuladas na procura de inconfessáveis vantagens, os relógios são culpados pelos atrasos e pelos adiantamentos, é-se preso por ter cão e por não ter. Desde logo basta que existam cães, uma espécie de que se deveria propor a extinção por decreto.O suspeito A foi inquirido no âmbito do processo da Casa Pia? Então foi-o com evidentes propósitos políticos. Porque se aprestava para anunciar o seu apoio a um candidato a uma ignota junta de freguesia, porque a ex-mulher desempenhava o cargo de assessora no ministério X, porque o filho era tesoureiro de uma secção da juventude qualquer coisa e, ainda por cima, namorava com a filha do inimigo. Com quem, por razões éticas, ainda não partilhara a cama e o chuveiro.
O suspeito B esteve na Polícia Judiciária a prestar declarações para o processo do apito oxidado? Não se aceita que isso tenha acontecido quando o presidente do clube Y tinha intenções de pagar a primeira prestação da dívida à segurança social. Muito menos quanto estava quase acordado o segundo encontro do ano a disputar no estádio do Algarve, entre funcionários das autarquias de Faro e de Loulé. E ainda menos, dois dias depois de o avião que transportava Rui Costa e a respectiva família ter tido forçado a aterrar de "barriga" no regresso de umas curtas e merecidas férias no ancestral vale do Nilo.
O suspeito C foi inquirido no âmbito de um vultuoso processo de contrabando de tabaco? Porquê? Sabendo-se que nem sequer é fumador, que desde sempre foi temente a Deus, que vai regularmente à missa e nunca se recusou a contribuir generosamente para as festas da freguesia. Tendo-se verificado que as embalagens de tabaco não dissimulavam cocaína, ecstasy ou mesmo aves ou animais de origem tropical e que já prometera apoiar o sim no referendo sobre a dita constituição europeia, se esta vier a existir e aquele a realizar-se.
Hoje, se é assim, a concelhia do PSD de um sítio qualquer, algures a sul, entre Lisboa e Cascais, - e não digo mais para que a incerteza persista! - achou estranho que tivessem sido visitadas instalações da autarquia e a residência do anterior presidente da câmara. Certamente com mandado judicial, estranhando-se também os motivos que terão levado um qualquer ignorado magistrado a assinar o papel. Que procuravam em qualquer dos locais, especialmente depois de sua excelência ter ontem assistido ao empate na Eslováquia, jantado em família e passado o resto da noite a ver um filme de Clint Eastwood? Por acaso suspeitam que são de contrabando os charutos que fuma, a única coisa cubana que até hoje suportou, para além de uma passadora da equipa de voleibol feminino que, todavia, era excessivamente alta no seu metro e oitenta? Ainda por cima antes de sua excelência ter completado a sua cuidadosa higiene matinal, envergado o seu habitual roupão de veludo cor de laranja e tomado lugar à mesa do pequeno-almoço, bebericando café com leite e mastigando algumas torradas feitas com pão do dia anterior. Sabendo-se que amanhã é sexta-feira e a seguir sábado. E o domingo é dito de pascoela?

Em primeiro lugar tais reuniões formalizam o indiscriminado emprego de "boys and girls", sendo que aqui a terminologia é propriedade do engenheiro Guterres, o político português mais viajado de todos, logo a seguir a Mário Soares. A situação tende a ser cada vez mais vulgar depois de 1974 e faltava apenas a ponta final de pouca vergonha que lhe desse a forma de contrato. De facto ninguém, em Portugal, procura competência. Ou, como dizia o outro, ninguém procura trabalho, mesmo que toda a gente vá insistentemente procurando emprego.
Bem, como prometido, eis-nos de regresso. Comecemos por agradecer àqueles que por aqui passaram e sorriram e àqueles que, mais do que isso, nos deixaram as amêndoas da visita. Sobra-nos em preguiça deste inverno extemporâneo e serôdio o que nos falta em vontade, determinação e força anímica que, seguramente, Gabriel Alves recomenda à nossa selecção de futebol para vencer a Eslováquia.
Como se fosse para a antiga tradição do compasso de província fazemos aqui, a partir de hoje, um curto interregno. As festividades são de natureza religiosa mas não é isso que nos para. Travam-nos os dias seguidos para descanso, para matar saudades de familiares ausentes e para rever lugares que fomos deixando perdidos pelas trapalhadas da vida.
Por muito que o tempo aperte e o chamado "stress" ameace, a gente sempre vai dando umas voltas por aí. Por mim não tenho sítios de peregrinação fixa, salvo as frequentes idas a Fátima, por pessoais e diferentes razões.
Pudessem todas as coisas ser assim e o país estava salvo. Bem escusava o engenheiro Sócras de mandar os seus ministros percorrê-lo de lés a lés, utilizando estradas florestais, carreiros e atalhos. Munidos de longas fitas métricas adquiridas em lojas de chineses, a medir a pobreza e a idade das pessoas, propondo a estas o alongamento da esperança matemática de vida, de forma a que se não finem antes dos 80 para que no próximo ano possam receber o óbolo e ouvir o pároco proclamar do púlpito abaixo que a freguesia já não tem pobres. Nessa altura certamente que o governo, com a colaboração do Instituto Nacional de Estatística e a assessoria dos serviços de informática do Ministério da Educação, mandará até que se estabeleça uma lista ordenada a que os intelectuais chamam "ranking" e que muito contribuirá para a felicidade colectiva, para o aumento dos índices de natalidade e para o pleno emprego dos professores.
A auditoria é uma actividade mais antiga e mais velha do que o presidente da Câmara de Vila do Conde, apesar da homogénea calvície deste. Tendo-se globalizado muito antes de Mário de Almeida, espalhou-se por diferentes lugares com uma única finalidade: dar credibilidade à informação que as organizações transmitem para o exterior. Foi e é fundamental nas empresas, em defesa dos interesses de accionistas, devedores, credores, Estado e empregados. Como o é em relação a serviços públicos autónomos, que assumem hoje a dimensão de grandes empresas: no investimento que promovem, nas despesas que suportam, nos proveitos que arrecadam e no emprego que sustentam.
Do alto da sua já muito idosa sabedoria a minha mãe continua a dizer que as cadelas apressadas têm os filhos cegos. Nunca achei tanta piada e tão certa afirmação em nenhum outro provérbio ou adivinha. E ao fim acabo a concluir que, afinal, deve ser por isso que Portugal é um país de madraços onde tudo se faz sem pressa e a declaração do IRS pode ser sempre apresentada quando o ministro das finanças nos escrever a pedi-la. Apenas choca - já que estamos em época deles! - que a fama aproveite a uns e o proveito, genericamente, a todos.

Que esquisito factor comum poderia juntar neste esconso canto a nobre personalidade liberal de
Depois do maremoto no sudoeste asiático, a que os repórteres televisivos de erudição estrábica, entenderam por bem chamar tsunami, Lisboa apavorou-se. Como se já não bastassem as obras de Santa Engrácia, a original solução para armazenamento de água no túnel do Terreiro do Paço e a inutilidade do túnel do Marquês, passou a dedicar-se especial atenção ao terramoto de 1755 e ao maremoto que se lhe seguiu e do qual nem o próprio Marquês de Pombal se terá apercebido. Tanto assim que não teve palavras que não fosse para os vivos, para cuidar deles, e para os mortos, para os enterrar.
O país tem desde sábado passado, segundo me disseram, um novo governo. Para aí o 847º desde a proclamação da independência, excluindo os períodos de ocupação dos Filipes e das guerras miguelistas. É claro que depois de tantas equipas ninguém espera que o capitão conduza esta à vitória, inspire um novo poema épico como Os Lusíadas ou evite a primeira decisão sensata tomada no Largo do Caldas nos últimos trinta anos, empacotando o retrato do professor Freitas do Amaral e expedindo-o pelos correios como se fosse uma encomenda-bomba.
Assinala-se hoje o dia internacional da mulher. Hipocritamente. Com a mesma estúpida hipocrisia com que o CDS enviou a fotografia de Freitas do Amaral, pelo correio, do Largo do Caldas para o Largo do Rato. Pretensamente para limpeza da parede e requalificação da história. Espera-se agora que com o mesmo espírito democrata-cristão um jagunço qualquer possa irromper pelas escadas do Largo do Rato e espetar com convicção nacionalista um picador de gelo bem no cocuruto do retrato.
Se eu tivesse outra mentalidade e visse os partidos políticos como coisas diferentes do grupo do Ali Bábá. Se eu achasse que eles eram mais assim à maneira da quadrilha do Zé do Telhado, que tirava a quem tinha e distribuía por quem não tinha. Se, depois disso, eu
Eu não sei se o país conhece Pedro Mota Soares. Eu não conheço. Ou por outra! Ouvi falar dele durante o dia de hoje, no decurso dos noticiários radiofónicos. Acho de todo imperdoável que o não conheça! Até porque compro jornais, folheio revistas, não dispenso as crónicas da Margarida Rebelo Pinto e sou visita diária do
Além disso, muito justamente, foi melhorada a situação de um respeitado patriarca de Santarém que, há anos, foi directamente requisitado para a arena de S. Bento. Mesmo com o passe, saíam-lhe caras as deslocações e perdia um horror de tempo, que nada aproveitava ao progresso do país, dentro de comboios ronceiros que não cumprem nenhum horário. Jorge Lacão é a garantia deste governo, mesmo sendo apenas ajudante de ministro. Mas há muito merecia a convocação do seleccionador, mesmo que apenas venha a ser utilizado cinco minutos para poder invocar a condição de internacional. Num qualquer desafio amigável contra o Afeganistão!
O país passa muito bem sem governo! Desde que se calou a chinfrineira da campanha eleitoral e depois de conhecidos os resultados das legislativas do passado dia 20 de Fevereiro, as ruas perderam a histeria, as cidades parecem ter amadurecido. As quezílias quase que se limitam aos insultos entre condutores e ao atropelo de peões nas passadeiras. A actividade política não se nota, os dirigentes partidários reduziram-se à clausura dos conventos e, de tão amados que eram, ninguém tem saudades deles e não se vê vertida uma lágrima de dor que os lamente. Insistindo em beber vinho, o país parece miraculosamente sóbrio, como se fosse abstémio. Nem se reclama contra as elevadas reformas e indemnizações de que beneficiarão os deputados que, como Almeida Santos e Narana Coissoró, não regressarão a S. Bento. O país sente-se aliviado, embora tarde e a custo elevado, por vê-los pelas costas. Apenas há dois dias atrás os jornais remeteram para uma curta notícia, numa das páginas interiores, os resultados eleitorais das comunidades portuguesas que votaram por correspondência e que, como alguns erros de arbitragem, já não foram a tempo de interferir nos resultados.
O caso político do momento nem sequer é saber se José Sócrates está em Lisboa, na Serra da Estrela ou nos picos da Europa ou no Mosteiro de Singeverga a analisar as respostas recebidas aos anúncios que fez publicar para admissão de ministros, de ajudantes e de adjuntos. Com a taxa de desemprego que se verifica, as respostas foram muitas. E ele tenta, segundo se presume, garantir as primeiras colocações para abater à tal meta de 150.000 que andou a gritar durante três meses. Sendo que os primeiros, serão recebidos pelo presidente da república, em cuja presença assinarão os contratos e receberão as felicitações e os cumprimentos de amigos e familiares que já terão solicitado o empenho para lugares de vigilantes, empregadas de limpeza e cantoneiros. Quanto a coveiros não há vagas, nem para o Alto de S. João, nem para Agramonte.
Um experiente jurista, ao serviço de Deus Nosso Senhor, licenciado por qualquer seminário menor, com mestrado concluído num seminário maior e doutoramento obtido numa basílica maior do que a da Estrela, enganou-se e envergou o hábito em vez da toga. Confundiu-se a espraiou-se nas alegações finais esquecendo-se dos procedimentos da homilia. Sem sacristão oa lado julgou-se desembargador numa relação qualquer em vez de abade numa paróquia de província. E, como jurista que a magistratura deve aproveitar, recusa-se a dar a comunhão a quem usar métodos contraceptivos. E enuncia-os. 
