31 de dezembro de 2003

Este país já não é um sítio

A custo contenho o grito que me apetece soltar: ó Joana, este sítio que é Portugal, perde estatuto a cada momento que passa. Já desceu ao nível de um canto perdido na obscuridade, onde os cães vadios olham para o lado e alçam a perna. Corre o risco breve de não ter lugar no mapa, mesmo como recôndita aldeia onde nem o Astérix se conformaria em viver. À conta de múltiplos álibis servidos à lista, como as pizzas nos sofríveis restaurantes da especialidade, vai-se rapidamente despovoando.

Espera, que eu já te digo. Não tarda nada e chega-se à conclusão de que o censo da população custou uma fortuna e não serviu para nada: não morava cá ninguém. Os contratados a recibo verde para recolherem os impressos andaram a entrevistar fantasmas e a terem miragens, com o deserto imenso que a ganza lhes abriu. Não houve nenhum D. Diniz, nem nenhuma rainha santa, nem nenhum pinhal. E, assim sendo, este nem sequer foi consumido pelos fogos de Verão, que também não houve. Vai dizer à D. Maria Pia que se equivocou, quando já estava morta, e não fundou coisa nenhuma.

Este é o canto do faz de conta, que ninguém faz e de que ninguém conta. Com que ninguém conta, também! Não há, não houve, nem haverá crianças, nem adolescentes, nem adultos. Soterrou-os a todos a violência de um sismo antes do Dr Monteiro o poder impedir por decreto, e com a inaudita violência de cinquenta Irões. Sem nenhum marquês à vista, mesmo sem neblina ou nevoeiro, que pudesse acorrer-lhes.

Se houvesse tudo isso ainda havíamos de querer ser um país e instituir uma sociedade civilizada, como ouvimos contar dos outros. Com um sistema de justiça e tudo, e é bem melhor que nem sequer ouçamos falar disso. Ainda acabamos a ter crianças que se aliam em tramoias para tomarem o poder, à base de mentiras diferentes das que proclamam aqueles que o exercem. Então é melhor não!

O Dr. Monteiro exige legislação para proibir os sismos

Vai bem o novo partido do Dr. Monteiro, recentemente fundado num congresso organizado pelo próprio e que, contra as suas próprias expectativas, e muito contra sua vontade, o elegeu como promissor presidente, sem necessidade de tarimbar no grupo da canalha. O que o Dr. Monteiro já fez num outro partido em que depois passou a sénior e rapidamente garantiu lugar de efectivo na primeira equipa, chegando a envergar a braçadeira de capitão. Foi dirimindo os conflitos com os árbitros, sempre numa atitude correcta, de tronco erecto e mãos acauteladamente atrás das costas, não fossem os mesmos mencionar nos relatórios que fora insultuoso e, pior, que durante as conversas ensaiara uns directos à João Pinto. Foi menos eficaz na sua tarefa de sossegar os colegas de equipa e um deles, que anda por aí, apanhou-o menos vigilante, dirigiu-se ao árbitro e denunciou-o como tendo-lhe insultado a mãe, mesmo que por entre dentes. Vai daí, foi expulso e perdeu a braçadeira de capitão, ficando livre no mercado, sem empresário e sem ser época de transferências. Pensou e nasceu o seu novo partido, para ser diferente de todos os outros porque, segundo diz, coexiste e entende-se com todos os outros, acreditem em Deus ou no diabo.

Lugar na assembleia não o conseguiu, estava a dotação completa e nem inscrições estavam abertas. Concurso só se esperava que pudesse ser aberto dois anos depois. Solicitou audiências, desdobrou-se em entrevistas, comprou papel de carta e começou a escrever sobre os assuntos que mais afligem a pátria. Ainda agora, sobre os terramotos, se antecipou a toda a gente, incluindo o Marquês de Pombal. E reclama que a assembleia realize com a maior urgência uma audição parlamentar sobre a prevenção de sismos. Sem demagogia, sem alarmismo, mas com tranquilidade e com sentido de prevenção do País, pensamos que é necessário começar a discutir como é que se evitam os danos das catástrofes naturais. E acrescenta existir forte probabilidade de ocorrência de um sismo na zona de Lisboa em virtude dos dois sismos do século XX não terem chegado para libertar a energia acumulada.

É assim mesmo, Dr. Monteiro! Vê-se que tem aproveitado o tempo do defeso. Certamente visitou o Instituto de Meteorologia e ter-se-á alistado numa corporação de bombeiros voluntários da linha. Agora é preciso de facto libertar toda a energia que se tem acumulado. E olhe que no parlamento se tem acumulado toda!

30 de dezembro de 2003

Finalmente! Chego ao fim do ano com grandes esperanças

Não creio ser propriamente um visionário. Mas confesso ser bastas vezes mais um português sem grandes esperanças. Não um velho do Restelo, mas simplesmente um saudosista que vive das glórias do passado. Assim uma espécie de sportinguista a lembrar o célebre cantinho directo do Morais ou de benfiquista a recordar a Taça dos Campeões conquistada ao Real de Madrid transbordando de ídolos como Puskas ou Di Stefano.

Hoje tranquilizo-me e olho confiante para a saída da barra como se as naus de novo partissem, velas tensas, prenhes de vento soprando de feição, ao encontro de tudo o que é bom e que, inevitavelmente, chegará em 2004 como o Dr Barroso teve o cuidado de ir anunciar à televisão depois da benção do Papa. Para tanto bastou o Bartoon de Luís Afonso na edição de hoje do Público.

Contra a igualdade. Pela equidade. Ao ataque!Honra lhes seja feita ó eminências pardas da nossa imbecilidade política. As autarquias vos ergam estátuas nos largos fronteiros às sedes das câmaras e das juntas de freguesia. Os nossos poetas, passados, presentes e futuros vos cantem os nobres feitos em heroicos versos alexandrinos. Os deuses da fortuna derramem sobre vós as benesses merecidas em senhas de refeição, ajudas de custo e viagens de avião para o quinto dos infernos. A memória futura desta geração e das seguintes se não esqueça de quem foram realmente os responsáveis, com nomes em placas de bronze às esquinas das ruas. Porque de facto tem sido a Constituição a impedir o nosso progresso colectivo, apenas porque não é democrática. Tão pouco que até comunistas históricos a votaram, e para a aprovarem. E pasmem, bastardos descendentes do luso Viriato, até o Sr. Acácio Barreiros a votou, levantando o cu da cadeira e erguendo o braço com a mão fechada.

Vai, felizmente, ficar tudo resolvido agora. Substituir a "igualdade de direitos" pela "equidade" vai ser o definitivo salto em frente. Ninguém mais vai parar este Portugal em acção. A Europa que não pense em mais acordos sem que tenhamos a mesma representatividade dos maiores. Já adivinho a redimensionada eloquência dos Drs. Pacheco Pereira e Graça Moura nas tribunas de Estrasburgo. E adivinho a renovada atenção daquelas centenas de europeus convictos, sentados, a abanar aprovadoramente as cabeças. Só não diviso o Dr Soares pai, cujo mandato chegou ao fim e não está presente. E que estivesse, está velho e meio surdo, já não ouve bem!

Há uniões que produzem benefícios recíprocos

Antes de mais, a vida pessoal de cada um pertence-lhe e não há o direito de a invadir. Mas quem tem aquilo a que hoje se chama visibilidade pública tem que acautelar-se e, mesmo assim, ter arcaboiço para suportar aquilo que a sério ou a brincar se pode ir dizendo pela rua fora. Não saindo de casa, sendo solteiro, exercendo um cargo alto de mais para as necessidades dos cidadãos, ninguém foi mais glosado do que o Dr Salazar. Como nada impediu que o Paulinho das feiras chegasse a ministro - como tanto queria - e pudesse apresentar-se como tal perante uma assembleia de deputados que, entre si, se tratam formalmente por V. Exa. como deseja o seu presidente, o também ilustre celibatário João Bosco.

Judite de Sousa, comentadora de futebolUm dos casais exemplares é, sem sombra de dúvida, o constituído pelo benfiquista Fernando Seara e pela jornalista Judite de Sousa. Que se casaram, segundo constou, numa festa de arromba que apenas se não pode comparar ao casamento da Tchizé dos Santos porque ele é presidente de câmara e o tal Dos Santos presidente de Angola. Se isso já não fosse suficiente, não consta que em Sintra haja jazigos de petróleo porque o pouco que até hoje foi descoberto, foi-o no Beato, por Raúl Solnado, e a exploração veio a revelar-se excessivamente dispendiosa e mais deficitária do que o orçamento do Estado. Antes de todas as operações de sofisticada cosmética a que foi submetido.

Mas o casal equilibrou, por exemplo, a densidade e o comprimento dos cabelos. O dele, embora basto, era demasiado curto. Ao invés ela, não o tendo tão farto tinha-o excessivamente longo porque algum assessor brasileiro de marketing a tinha convencido de que assim é que as câmaras a beneficiavam mais. Ela ensinou-o a olhar para as câmaras enquanto dizia mal dos árbitros, parecendo que falava a sério, e disse-lhe como instruir as maquilhadoras para que o besuntassem menos, antes de entrar em estúdio. Grato, sendo ela já jornalista, - com tendências ditatoriais que a levam, muitas vezes, a não deixar que os seus convidados falem - ele ensinou-lhe o que era ser benfiquista, como cantava o Luís Piçarra. Com ele aprendeu que o futebol era um jogo, disputado por duas equipas, num rectângulo usualmente coberto por erva, controlado por um juiz a que se chama árbitro. E que este era invariavelmente bom quando a nossa equipa ganha e muito mais do que ladrão sempre que ela perde.

Vai daí, a D. Judite sentiu-se segura de si e confiante. A acrescer à carteira profissional tinha adquirido conhecimentos futebolísticos. Dois passos à frente e estava a escrever para jornais desportivos. Sempre que a bola entra na baliza é golo, sempre que passa ao lado, não é. E não tardou que se pronunciasse com seriedade e com conhecimento de causa sobre o futebol: "O futebol está como a economia. Ou seja, está mal. Está em recessão".

Um estádio, entre dez!Ficam duas possibilidades de interpretação: ou a tomamos a sério e damos crédito ao que afirma, ou a achamos uma ignorante que em casa se devia entreter a arrumar as meias do Fernando porque não sabe do que fala. Pela primeira via. Foi preciso esta mulher sacrificar parte do seu muito ocupado tempo, prescindir de merecidos momentos de descanso em companhia do marido, programar a vida a dois, o nascimento e a educação dos filhos, ouvir provavelmente raspanetes do ser director na TV de serviço público - soa bem, não soa? - para que o país soubesse que o futebol está como está. Porque isso nunca passou pela cabeça de ninguém. Os clubes continuam a apresentar vultuosos lucros - não são como a generalidade dos empresários - a fazer contratações milionárias, a pagar salários muito acima do salário mínimo, mesmo depois deste revisto, a construir estádios novos às dezenas e a manter permanentemente regularizadas as suas contas com o fisco. Para mútua e recíproca satisfação da ministra das finanças e do presidente da Câmara de Gondomar.

Pela segunda via. Então este estafermo de cabelos compridos, louros por causa das brancas irreverentes e precoces, trabalha na televisão e não presta atenção ao que ela passa? Quem vai acreditar no que ela diz? Ninguém faz a mínima ideia da experiência futebolística que terá e muito menos onde a terá adquirido, e não pense ela que basta um namoro com um adepto, mesmo ferrenho, para poder puxar dos galões. Qual recessão? Se no passado dia de Natal tivesse estado mais atenta, deixando de lado as rabanadas e o bolo-rei, teria reparado na pose familiar e tranquila - o sacana do meu irmão brasileiro outra vez! - do Dr Barroso. Descansado como se estivesse a dormir, seguramente com a mãe por detrás da câmara a babar-se e a repetir mentalmente: olha para ele, parece um anjo. A assegurar que já havia sinais, não sei é se eram os do Fernando Alves na TSF. E que estávamos a passar ao lado da recessão, que se via luz ao fundo do túnel, só não disse é se este tinha fundo. Mas pode muito bem ter porque o que não o tem é o do Terreiro do Paço, cheio de água até ao cais do Barreiro. E vem falar-nos em recessão no futebol! Qual recessão? Qual futebol?

Se o rídiculo pagasse imposto...

Seria caso para dizer que a Dra Manuela teria resolvido o atávico problema do seu défice orçamental, sem ter que socorrer-se de artifícios criativos, açambarcando o fundo de pensões dos CTT e vendendo património público ao desbarato. Muito provavelmente o imposto teria que ter uma taxa elevada porque, como vem acontecendo com os outros, acabaria por não ser cobrado. E lá teria de ser oportunamente cedido a um árabe qualquer, de preferência sem barba para não parecer o Bin Laden, por alguns quinze por cento do seu valor. Para, de novo, ajudar a colmatar os buracos orçamentais desta ministra ou de quem um dia destes vier a suceder-lhe.

29 de dezembro de 2003

O que o almirante Pinheiro de Azevedo se iria orgulhar

Almirante Pinheiro de AzevedoPinheiro de Azevedo foi, desde sempre, o homem que associei à temeridade que, noutros tempos, foram atribuídos a Humberto Delgado, a que atribuíram o apodo de general sem medo. Por um lado porque quando se viu sequestrado na Assembleia da República por uma horda de manifestantes se limitou a arregaçar as mangas, nem sequer perguntou quantos eram como usa fazer o major Valentim e proclamou em português que toda a gente percebe: bardamerda para a manifestação.

Depois nós temos fama de sermos um povo de brandos costumes e, como manda a etiqueta, de boas maneiras. Lemos os manuais da Paula Bobonne, batemos sempre à porta dos amigos, pedimos-lhes licença para entrar, recusamos sempre o copo que nos oferecem de primeira ou o lugar à mesa para que nos convidam quando os encontramos a jantar. Salientamos já termos feito o mesmo mas, se insistem connosco, como dizia José Rodrigues Miguéis, aceitamos e sobre o lastro que já trazíamos de casa, emborcamos mais um litro de vinho com a ajuda de uma sopa de feijão vermelho, um cozido à portuguesa e duas grossas fatias de pudim Abade de Priscos. Para, à saída, arrotarmos como uns alarves.

Olivença ou Olivenza?O almirante era diferente, nem era de meias palavras nem de meias medidas. Quanto ao empanzinanço, não sei! Publicamente declarou que não compreendia o diferendo que, penso eu, ainda mantemos com Espanha a propósito de Olivença. Pedia um fim de semana e um pelotão do exército para se por a caminho, atravessar a raia, içar a bandeira das quinas e proclamar de novo a soberania portuguesa sobre a localidade. Morreu sem que lhe dessem o pelotão e as armas necessárias, alguém o disse, por esses tempos, estavam em boas mãos. Mas não era nas dele! Talvez o nosso nacionalista ministro da defesa agora se decida, heroicamente, pelo ataque. Pela fresquinha, como manda a táctica militar tradicional, superiormente expendida em tratado pelo herói nacional Raúl Solnado, regressado vivo dos campos da Flandres.

Agora temos uma força da GNR no Iraque. Decidida a participação, a partida foi anunciada ene vezes e cancelada ene menos uma. Depois lá partiram, acompanhados de todos os jornalistas que não tinham montado a tenda à porta do estabelecimento prisional de Lisboa e que, por isso, estavam livres. Esperava-se que a viagem demorasse dez horas, acabou a demorar vinte e quatro, o equipamento foi o que se arranjou, os amigos italianos foram-lhes dispensando umas pastas para comer. Em vésperas do Natal tiveram a visita do ministro, anunciada como se o mesmo já preparasse o regresso quando ele dormia a sono solto, tranquilo com a segurança que a polícia lhe assegura à residência.

Depois de lá estarem há mais de um mês, de lhes ter faltado o bacalhau e as batatas para a consoada por erro do avião que se perdeu pelo caminho, foram recebidos, em Portugal, os primeiros três blindados de um total de vinte e um que hão-de equipar o contingente. A marca é, desde logo, elucidativa: Proteto! Entraram de imediato em testes e, segundo fonte da GNR, devem seguir para Nassíria nos próximos dias, acompanhados pelas novas espingardas HK G-36.

A mesma fonte, de acordo com o Correio da Manhã do dia 27, adianta com toda a objectividade: "As 21 viaturas vão seguir para o Iraque à medida que forem chegando. Primeiro serão estas três. Em Janeiro, devem chegar mais algumas e as restantes vão sendo fornecidas". E sobre as espingardas: "O cumprimento da missão não está de forma nenhuma em causa, mas o trabalho é facilitado com mais material disponível". Como sempre, como disse num "post" de ontem, em discordância com o editorial de um jornal diário, o país está sempre preparado para tudo. Para isto, está visto que também estava! De forma que o que fica, e não é pouco, é registar a eloquência intocável - quase me apetecia dizer eloquente! - da fonte da GNR.

As fundações, o mecenato e o Sr Miguel Sousa Cintra

Às vezes chego a pensar que é um congénito defeito meu, duvidar assim de algumas coisas e sentir que se me franze o nariz como se cheirasse os resíduos da celulose de Cacia a invadirem os comboios da linha do norte na sua marcha a caminho de Campanhã. Mas depois paro e penso um pouco e as incertezas sobrevêm-me. É nessas alturas que, passados todos estes anos, continuo a invejar o professor Cavaco que nunca tinha dúvidas e que raramente se enganava.

Primeiro, quanto às fundações, que tempos houve em que proliferaram como cogumelos pelos pinhais, acompanhando as primeiras chuvas de Outono. Criadas por todo o bicho careta, sempre no propósito altruísta de perseguirem fins não lucrativos e muitas vezes mesmo de benemerência. Mas, quando falo de bichos caretas, não me refiro propriamente a associações de moradores, a associações de pais, a clubes de desempregados ou a adeptos do Salgueiros. Sempre gente graúda, de governantes a empresários, de futebolistas a professores catedráticos. As estatísticas dizem-me depois que os pobres são cada vez mais e mais pobres e que os ricos são cada vez menos e mais ricos. Linearmente concluo, sem pretensões de erudição, que as fundações não cumprem os seus objectivos. Até que aquele ex-ministro que é do Benfica e que esteve mesmo com um pé na administração da SAD - olha!, esqueci-me destas! - deitou tudo a perder com uma tal fundação para a segurança rodoviária e com os serviços atribuídos a amigos, sem concurso. De forma criativa, que é um eufemismo vago quanto chegue para classificar a vigarice.

São Jeeps topo de gama, com sireneDepois o mecenato e ainda não encontrei um sem abrigo - mesmo daqueles que segundo Nuno Santos, 36 anos, assessor de marketing, pai de um menino de três anos que frequenta o infantário Pom Pom, vizinho da instituição Coração da Cidade - que tenha sido mecenas fosse onde fosse, mesmo frequentando luxuosas festas com fados e guitarradas que perturbam o sossego da rua e partam em luxuosos automóveis de grande cilindrada, invetivando o Sr Nuno Santos e fazendo-lhe manguitos. O mecenato é sempre praticado por outros e com outros destinos. Qual seria o gozo de atribuir benefícios ao Coração da Cidade ou à Associação Espírita Migalha de Amor, cujos nomes não dizem nada, são perfeitamente indiferentes e irrelevantes e que, seguramente, os iriam estroinar a comprar nabos e grelos no mercado do Bolhão? Não promovem exposições em Serralves nem patrocinam concertos de Ano Novo na Praça de D. João I. Quanto à sopa, felizmente, todos a têm em casa, longe dos sovacos sem banho e sem desodorizante dos esfarrapados.

Por último o Sr Miguel Sousa Cintra. Tem sido esta manhã a notícia e que diabo, pelos esforços desenvolvidos nesse sentido já a merecia. Ao que dizem os jornais e as rádios foi ontem interceptado ao volante de um veículo todo o terreno, vulgo Jeep, de valor superior a 20.000 contos, equipado com sirene, quando a accionou para rapidamente ultrapassar algum daqueles condutores de domingo, com latas de merda e que não saiem da frente. Que, em boa verdade, até deveriam estar proíbidos de circular em vias rápidas. Acontece é que o jeep estava registado em nome dos bombeiros de Sacavém aos quais, de forma magnânina, o mesmo o tinha oferecido depois de utilizar algumas vantagens no acto de compra e de, por descuido, ainda o estar a usar ele próprio. Mas pagando o combustível, o seguro, a manutenção e as portagens, logo veio, solícito, esclarecer o respectivo comandante. Que até já tinha experimentado o veículo, excusando-se a revelar se o mesmo lhe agradara ou se pensava recusar a oferta do Sr Cintra.

Este Sr Cintra - não vá confundir-se com o outro! - não faz nada disto por questões de dinheiro, que é coisa que lhe sobra por tudo quanto é lado e disso, prodigamente, se vai gabando. Há ainda pouco tempo se recordarão de ter amealhado em bolsa uns saborosos tostões apenas por ter tido o fado de conhecer informação sobre uma empresa de que era administrador e de a ter utilizado, que ele não é burro. Foi considerado crime, foi julgado e condenado e nunca mais se soube nada. Nem da pena nem tão pouco dos tostões. Depois, de família, já lhe vinha a herança. Dono e senhor de todo e de tudo no Algarve, de barlavento a sotavento, incluindo minúsculos caracois apanhados a trepar ervas daninhas, como se fossem o professor Cavaco empoleirado num coqueiro de S. Tomé e Princípe. Como castigo pela invasão de propriedade, eram apanhados e enviados para Lisboa. Para a panela!

Aviso já: em 2004 vou produzir menos

Vou produzir menos!Que o nosso ministro do trabalho, com código e tudo, se convença disto desde já e que tenha a avisada prudência de, em conselho de ministros, dar disso conhecimento ao Dr Barroso. Que este tenha o bom senso e a visão política de avisar a Dra Manuela, de modo a que esta possa rever as suas previsões e avisar o sistema estatístico da União Europeia. Em 2004, por falta de tempo, vou produzir menos e os "posts" que aqui irei regularmente pendurando serão menos e mais curtos. O que, para os meus dois habituais visitantes diários, serão inestimáveis vantagens e poderão aproveitar o tempo que assim lhes sobre para produzirem mais enquanto tomam a bica.

Faço-o por manifesta falta de tempo quando sinto, dramaticamente, que estou a ficar desactualizado. Não basta a ninguém, muito menos a mim, limitar-se a ouvir as prédicas semanais do professor Marcelo, ao domingo à noite, e na segunda-feira de manhã sair para a rua como se soubesse de cor todos os resultados do futebol de fim de semana, incluindo os da segunda divisão B e do Braga. É preciso ir atrás da informação, ouvir e ler o muito que, a trinta mil pés de altitude, o Dr Pacheco Pereira entende que o país pensa sobre aquilo que ele prodigamente nos vai dizendo em diversas línguas. Como não tenho tido tempo para isso, tenho de descobri-lo. E, não sendo presidente de junta, vereador ou mesmo eurodeputado, tenho algumas dificuldades nisso.

Depois, mesmo que isso já seja um esforço que, se não fosse narcisista eu diria meritório, o Dr Pacheco Pereira não é tudo. Há que acrescentar-lhe o F, o Gato, o Homem. Ler jornais e revistas, incluindo o Correio da Manhã, a Nova Gente e a Maria. Ouvir programas radiofónicos, sem ser só o forum da Margarida Pinto Correia, que até me não é destinado. Visitar livrarias, manter-me a par dos últimos lançamentos e adquiri-los que os editores não mos vão mandar como fazem ao professor Marcelo.

Ler a Margarida Rebelo Pinto de que um dos últimos sucessos tem um título que não entendo: deve ser francês e deve ser uma maravilha. Nunca li nenhum livro dela - digo-o em surdina para que me não critiquem! - e, sendo assim, de que valeu que me tivessem obrigado a ler os Lusíadas, decorar sinónimos, dividir orações. A Paula Bobonne - acho que é assim, com duplo ene! - também nunca li, só a vi uma vez na televisão, distinta como ser ser uma senhora da linha, muito mais do que a maluca da Ana Bola.

Depois 2004 vai ser uma inundação, o Dr Barroso dirigiu-se a todos os pobrezinhos no dia de Natal e disse-lhes que já havia sinais e que ele tinha muita esperança que. Vai haver o Euro que o Sr Scolari já ganhou para nós, não vamos é ser indelicados e deixar as selecções que nos visitam, depois do trabalho que tiveram para se qualificar, a jogar sozinhas. Seria, no mínimo, indelicado e isso eu entendo mesmo sem a ajuda da Paula Bobonne - deve ser assim, com duplo ene!

Quatro livros de enfiada, quatro!Mas, mais do que isso, o Dr Santana anuncia a publicação de quatro livros para o decurso do mesmo ano. Aquilo é que é homem de trabalho, atira-se às tarefas e os resultados veem-se, não é como o D. Sebastião que nunca mais ganha a guerra e nunca mais regressa. Senão, vejam! Como continua afincadamente no percurso do seu destino - destino é um bocado fatalista, mas foi o que me ocorreu! - de fazer um filho, escrever um livro e plantar uma árvore. Apenas com uma limitação: sempre uma coisa de cada vez. Primeiro o filho. Destino mais que cumprido, por excesso, toda a gente sabe. Depois o livro: quatro - livros, seus maldosos! - assim de enfiada. Sobre a cultura, a Figueira, - fico na dúvida, não sei se será sobre a cultura da figueira! - o Sporting e o camartelo no Parque Mayer. Fica a faltar a árvore! Aspecto em que foi traído pelos ucranianos e moldavos que furam o túnel do Marquês que desataram a abatê-las por ali abaixo, tudo a eito. Que até eram ilegais, nem se lhes conhece a identidade!

28 de dezembro de 2003

A título de esclarecimento, por causa das dúvidas

Tenho-me questionado publicamente, em alguns "posts" aqui inseridos, sobre as utilidades de um blogue. Desde meados de Outubro tenho publicado regularmente e percorrido um trajecto de principiante - que continuo a ser - no qual, tendo aprendido pouco, aprendi já muito. Sobre o acesso, em primeiro lugar, que aqui têm os sem voz, os silenciados, os que as câmaras das televisões não esperam à saída dos estabelecimentos prisionais ou dos tribunais onde figuras gradas são também notícia. Sobre a solidariedade, em segundo lugar, sem condições e sem discussão. As pessoas não se conhecem, não se sabem a cor dos cabelos nem dos olhos, a idade que têm, as profissões que exercem, os rendimentos que declaram. E estão disponíveis para se ajudar.

Depois, como em tudo na vida, muitas delas agem e reagem à sua maneira, como na Bancada Central da TSF, linchando os árbitros, excomungando os adversários, beatificando os seus apaniguados. E assim é também no que respeita à política, à religião, à cidade, à vila ou à aldeia. Lamentavelmente! Porque o que seria admirável seria que se trocassem ideias de que o país está cada vez mais carente, em relação a tudo. Não se ouvem ideias novas seja onde for, seja sobre o que for. O país é um país distante, de tão vazio. E cada vez se distancia mais!

Por mim, para que não fiquem dúvidas, quero deixar bem claro que me não envolvo em discussões apaixonadas e desde logo estéreis e me não motivam propósitos políticos, religiosos, clubísticos, regionais, raciais ou de qualquer outra natureza. Gostaria, isso sim, de escalpelizar pelo riso, pelo sarcasmo e pela ironia a triste realidade com que nos confrontamos quotidianamente nos mais variados sectores. Falta-me naturalmente talento para tanto, mas nunca ninguém é aquilo que quer, mesmo depois de ser alguma coisa, que não é o meu caso.

Permito-me transcrever Eça e aquilo que escreveu em Maio de 1871 e que está disponível em Uma Campanha Alegre:

Assim vamos. E na epiderme de cada facto contemporâneo cravaremos uma farpa. Apenas a porção de ferro estritamente indispensável para deixar pendente um sinal! As nossas bandarilhas não têm cor, nem o branco da auriflama, nem o azul da blusa. Nunca poderão tão ligeiras Farpas ferir a grande artéria social: ficarão à epiderme. Dentro continuará a correr serenamente a matéria vital - sangue azul ou sangue vermelho, dissolução de guano ou extracto de salsaparrilha.

Vamos rir, pois. O riso é uma filosofia. Muitas vezes o riso é uma salvação. E em política constitucional, pelo menos, o riso é uma opinião.

Não admira que se não lembre: ainda não tinha nascido!

Pedro Adão e Silva disse ao 24 Horas, no dia 27 do corrente mês de Dezembro, segundo transcrição hoje feita pelo jornal Público:

O prof. Marcelo não é para levar a sério. Ele uma vez também disse que só seria candidato à liderança do PSD se Cristo descesse à Terra. A verdade é que Cristo não desceu e ele avançou.

Pedro Adão e Silva, segundo o "site" do PS de Benfica, nasceu e Lisboa em 12 de Maio de 1974. Tem 29 anos de idade e é licenciado em sociologia. Do currículo disponível naquele "site" não constam quaisquer especiais estudos bíblicos. Tendo, segundo os crentes, Cristo descido à terra uns anos antes do seu nascimento, não admira que o mesmo se não recorde da data: ainda não tinha nascido!

Como contributo para a melhoria do nível médio da cultura geral da geração política em ascensão fica, por este meio, o professor Marcelo intimado a ler nos seus comentários dominicais os versículos bíblicos que esclareçam a situação e ilustrem o garboso sociólogo com currículo em construção.

Para que se saiba: o país está preparado para tudo

Por uma vez, tinha que ser! Hoje, finalmente, o editorialista acaba por produzir uma peça que transborda de sarcasmo e de ironia. E isso, francamente, diverte-me, sendo certo que pretenciosamente acabo a pensar que o que me diverte a mim também diverte os outros. No seu dia a dia manifesta sempre uma intenção muito séria que termina, muitas vezes, por se não transformar numa muito séria intenção, depois da leitura. Simples questão da ordem da sementeira das palavras que não germinam ao gosto de quem paga mas de quem manda.

Mas a questão de hoje, levantando a hipótese - teórica, remota e impossível - de Portugal, este Portugalzinho colocado no extremo ocidental da Europa, com o cabo da Roca a pôr-se em pontas de pés reclamando os louros do triunfo, sofrer um sismo com a intensidade do que esbandalhou o Irão e sobre as possíveis consequências - teóricas, remotas e impossíveis - catastróficas, é para soltar à gargalhada. Então quem somos, de onde vimos, para onde vamos? Chegamos a esta altura do campeonato e temos dúvidas, é? As pessoas não atentam no humilde bom senso do Sr José Mourinho que repete insistentemente que o campeonato não está ganho, que há outros adversários na corrida, etc e tal e coisa. E só muda se por acaso um desses pretendentes disser que vai ele ganhar o campeonato para lhe retorquir: não ganhas, não ganhas, não ganhas!

Não faz naturalmente sentido perguntar seja a quem for se o país estaria preparado fosse para o que fosse, fosse quando fosse. O país, graças a Deus e aos orgãos de soberania, está sempre preparado para tudo. O português é conhecido nos quatro cantos do mundo como o campeão do desenrasca. Não se atrapalha por dá cá aquela palha e engendra sempre uma solução que é, muitas vezes, um primor de imaginação. Temos que ser fiéis ao nosso passado recente e recordarmo-nos dos bons exemplos que estão espalhados aí por todo o lado.

Centro Cultural de Belém: foi construído para nosso orgulho no cumprimento rigoroso dos padrões orçamentais impostos pelo professor de finanças públicas da Dra Manuela. Não houve desvios, não custou nem mais um cêntimo, - à altura eram centavos, embora caídos em desuso! - a comunidade internacional ainda hoje nos felicita pelo sucesso. Elogia-se-nos a preparação e o saber de experiência feito.

Torre Vasco da Gama, Expo 98Expo 98: alguns anos depois o verdadeiro "know how" a vir de novo ao de cima, o mesmo sucesso, as mesmas felicitações, o mesmo enriquecimento para alguns mesmos bolsos. Desvios orçamentais, se os houve, sempre coisa ligeira, sem expressão, umas centenas de milhões, o que é isso comparado com o salário mínimo nacional, mesmo depois da última actualização? Ah!, essa dos barcos alugados para os turistas dormirem, os desvios irrisórios do tal guarda-livros da cooperativa. Ora, despeito e inveja, foi o que foi. O país encheu o peito de ar, respirou cagança, ainda hoje se congratula pela preparação e pelo saber de experiência feito.

O mundial de futebol da Coreia / Japão: mais um sucesso, a malta meteu nas malas de viagem os melhores fatos, as camisas mais garridas, centenas de camisolas com o nome do Luís Figo nas costas e o emblema das quinas colado à frente, bem sobre o sítio do coração, palpitante e eufórico. O presidente da república recebeu a comitiva - modesta, pouco mais de vinte jogadores e de oitenta burocratas, com o Dr Madail no comando - que lhe foi apresentar cumprimentos, o primeiro ministro foi lacónico mas imperativo: tragam a taça. Depois os Estados Unidos fizeram-nos meter no saco a guitarra portuguesa que leváramos e, de monco caído, os coreanos repatriaram-nos. Mas o país estava preparado para o caso de termos ganho e ainda hoje se nos enaltece o saber de experiência feito. Apenas se não sabe do Sr António Oliveira nem do cheque que, por desconhecer-lhe a nova morada, o Dr Madail teve de enviar-lhe para a posta restante.

Marquês de PombalEuro 2004: estamos já tão preparados que os dias se contam um a um. Faltam xis dias para a abertura, no estádio do Dragão. Até o Sr Pinto da Costa antecipou as coisas para estar completamente disponível na altura e, por isso, festeja hoje o seu 66.º aniversário. Parabéns! Vamos por diante, com sorte no sorteio, contra a Grécia. São favas contadas, a Grécia só já vai à nossa frente nessas histórias da União Europeia. No futebol? Isso é que era bom, estamos preparados, damos dois de partido, recrutámos um seleccionador que se propunha ganhar mundiais, quanto mais europeus, torneios regionais como se fosse em Arcos de Valdevez!

Agora essa do terramoto não lembra ao diabo. Ainda há poucos meses tivemos a experiência dos incêndios de Verão, temos presentes os procedimentos para as diversas emergências, o nosso ministro da confusão interna tem currículo, está habituado à crise, chamam-no a responder por ela, na assembleia dos deputados, quase todas as semanas, nunca se engasga e raramente gagueja. Um terramoto? Ora, isso é como dizia o Sebastião José em 1755: tratar dos vivos e enterrar os mortos. Para uns, assegura-o o ministro, já não há listas de espera nos hospitais. Para os outros, não faltam cangalheiros à porta das casas mortuárias. E pergunta-se se estaríamos preparados!...

27 de dezembro de 2003

Alguém sabe quem é a Ana Cláudia?

Nos dias que correm é tanta a informação posta à disposição do incauto cidadão que este, por muito que pretenda evitá-lo, acaba desactualizado e, quase sempre, enganado e a comer gato por lebre. Não sabendo sequer se os gatos, com tanta comida enlatada, à venda em supermercados, serão também eles potenciais portadores de nitrofuranos como os frangos publicitados como tendo sido criados no campo, a comer milho e farelo misturado com couves.

É de facto impossível ver todas as televisões, mesmo que repetidamente passem as mesmas merdas. Ouvir todas as emissoras de rádio que passam o Marco Paulo e a Romana ao mesmo tempo. Ler todos os jornais e revistas que nos vão trazendo o número de mortos na selvajaria das estradas portuguesas e as afirmações dos famosos do Big Brother e dos Ídolos. Eu próprio - e peço a compreensão da comunidade para esse facto, até porque insisto em corrigir a lacuna! - nunca li um livro da Margarida Rebelo Pinto nem dediquei grande atenção aos "poemas" das canções da Mónica Sintra.

E mesmo agora deparo com algumas afirmações de uma Ana Cláudia, feitas a uma Nova Gente e fico embaraçado, porque a vergonha é Maria vai com as outras, perdi-a há muito e pronto. Mas a senhora diz coisas com profundidade, com conteúdo, já deve ter sido assessora do ministro da cultura ou deve estar mesmo para sê-lo.

Diz ela, por exemplo, " Quando saio com as minhas amigas, divirto-me a experimentar o meu poder de sedução. E não falha. Depois demarco-me e fartamo-nos de rir". Ah, queira Deus que o Dr Prado Coelho, tão culto e actualizado ele é, seja leitor da Nova Gente. E tu filha, divertes-te com pouco. Olha que eu conheço um beco meio escuro e completamente mal afamado onde raparigas de mais de cinquenta anos, que não dão entrevistas à Nova Gente, seduzem quase quem querem, quando querem e ainda lhes levam vinte euros. E parece que se fartam de rir sozinhas!

Depois, diz ainda, "Às vezes penso que tenho tesão escrito na testa". Credo, vai ao espelho que logo vês, mas em imagem invertida - imagem, só imagem! - mas de certeza que consegues ler. E olha, como chegaste à conclusão? Têm aparecido muitos mânfios a querer pi o juízo? Acautela a testa, se não ainda perdes a sabedoria toda.

Finalmente, "fora do trabalho (de modelo) sou uma pessoa normal. Tenho os meus amigos, faço porcarias". E a tua família sabe? A agência que te emprega só dá trabalho a anormais e tens que fingir durante o dia todo? Ai coitadinha, que há-de curstar-te tanto, que sofrimento. E as porcarias, faze-las sozinha ou à frente dos amigos? Usas ao menos um babete para te não sujares? Garante ao teu corpo o mesmo asseio que manifestas nas ideias!

Já me tinham recomendado a Maria. Agora acho que devo acrescentar a Nova Gente à lista. Cultivem-se, não façam como eu, para que o Dr Pedro Roseta possa orgulhar-se de vós!

Galeria: o futuro presidente da república das bananas

Presidente da República das BananasUma imagem vale mais do que mil palavras, costuma dizer o povo, especialmente o analfabeto que não sabe ler as legendas dos filmes do governador da Califórnia ou do Astérix. Isso não quer dizer que, para lá das imagens, não fiquem histórias dignas de ser contadas. Porque as há sempre.

O Dr A. João surge nesta imagem, obtida em plena zona de operações, como um imperador já coroado - não aquele que o Dr Gama em tempos sugeriu, quanto mais não fosse porque o Dr João, não sendo racista, orgulha-se de ser branco! - em pose de estado, qual Obélix a meio da digestão do último javali e do penúltimo garrafão de cinco litros.

O Dr João é um dos derradeiros resistentes do combate pela libertação da sua terra do jugo colonial. Já perdeu a conta aos anos que passaram, às espadeiradas que distribuiu, aos copos de poncha que patrioticamente teve de emborcar, aos carnavais em que desfilou atacando o bombo e aos discursos inflamados que teve de pronunciar no Chão da Lagoa. Homem de consensos consigo próprio, tem-se entendido às mil maravilhas com os tabus que vai construindo sobre o seu futuro e dos quais, antecipadamente, não dá conhecimento a ninguém. Nem ao seu amigo Jaime Ramos, tão pouco ao Dr Guilherme Silva, emigrado em Lisboa e submetido às mordomias de um cargo na assembleia dos deputados.

Democrata por excelência, tem permitido a presença em solo pátrio de um representante da potência colonizadora, a troco de viagens gratuitas a Lisboa e de uns dinheiritos que sempre vão dando jeito para distribuir uns bancos de madeira para idosos nos jardins da região. Tem suportado a infâmia de permitir que se passeiem em liberdade, pelas ruas íngremes do Funchal, jornalistas que disseram mal de si por não saberem o que dizem.

Ainda há semanas registou nova vitória no confronto com a Dra Manuela dos impostos quando se chegou a ela, bateu o pé, deu dois murros na mesa, ameaçou desatar a dizer asneiras, partir de regresso para o arquipélago e proclamar unilateralmente a República Democrática das Bananas se lhe não fosse autorizado mais um empréstimo.

Sem eleições, que não são precisas para nada, acabará por ser o heroi da independência e o seu presidente vitalício. A espaços irá tolerar as visitas do primeiro ministro de Portugal e do respectivo ministro da Defesa. Mas se o chatearem, sequestra-os! Há quem pense, maldosamente, que isso poderia ser já!

26 de dezembro de 2003

O disparate não tem descanso

Morada, transitória, do vereador Paulo MoraisOntem, dia de Natal, 25 de Dezembro de 2003, acabei conscientemente a fazer aquilo a que eu próprio chamaria um dia sabático. Pensei eu - estúpido! - que o dia, pela carga de tradição que carrega, iria naturalmente determinar que as coisas fossem genericamente assim. E senti crescer a esperança quando, pela manhã, verifiquei que alguns dos jornais não tinham saído para a rua, pura e simplesmente. Sabendo-se que a melhor maneira de não dizer asneiras é estar calado pensei, e penso, que não dando voz a uma série de personalidades que nos perseguem os dias, as mesmas nos não brindariam com imbecilidades.

Esperança vã, logo se viu. Na mesma linha de pensamento aguardei que as rádios não fossem ouvir ninguém, respeitassem a privacidade dos lares e se abstivessem de nos encher os ouvidos com "spots" publicitários a proclamar disparates. E que as televisões fizessem a mesma coisa, não pondo na rua, ao frio do inverno, jovens repórteres impantes de vaidade e convencimento, invariavelmente chumbados à disciplina de português no ensino secundário e depois, muitas vezes, licenciados por uma daquelas escolas que têm o percurso pejado de escândalos ou se transformaram em fundações por Decreto-Lei, a bem da utilidade pública, da fuga aos impostos e do desmesurado e translúcido enriquecimento dos seus dirigentes.

Tudo em vão. À noite, na televisão do nosso serviço público, um vereador da Câmara do Porto que dá pelo nome de Paulo Morais e responde pela alcunha de vice-presidente, abria a boca e, à falta de moscas, cuspia disparates e perdigotos à mistura. A propósito de uma organização que na cidade do Porto se tem preocupado alguma coisa com os chamados sem-abrigo e com uma refeição ou outra, enquanto o tal de Morais anda embrenhado na construção de barracas de doze andares na frente marítima do parque da cidade ou noutro sítio qualquer. A organização dá pelo nome de Coração da Cidade e tem tido, como uma das principais figuras dos seus apoiantes o Sr. Pinto da Costa.

A ajuda da Câmara à dita organização tem sido exemplar, desde a recusa de apoios financeiros até ao indeferimento sistemático e sucessivo de quantas pretensões lhe têm sido formuladas. Na noite da consoada, quando era previsível que estivessem a recato, em suas casas, jantando em família e aguardando pela missa do galo - como até o beato do Dr Portas lhes teria aconselhado - alguns manfestantes invetivaram o Sr Pinto da Costa e quem o rodeava a propósito de uma ceia de Natal que aquela organização preparara para os sem-abrigo, a pretexto dos perigos de morte e contágio que adviriam para os seus filhos, frequentadores de um infantário situado, ao que parece, em instalações ao lado.

Não bastando isso, quando estava tão elucidativamente calado, quando era por uma vez convincente na vida, o tal de Paulo Morais abre a boca e diz que os tempos em que a visibilidade pública dos amigos era invocada e chegava para resolver os problemas tinha passado à história e que, agora, sob a gestão do Dr Rio, as coisas tinham mudado e já assim não era. O que, linearmente, queria dizer que os sem-abrigo devem pura e simplesmente ser despejados do local e devolvidos à rua com o mesmo frio e a mesma barriga vazia do calor efémero e enganador de uma sopa de couve galega.

Estou à vontade! Não sou amigo, não conheço e não gosto do Sr Pinto da Costa. Embora, muitas vezes, aprecie a inteligência irónica que põe no tratamento de assuntos que o obrigam a dirimir publicamente. Mas preocupa-me muito mais um só sem abrigo do que toda a geração do senhor vereador, que se entretem a persegui-los e a tentar que alguns bem intencionados voluntários não consigam fornecer-lhes ao menos uma sopa quente. Mesmo que seja noite de consoada!

24 de dezembro de 2003

Feliz Natal para esta esta comunidade

Bem, vão sendo horas de arrumar as coisas nas gavetas, esconder o expediente que aguarda seguimento há dois meses, deitar para o cesto alguns jornais velhos que serviram de entretenimento e de fonte para alguns disparates depois lançados por aí, ao encontro do desconhecido.

Tive, de início, uma questão que mais que por Para toda a blogosfera: Feliz Natal. Bom Ano novo.uma vez repeti: a de saber para que serviria um blogue. As opiniões, como em tudo na vida, foram e são desencontradas. Mas ao fim de pouco mais de dois meses adquiri uma convicção: um blogue serve para sermos solidários e para sentirmos, regra geral, a solidariedade alheia. Coisa rara nos conturbados tempos que atravessamos e, por isso mesmo, muito mais gratificante.

Atravessamos uma quadra em que a solidariedade é apregoada, uma vez por ano, quando ela deveria ser de todos os dias, para com todos, muito mais à semelhança daquilo que sinto ser a blogosfera. Que caminhemos nesse sentido e que esta extensa comunidade, em crescimento explosivo, persiga esse mesmo objectivo sem desvios.

Para a comunidade, sem excepções, os melhores votos de Feliz Natal e de um Ano Novo que concretize sonhos e esperanças. Que tudo seja melhor para todos. A emissão, naturalmente, prosseguirá depois de interrupção que se prevê breve. Bem haja!

O ministro Portas vai à missa do galo

Paulo Portas, vestido para a missa do galoSexta-feira, seis e meia da tarde nos corredores alcatifados do Ministério da Defesa. As secretárias arrumam as bugigangas pessoais nas carteiras, sacodem as roupas, ajeitam o cabelo, retocam a pintura dos lábios. Já foram às casas de banho e dentro de minutos estarão na rua para o fim de semana. Os assessores, muitos, cada vez mais, enfatiados e enfatuados, seguram entre os dedos as chaves dos BMW de serviço, certificam-se de que têm na carteira o cartão Galp Frota e de que os cartões de crédito estão dentro do prazo. O ministro! Sempre em mangas de camisa, o casaco pendurado no bengaleiro, a bandeira nacional atrás de si, sentado à secretária a olhar para ontem, tamborilando o tampo com as pontas dos dedos. Tem uma ideia assim, de repente, sem justificação, como se fosse de inspiração divina. Chama a ordenança que se mantem no corredor, frente à porta, aguardando.

Diz-lhe: vai chamar o senhor assessor especial para as questões de logística nas deslocações do ministro ao interior do país no mês de Dezembro. O soldado - ou civil, isto é uma peluda do caraças! - retorquiu tremendo quase como o mostrengo de Fernando Pessoa: V. Exa. desculpe mas não percebi quem devo chamar. O ministro abreviou, foi mais directo: vai chamar o Dr. Joaquim, porra! Apercebeu-se do excesso, ele, educado num colégio de padres, com a comunhão solene feita, parecia impossível. Pôs-se de pé e balbuciou: Nossa Senhora de Fátima me valha e Nosso Senhor Jesus Cristo me perdoe. Benzeu-se e rezou um Padre Nosso, voltando a sentar-se.

O assessor chegou à porta e bateu, parou de bufar, ajeitou a gravata, passou um dedo com saliva por uma pequena mancha no sapato do pé direito, pediu licença para entrar. Sim, entra! Antes de mais, quem teve a ideia de te atribuir um cargo com um nome que, se fosse em verso, era pelo menos uma estrofe dos Lusíadas? Mas foi V. Exa. com a sua imaginação e o seu rigor. Está bem, já me lembro. Para te pagar o que te pago não te podia chamar servente pois não? E riu-se! Olha, tive uma ideia, nós não podemos nunca descurar a vigilância em relação ao combate político. Aquele anormal do Monteiro quase parece pastor, a arremessar pedras para tudo o que é lado, agora que é novamente presidente nem ele sabe bem de quê. Ainda há-de partir as telhas da sua própria casa, pena é que isso tarde tanto, Deus me perdoe.

Devem ser aproveitadas as épocas de maior impacto para aparecer no palco. Nunca me viste ir ao mercado aos domingos, quando eles estão fechados e as peixeiras na missa a rezar pelas necessidades que têm. E vê lá se não foi no dia de acção de graças que o George foi a Bagdade, aparecendo a transportar a travessa com o perú de plástico. E agora o nosso emplastro da administração interna, até ele foi ao Iraque, carregando cagaço, bacalhau e bolo rei. Portanto eu já decidi e vou à missa do galo, mas quero ir à província.

O assessor curvou-se mais, abriu um sorriso concordante e submisso de orelha a orelha, parecia o Sr José Rodrigues dos Santos, e disse certo e entendido: ah! V. Exa. quer ir à missa do galo ao Porto. Está bem, podemos ir de avião, levamos um Falcon, assistimos à missa - que não deve ser muito longa porque também o padre terá os seus compromissos - e regressamos à capital. Consoamos um pouco mais tarde mas até o bacalhau e as couves marcham com mais vontade. Com um vinhito do Roquete...

O ministro retorquiu. Vê-se logo porque é que eu é que sou ministro. O interior é o interior, estúpido. O Porto é província, claro. Povoado por gajos com a mania que são urbanos, que sabem falar, que têm importância. Mas nunca lhes digas a eles que são saloios, que são provincianos. Mas neste caso quero ir ao interior, a uma freguesia qualquer, onde o nosso partido tenha ganho as eleições por causa da contestaçãp. Se bem que não deva aparecer ninguém que tenha trocado o empanzinanço pelo frio da noite. Mas a estupidez chega às vezes onde menos se espera e quase sempre quando menos se conta. Trata do apoio logístico para a deslocação, uma coisa mais aligeirada do que é costume. Chega meia dúzia de batedores, uma dúzia de seguranças, outra meia dúzia de assessores, três secretárias, o chefe de gabinete e o pessoal que ele determinar, quatro contínuos. Quanto ao destino, é segredo, é o meu Iraque e só o revelo no momento da partida. A Sra. D. Cinha viajará comigo, estou até a pensar em nomeá-la assessora uma vez que nem sequer é já necessária aquela formalidade irracional do concurso público. Não sei é de quê, tantas e tão variadas são as suas capacidades.

Arranja-me um automóvel de jeito, Jaguar não ficava mal, mas não quero de cor verde. Livra-te de me pores à disposição uma lata como aquela que comprou o tio do sobrinho da Suiça, em segunda mão, a cair de podre e a precisar logo de reparações de milhares de contos.

23 de dezembro de 2003

Requerimento ao ministro Bagão Félix

Exmo. Senhor,
Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social
Lisboa

Excelência

ZÉ POVINHO LIXADO DE TODO, de 55 anos de idade, divorciado, residente no bairro social da câmara, bloco sem letra, último andar, traseiras, nascido algures em Portugal, do Minho a Timor e acabando a ser cidadão português do Minho ao Algarve, ao abrigo da autonomia concedida pela democracia da União Europeia, solicita respeitosamente autorização a V. Exa. para expor o seguinte.

Soube que o nosso muito respeitado e patriótico Conselho de Ministros onde V. Exa. tem assento - espero que em poltrona digna e confortável! - com grande sacrifício dos oitenta mil contos de rendimentos anuais que vinha declarando em sede de IRS decidiu hoje, em acto muito nobre e magnânimo, aumentar em dez euros mensais o salário mínimo nacional. Não consigo compreender que o rigor orçamental de S. Exa. a Ministra das Finanças - perseguido para nosso bem e com o qual estamos incondicionalmente de acordo - tenha, em atitude de indescritível benemerência, acedido a tão desmedido dispêndio e só o posso compreender em função da solidariedade da quadra natalícia que atravessamos. A mim não me vai aproveitar grandemente porque estou desempregado, embora não consiga recensear-me nos centros de emprego onde sistematicamente me recusam a inscrição alegando que o livro usado para isso já está cheio. Mas congratulo-me com os felizardos que o vão receber, que passam a poder comprar mais três papo-secos por dia, embora receie pelos lucros e pela sobrevivência das empresas bem como pelos ordenados e pelos automóveis de serviço de que muito justamente beneficiam os seus dedicados e competentes gestores.

Tomei ainda conhecimento de que o patriótico Conselho de Ministros, - a que espero tenha estado também presente o senhor Ministro da Defesa e dos Submarinos - segundo a expressão feliz e sapiente de V. Exa., se não terá decidido por maior aumento para não agravar o desemprego existente, situação que a mim, pessoalmente, me seria de grande prejuízo por globalizar a concorrência com que já muito me debato e com que muito padeço.

Face ao anteriormente exposto venho requerer a V. Exa. se digne reduzir o salário mínimo agora fixado bem como todas as remunerações mínimas constantes dos diversos instrumentos de contratação colectiva do trabalho - enquanto estes não forem revogados e os sindicalistas não forem enviados para cursos de reciclagem na Sibéria - até ao ponto em que os centros de emprego do ministério que V. Exa. tão iluminadamente dirige deixem de ser necessários, reduzindo as despesas do orçamento, para bem do país e satisfação de S. Exa. a ministra das Finanças.

Não sendo esta a melhor forma de o fazer, não posso todavia deixar passar a situação em claro como benfiquista e bom pai de família que sou - como V. Exa. e mais quase seis milhões, fora os emigrantes - desejando as maiores vitórias ao glorioso, tanto mais que foram assegurados os serviços do famoso João Pereira que, finalmente, acordou em prorrogar o seu contrato depois de conhecido o aumento do salário mínimo hoje decidido. Se tiver oportunidade, se acaso se cruzar com ele na tribuna, apresente os meus respeitos ao Sr. ex-presidente do Alverca e garanta-lhe que nada irá por em causa a prosperidade das suas empresas de encher pneus e de assentar tijolo burro.

Mitra, 23 de Dezembro de 2003.

Pede deferimento.

P.S. - Bom Natal para todos e tenham atenção à anedota do Sr. Carlos Cruz sobre o menino Jesus. Vale mais prevenir do que remediar.

O partido do Dr Monteiro não para de crescer

Este país, tão habituado já eu estou a que ele seja como é, sem glória, sem ética e sem princípios, muito difilmente me consegue surpreender. De forma que quando isso acontece eu só não deito uma dúzia de foguetes porque não tenho dinheiro para os comprar - a pólvora está pela hora da morte depois daquela ideia peregrina do W. Bush pensar que se libertava o Iraque a tiro de canhangulo! - e porque, além disso, a indústria de pirotecnia é perigosa e não para de fazer vítimas. Mas que fico eufórico, sem influência da passa ou do álcool, isso garanto-vos.

De modo que o Partido da Nova Democracia que o Dr Monteiro, reunido em congresso fundador, anunciou ao país fez-me de novo acreditar nele, no país, em tudo e mais alguma coisa. Até na dobragem do Cabo da Boa Esperança, na descoberta do caminho marítimo para a Índia e no Sporting a fazer o mesmo pleno que o F. C. Porto fez a época passada, arrecadando campeonato, taça, taça UEFA e supertaça, sempre sob a erudita e diligente orientação do engenheiro Fernando Santos.

Depois aquilo era pouca gente mas era suficientemente jovem para que eu acreditasse. O Dr Monteiro não apresenta cabelos brancos, tem o currículo invejável de ninguém saber o que de relevante ele fez até hoje e resolveu em boa hora - certamente seguindo a orientação de um qualquer técnico de marketing brasileiro - mudar aqueles óculos de aspecto pesado e estúpido que faziam dele um lavrador com o dobro da idade.

Dr Manuel Monteiro, procurador dos angolanos!De forma algo inesperada, porque nada tinha sido preparado para isso, o Dr Monteiro ganhou o congresso, apareceu por momentos nas televisões, desdobrou-se em entrevistas às revistas para onde escreve a Margarida Rebelo Pinto e até foi convidado a dar ele resposta a uma pergunta feita ao consultório sentimental da revista Maria por um leitor mais atrevido, sobre sexo seguro. Não foi levado em ombros porque, embora magro, é maciço e o número de congressistas, de tão poucos, não puderam com ele. Para além disso não tinha acabado nenhuma faena a nenhum touro em pontas, finalizada com a estocada final e fatal como em Barrancos. Mesmo que o tivesse tentado, que naquele fim de semana o Dr Portas, seu velho amigo de peito e de coração nem pregou olho, atento à informação que lhe ia chegando dos militantes que mandou ilfiltrar no local. Isto porque, segundo uma máxima de Sócrates - o engenheiro da televisão não! O outro, o verdadeiro! - quem tem cu, tem medo.

Depois o Dr Monteiro, de novo feliz por ser presidente de qualquer coisa, viu acrescentada mais uma linha inútil, em caracteres "bond", ao seu longo currículo pessoal e atirou-se ao trabalho, a ver se melhorava a saúde. Passeou-se pelas ruas, visitou mercados, foi às lotas onde arrematou cabazes de jaquinzinhos, perfilou-se respeitosamente nas primeiras filas de muitas missas, benzeu-se e solicitou audiências a toda a gente que lhas poderia conceder.

Tem sido bem sucedido, apesar do nome novo e da lenga-lenga velha e relha. Já só aguarda por disponibilidades de agenda dos respectivos responsáveis para ser recebido pelo presidente da junta dos Olivais, pelo presidente da câmara de Oeiras, pelo primeiro ministro e pelo ex-presidente do Alverca. O ministro da defesa nem deu sinais de vida, parece que sempre que lhe falam no Dr Monteiro entra autenticamente em transe, benze-se três vezes, acende duas velas de meio metro e, por precaução, recusa-se a sair à noite durante três dias em que fica em casa a rezar o terço.

Mas o sucesso ultrapassou fronteiras e de Angola, em papel timbrado onde a palavra "popular" foi adequadamente riscada a esferográfica azul, emitida por cartório notarial com porta para a rua e número de polícia, chegou-lhe uma procuração. A dar-lhe plenos poderes para se pronunciar em nome do povo angolano. Daí o título de uma pequena notícia de hoje: Monteiro diz que Durão participou num casamento insultuoso para angolanos. Espera-se que quando ocorrer o próximo "insulto" o Dr Monteiro também seja convidado!

21 de dezembro de 2003

Galeria: o nosso ministro da presidência

Morais Sarmento, in Grande Reportagem SemanalSim, está bem filho! Mas olha que foi assim que os nossos amigos americanos deixaram mais de 50.000 na Indochina. E quando o velhote Henry Kissinger se sentou à mesa das negociações para fazer política, em Paris, estava farto de levar porrada do Ho Chi Min.

Olha, talvez por isso o W. Bush tenha mudado de táctica agora, no Iraque, onde declarou o fim da guerra assim, de repentemente. O que não era preciso porque parece que também a não tinha declarado enviando ao Saddam um ofício registado e com aviso de recepção.

Mais, tens licença de uso e porte de arma para andares com essa moca? E essas luvas são por causa do frio ou são daquelas do murro? E os calções ou estão fora de moda ou são desenho da Fátima Lopes. Mas não se lhe vêem os diamantes. Também, se vissem, ainda se calhar se viam outras misérias ou te confundiam com a filha do presidente Dos Santos.

Se tiver sido apenas para a fotografia, para a pose em estúdio, estás desculpado. Mas repara que não ficas bem assim, descalço. E depois, já não te lembras das determinações daquele "maçon", do Nandim de Carvalho? Lembras-te? Descalços ele não queria nem os turistas. Anda, vai à feira de Carcavelos que te fica perto e compra ao menos umas sapatilhas. Regateia no preço que acabam por te fazer barato. Depois conta a cena, e mostra as sapatilhas já agora, à Dra Manuela. Vais ver como te vai felicitar, talvez até te dê um beijinho, por seres tão poupadinho e seguires com afinco as directrizes dela.

Feliz Natal, meu! E deixa de lado a moca durante uma semana, vai à missa do galo e deixa pelo menos um euro na caixa das esmolas. Recebeste o subsídio não foi? Não queiras também aforrá-lo todo que as taxas de juro, digo-to eu, estão uma boa merda. E, como sabes, o Dr Constâncio não tem voto nenhum nessa matéria. Além disso não foste ao casamento de Luanda - não te convidaram, sacanas! - e do mal o menos, não tiveste de gastar dinheiro na prenda!

Qual é o prazer que lhes dá?

Para mim é mais do que óbvio que os cargos políticos deveriam ser exercidos em regime de exclusividade e temporalmente limitados no que respeita ao número de mandatos. Duas enormidades desde logo, seguramente, no entendimento daqueles que estão dentro do redil. Como, ainda por cima, são eles que fazem as leis que acautelam os seus cada vez mais vastos e escandalosos interesses, estamos conversados.

Isso não impede que me questione cada vez com maior frequência sobre as motivações que levam políticos profissionais e desdobrarem-se por comentários nas televisões, intervenções nas emissoras de rádio e artigos nos jornais e revistas. Tanto mais que, como é público, nem o cargo de presidente de uma junta de freguesia é remunerado com o salário mínimo e, que me conste, em caso de doença não irá arrecadar os míseros cêntimos que o Dr Bagão reserva para os pobres.

Mas realmente o que acrescentam, em termos de mais valia, ao quotidiano da vida dos cidadãos - que somos nós todos! - os aparecimentos televisivos, pedantes e vaidosos, do Dr Pacheco, do Dr Santana, do Dr Carrilho ou do Eng Sócrates? E os chamados debates radiofónicos? E os artigos de jornal assinados, ridiculamente, pelo Dr Arnault, ministro? Não vão os leitores que o lerem, se os houver, equivocar-se e pensar que será um sósia da escrita ou um "clone" da figura.

Acabo, forçosamente, por concluir sempre da mesma maneira. Apesar dos ditos se auto-denominarem "opinion makers" que é, creio eu, uma expressão do dialeto barranquenho que deverá significar maqueiros de opinião. Em concorrência parcial com os bombeiros e o INEM. E é quase tão óbvio como as minhas convicções de início: é claro que os senhores políticos se masturbam, pelo prazer que isso lhes dá. Então não seria melhor dedicarem-se à internet, como o Dr Magalhães, e irem comprar o livro?

Em gente honesta até dá gosto ir votar

Cada vez me sinto mais rídiculo na minha condição de português. A única coisa que me vai mantendo a auto-estima - como agora é fino dizer-se! - à superfície é o facto do Dr Barroso me ter prometido que íamos ser o primeiro país da Europa, mesmo que não saiba se ele já se terá esquecido ou não. E, verdade seja dita, também não sei com que intenção o dizia, mesmo falando sério, sem o mínimo sorriso a aflorar-lhe aos lábios. Isto porque mesmo os mais sérios, como ele, gozam connosco que se fartam sem a gente dar por ela. E, sendo assim, poderia querer referir-se ao atraso nos horários, na saúde, na indústria, na economia, no comércio. Ou à liderança no número de casos de tuberculose, de sida, de consumo de álcool. O que desde logo nos faria destacar do pelotão e caminhar isolados para a meta e para a vitória.

Ainda ontem, num outro "post", falava das condições de trabalho, satisfatórias, que o país assegura, muito justamente, aos que o servem dedicada e desinteressadamente. Os autarcas são dos que mais se esforçam por conquistar as boas graças dos seus munícipes. No norte fez história a benemerência do major Valentim que chegou, no decurso das campanhas eleitorais, a distribuir galinhas poedeiras ou para canja e televisões a cores, com ecran de 51 centímetros, para que os eleitores pudessem ver o Boavista no conforto dos seus sofás. Alguns deles tiveram depois o gesto grato de o convidar para a patuscada, oferecendo eles o vinho e a broa.

Recentemente os jornais noticiavam que alguns autarcas do área metropolitana do Porto vinham, ilegalmente, a receber os ordenados por inteiro dos cargos de presidentes de câmara e de administradores daquilo a que, por megalomania, teimam em chamar Metro do Porto. O Sr major não, que não precisava, tinha dito para fazerem as coisas direitas porque os seus biscates lhe dão sempre para os pequenos almoços. O Dr Rio, questionado sobre o assunto, foi claro e objectivo dizendo que cumpria rigorosamente a lei. E quando o inoportuno jornalista se não conformou em saber que o Dr Rio não estacionava o automóvel em transgressão, não agredia os funcionários, não insultava as empregadas da limpeza, não matava e não assaltava bancos, insistiu com a questão. E o ordenado, tem recebido por inteiro? É de boas maneiras o Dr Rio, como se sabe, como se tem visto e tomado conhecimento pelas intervenções do Sr. Pinto da Costa. Por isso se conteve, passou a mão pelo cabelo e voltou a declarar, com mais forte convicção ainda, que cumpria muito rigorosamente a lei.

Vai daí que dias atrás a Junta Metropolitana do Porto se reuniu para designar os presidentes de câmara que terão assento no Conselho de Administração do Metro do Porto. A reunião decorreu normalmente, não tendo sido pacífica nem lhe tendo faltado polémica que chegasse. E, no meio dessa normalidade a que vamos estando habituados, aprovou a recondução dos mesmos administradores: o major Valentim, o Dr Rio, o Sr Narciso e o engenheiro de Vila do Conde. O Dr Menezes, de Gaia, já em tempos tinha dito que precisava de ganhar tanto como os outros porque ainda tem filhos a estudar e hospeda em casa uns sobrinhos lá de cima, que também comem. Agora exigem tratamento idêntico o Dr Bragança, da Maia e o Sr Macedo, da Póvoa. Porquê? Ora, porque está previsto que o metro venha a passar ou a chegar aos seus concelhos, que é quanto basta para lhes dar uma trabalheira do caraças.

A questão é perfeitamente pacífica em relação a um aspecto. A determinação unânime em servirem mais e melhor as populações dos seus municípios, que poderão viajar de metro não se sabe ainda quando, a preços do arco da velha. Quanto a saneamento básico, habitação social, saúde, educação e outras ninharias, a culpa da situação até lhes não pertence. Em alguns casos vem do mandato anterior, dos que agora são oposição. Quando isso não acontece, ainda é herança do facismo!

20 de dezembro de 2003

A justiça funciona ou não?

Terminou hoje, com um discurso muito formal do Dr Barroso, um congresso sobre a justiça. De uma forma geral toda a gente conclui que também a justiça está em crise e o governo, pela boca do seu líder, anuncia para o próximo ano um conjunto de iniciativas legislativas com o objectivo de contribuir para a melhoria do estado de coisas actual.

Mas toda esta quase unanimidade não deixa de ser equívoca, de sugerir um conjunto de questões e de nos fazer recordar acontecimentos bem recentes. Quer queiramos quer não o processo da Casa Pia não condicionou apenas os passos políticos do Dr Ferro. Trouxe, e vai continuar a trazer à superfície uma série de situações. Em primeiro lugar tem sido uma montra permanente daquilo que de facto é o país.

O Sr Carlos Cruz é detido e os responsáveis pelos vários sectores da justiça apressam-se a reclamar que a justiça funciona. Ainda antes de ser detido, e temendo pela eminência da detenção, o mesmo senhor pede ao Procurador Geral da República que o receba, e este recebe-o. Naturalmente para que a justiça funcione. São detidas novas personalidades e volta a afirmar-se que a justiça continua a funcionar. Os advogados contratados para defender os arguidos aparecem nas televisões, falam nas rádios, são entrevistados para os jornais. Os seus clientes, naturalmente, são inocentes e nem sequer sabem de que são suspeitos. Apresentam recursos atrás de recursos. Se o Tribunal da Relação os recusa é porque a justiça funciona e, se os acolhe, é ainda porque a justiça funciona.

Agora, de repente, de acordo com as conclusões de um congresso, a justiça está em crise. E está! O ano que passou apenas confirmou que, como se ouvia dizer, ela não funciona de maneira nenhuma e muito menos é igual para todos. Quando muito é mais igual para uns do que para outros, como quase tudo na vida. Os suspeitos sem visibilidade pública não tiveram tempo de antena, os seus advogados não foram perseguidos como o juiz Rui Teixeira para falarem à comunicação social, os seus processos apenas foram hibernando sem que ninguém se preocupasse muito com eles.

É caso para nos perguntarmos em que ficamos, mesmo que já soubéssemos que, como no resto, tudo isto é triste, tudo isto é fado!

19 de dezembro de 2003

Política e futebol: a mesma promiscuidade de sempre

Em Fevereiro de 1999 foi celebrado o muito contestado, injusto e perfeitamente escandaloso acordo entre o Estado e os clubes de futebol para que estes regularizassem dívidas computadas em 58 milhões de euros, o equivalente a pouco menos de doze milhões de contos. Hoje, passados quase cinco anos, o jornal Público vem revelar que apenas oito milhões, o equivalente a cerca de um milhão e meio de contos, foram entretanto pagos.

Que se saiba o acordo não foi denunciado pelo Estado que, pelos vistos, também nada fez para cobrar valores que lhe são devidos e que os devedores reconheceram publicamente. Em vez disso a classe política continuou a ocupar os camarotes dos estádios, sem pagar bilhete, a ir a finais internacionais e, por vezes, a entrar em polémicas com a gente da bola. Mais do que isso! O Estado contribuiu significativamente para a construção de dez estádios para o Euro 2004, directamente, por via de institutos públicos - uma invenção para facilitar a irregularidade - ou por intermádio das autarquias que, como se sabe, são entidades privadas.

Que eu tenha conhecimento ninguém contestou o valor das dívidas ou a veracidade da revelação do Público. E o presidente da Câmara de Gondomar e da Liga de Clubes, com um pé em cada uma das tábuas, a ver se não cai à água, veio pronunciar-se sobre o assunto para assacar responsabilidades ao Governo e à Santa Casa da Misericórdia que, em sua opinião, também falharam. Não evitou o disparate, ou então julga-se um homem com muita graça, acabando por acrescentar que os clubes agiram de boa fé e que devem ser vistos como bons pagadores que de facto são. De resto todos os clubes estão inscritos nas provas oficiais depois de terem apresentado certificados confirmando terem regularizadas as respectivas situações fiscais. Certificados? Emitidos por quem e quando? Com tão bons pagadores como estes é questão de darmos tempo ao tempo: acabaremos atrás de toda a gente. Não é só atrás da Grécia!

De facto às vezes é muito melhor o comportamento do Dr Madail: sempre que se tenta contactá-lo nunca se encontra!

Pacientemente à espera de Godot

Por questões relacionadas com erros cometidos pela incompetência da Telepac, já reclamados uma, duas, dez vezes e ainda não corrigidos, ligo um número telefónico que indicam nas facturas. Fico quinze minutos à espera que me atendam, ouvindo uma música incaracterística de que não gosto e algumas outras alarvidades já fora de prazo.

Finalmente uma voz feminina que me atende e que nem chega a ouvir o que tenho para lhe dizer e para reclamar. Dirige-de-me com o mesmo carinho com que o Paulinho Santos se atirava, de carrinho, às pernas do João Pinto. Para cúmulo a chamada cai e fico pendurado pelo pescoço como o pai Natal de plástico insuflável da loja aqui em frente. Como um enforcado. Ao menos isso poupou-me os hematomas nas canelas!

Solução: começar tudo do princípio. Mais quinze minutos de espera a ouvir música e disparates até ser atendido por uma voz masculina. Surpreendentemente mais correcta e simpática do que a da sua colega anterior, mesmo para mim, que continuo a preferir as mulheres. Sempre com medo de que a chamada voltasse a cair e eu tivesse de reiniciar o percurso, fui contando a minha história. Pela primeira vez fui bem atendido por alguém da Telepac, com correcção e que se interessou - deu pelo menos essa impressão - por resolver as questões que lhe foram colocadas.

Fico a saber que aquilo é um "call center", expressão creio que directamente importada do dialecto mirandês, e que para melhoria dos serviços funciona assim. Quer dizer, não funciona. E fico a contas com os meus botões, a repetir em múrmurio: é o progresso, estúpido!

Finalmente políticos e gestores são tratados como gente. E rima!

Uma das características que sempre me agradou mais no professor Cavaco - para além da agilidade em subir aos coqueiros sem levar com os cocos na tola! - foi a sua permanente boa disposição, o seu ar jovial e sorridente, a sua ironia e o seu inatingível sentido de humor. Humor fino, de salão, política e socialmente correcto, culto. Nada de ordinário como o pouco que o Sr Herman José tenta fazer nos seus programas em que a melhor anedota é o "cachet" que lhe pagam, sendo certo que quem se diverte é ele.

Recordo-me de quase me ter escangalhado a rir, como o professor Marcelo no domingo passado, quando ouvi o professor Cavaco, anos atrás, dizer que como primeiro ministro de Portugal ganhava o equivalente a um dos motoristas do chanceler Helmut Kohl. Perguntei-me na altura porque raio não teria ele emigrado em vez de ter ido fazer a rodagem do carro novo para a Figueira da Foz. E mantive-me na dúvida, sem resposta, até hoje.

Hoje fico a saber que afinal o professor Cavaco era um homem de ideias largas, que olhava para o futuro, não se ficava pelo imediato. Tinha esperança que as coisas pudessem melhorar com o tempo e com a União Europeia. Por isso se ficou por cá, sem emigrar, e tinha razão. Deve estar roído de inveja e frustrado porque a ideia foi dele. Reste-lhe a antiga satisfação de saber que nunca tem dúvidas e que raramente se engana. Mesmo que essa seja hoje apenas para contar aos netos.

Nos dias que correm, apesar da crise de que persistentemente fala a Dra. Manuela e da retoma em que insiste o Dr. Barroso, o que está a dar é ser político ou gestor que, afinal, são uma e a mesma coisa. Os gestores saltam para o governo e os governantes para a gestão das empresas tipo pescadinha de rabo - sem ofensa! - na boca com a mesma facilidade com que o Dr Santana diz que nunca pensou em ser candidato a presidente da república. As coisas mudaram e, ao que parece, até o Dr Almeida Santos deixou de ser cliente certo e habitual das casas de prego da baixa coimbrã, por insuficiência do ordenado para as despesas da farmácia.

Um comandante geral da GNR, que amanhã bem pode ser ministro da cultura ou gestor da CP, pode escolher dois a três carros topo de gama, sem limite de preço, marca, modelo ou mesmo cor, três motoristas, gasolina, gratificações sigilosas no fim da comissão de serviço, ajudas de custo, despesas de representação, contas de telefone fixo e móvel, secretária particular, - não se indica para que serviço! - um chefe de gabinete e pelo menos dois assessores. Pena mesmo é que o ordenado seja sofrível: apenas na ordem dos mil contos mensais, que aforram. Se fosse um bocadinho maior sempre podiam aforrar mais, às taxas de juro que a banca paga não se consegue ganhar nenhum.

Os deputados e os membros do governo não têm também nenhuma razão de queixa e, exactamente por isso, anda o Dr. Almeida Santos mais sossegado. Os deputados gozam de um estatuto especial que eles próprios redigiram e aprovaram, em que se atribuiram uma série de benesses, são intocáveis - como aquele deputado de Águeda que entrou no parlamento mudo para sair calado e nem à justiça se apresenta, a prestar declarações - têm um ordenado na casa dos setecentos contos mensais, despesas de representação e ajudas de custo. Têm é sempre muito trabalho político a desenvolver, em Sevilha, no México e até mesmo no Japão e na Nova Zelândia, o que os força a muitas e cansativas viagens. Em classe executiva, é claro! O trabalho é tão desgastante que nem os futebolistas imaginam o que é trabalhar e ter uma carreira curta. Por isso, muito justamente, têm ao fim de dez anos de exercício de funções o direito à reforma vitalícia e por inteiro.

Percebe-se, por isto, porque é que a elaboração de todas as listas de candidatos é sempre tarefa tão difícil e complicada, com todos os muitos patriotas disponíveis a porem-se em bicos de pés. Percebe-se mesmo que, embora desgastados pelos sucessivos e longos mandatos, os que lá estão se mantenham disponíveis no seu patriotismo e dispostos a continuar, a bem do progresso nacional. Percebe-se mesmo porque é que tão pouca gente é detida e porque é que quase a mesma gente acaba por ser solta. E, pensando bem, percebe-se também porque razão os tribunais mandam os ladrões em liberdade e passam vigorosas reprimendas aos equivocados agentes da autoridade que os prenderam. Às vezes os pequenos também têm direito à vida, não é?

... e ele faz alguma ideia?

Ouço, nas notícias desta manhã, que o ministro da desorganização interna vai hoje à Assembleia da República para explicar as recentes trapalhadas ocorridas com a Brigada de Trânsito da GNR. Que, aliás, continuam!






… e ele fará alguma ideia disso?

18 de dezembro de 2003

Viva a herança socialista do camarada Dos Santos

Algures, nos idos de 1976, recordo-me de uma parangona do Jornal de Angola, impressa a vermelho vivo, a toda a largura da primeira página: viva a ditadura democrática popular. Agostinho Neto era ainda presidente do MPLA e da República Popular de Angola, José Eduardo dos Santos era ministro das Relações Exteriores. As figuras históricas do movimento, regressadas do exílio ou directamente das matas, ocupavam rapidamente os lugares de topo da administração pública. O café faltava para uma só bica no país que, dois anos antes, era o quarto produtor mundial. O imperialismo americano era hostilizado nas ruas e nos comícios. Os americanos alojavam-se no Hotel Trópico e continuavam, calmamente, a explorar o petróleo de Cabinda. À venda não havia nada. As lojas, os restaurantes e os cafés estavam encerrados por falta de produtos para trabalharem. Ao porto de Luanda continuava a chegar a prestimosa ajuda soviética em orgãos de Estaline, blindados e mísseis. Contingentes de cubanos, carregando armas e dólares, desembarcavam uns atrás dos outros e seguiam para as frentes de batalha. Alguns civis, também cubanos, ocupavam lugares de direcção em orgsnismos do Estado. Os mercenários eram julgados em tribunal popular especial com a acusação a cargo do escritor Manuel Rui Alves Monteiro. Cantinflas para os amigos de infância. O sonho, a utopia e a revolução ainda coexistiam. No governo havia brancos, mestiços e negros. Os ofícios emitidos pelos organismos públicos tinham abandonado o nosso velho conhecido "a bem da Nação" e passado a ostentar com garbo "saudações revolucionárias, a luta continua, a vitória é certa".

Nito Alves, negro, era ministro da Administração Interna. Revolucionariamente passeava-se pelas ruas de Luanda ao volante de um Mercedes descapotável com uma beldade loura e soviética a seu lado. À noite recolhia a um dos bairros suburbanos onde residia. Os camaradas da plebe diziam que ele não era como os outros que moravam no asfalto, residia com eles no bairro do golfe. Em teoria o mesmo adiantava que a revolução não estava completa: ainda havia brancos e mestiços no governo. Os históricos ainda se mantinham no topo, tudo passara a ser propriedade do Estado, de terras, a prédios esventrados pelos obuses e pelos morteiros, até aos mais pequenos estabelecimentos. O ministro da saúde exigia, em nome do Estado, uma compensação financeira a um jovem médico português que queria abandonar a país por ali ter tirado o curso. Encomendavam-se automóveis Alfa Romeo que chegavam a Luanda transportados em avião e punham-se a circular de imediato, mesmo sem matrículas. Começariam a aparecer estampados contra os candeeiros de iluminação pública da ilha logo na manhã seguinte. O povo viajava pendurado em maximbombos jugoslavos a que tinham sido arrancados todos os vidros.

A revolução prometia. A luta continuava. A vitória era certa. Em Portugal o Dr Soares pai já vivia equivocado mais haveria de equivocar-se muito mais. O país tardara a reconhecer o regime angolano, invocava os acordos do Alvor como se legitimasse D. Sebastião no trono. O socialismo haveria de ser metido no fundo de uma gaveta e o Dr Savimbi considerado um democrata exemplar, à semelhança do sargento Mobutu, o grande leopardo. Entretanto Agostinho Neto haveria de viajar para a URSS com o fígado desfeito e a vida por um fio. Regressaria morto. Alguém haveria de suceder-lhe, de forma dinástica, alterando a origem dos afectos que ele mantinha com o Dr Macedo, as alheiras de Mirandela e o vinho do Dão. Foi José Eduardo dos Santos, engenheiro, licenciado na URSS, novo, negro, bem parecido, inesperadamente.

As voltas que o mundo deu! O Dr Soares pai persistiu no equívoco, o Dr Soares filho viajou para Angola a visitar o democrata do galo negro, o avião acabaria a despenhar-se e a família ficaria para sempre refém de um conceito de democracia que hoje até ao Dr Portas ficaria mal. A URSS caíria feita em cacos enquanto o diabo esfrega um olho e, com ela, toda a Europa que circulava à sua volta. Em África tudo foi mais lento, mas os cubanos acabaram por se ir embora, o apoio de leste por esmorecer, a guerra por intensificar-se. Em Portugal os políticos não sabiam nada de África e continuam a não saber e mesmo o Dr Almeida Santos parece não ter por lá aprendido nada ou esquecido tudo rapidamente. Antes de um problema de raça África confronta-se com muitos problemas tribais. Para a exploração dos recursos isso é indiferente e esta é que de facto é importante.

Fazem-se eleições que os observadores dizem ter sido satisfatoriamente justas. Como acontece por cá, ninguém se conforma com os resultados, todos gritam vitória, a democracia não se impõe a ninguém. É a mesma coisa que ir libertar o Iraque à força, contra a vontade de todos. O mesmo dos Santos adere à democracia, mantem-se no Futungo de Belas, vai fazendo uma caterva de filhos. Sendo tudo propriedade colectiva enriquece tanto que nem ele sabe quanto. Dá lugares políticos a cidadãos estrangeiros que a justiça persegue como traficantes de armas. Finalmente hoje casou uma filha e juntou na capital angolana uma série de celebridades durante dias, como se fosse um casamento cigano. E junta Cinha Jardim a Durão Barroso, o costureito Augustus ao marciano Nascimento, o pintor Quaresma à filha de Saydi Mingas. O Dr Carrilho e a sua Bábá não são citados no jornal, ou por esquecimento ou porque não couberam na lista de convidados.

Entretanto a população de Luanda, em menos de trinta anos, cresceu quase dez vezes. A fome e a miséria terão crescido cem. As crianças vivem na rua e alimentam-se no esterco, conservam-se analfabetas, estropiadas e sem futuro. O presidente governa, o casamento é muito elogiado, toda a gente gostou, os noivos seguem para Portugal em lua de mel. O Dr Barroso fez questão em se deslocar a expensas próprias e regressará feliz, apesar do dinheiro gasto na prenda. Haverá muito quem aplauda. Eu não, e nem a ironia me ocorre!


O Dr. Santana aperta o cinto

Não havendo nenhuma razão de força maior para não acatar as recomendações da Dra. Manuela, porque haveria de ser diferente o comportamento do Dr. Santana na Câmara Municipal de Lisboa? Por nenhuma, naturalmente. E o mesmo tem sido inflexível desde que esmagou o seu adversário político por cerca de mil votos nas últimas eleições para as autarquias. Chegado à Praça do Munícipio, assinado o termo de posse, ocupado o gabinete e sentado à secretária, começou desde logo a decidir no intuito de reduzir despesas aos munícipes que começava a servir.

Assim, terá congelado as admissões de pessoal, deixado de prorrogar os contratos a prazo, eliminado as horas extraordinárias, permitido que os bobis se servissem dos recantos do Parque Eduardo VII e limitado os aumentos salariais a zero. Com algumas simples excepções de recrutar alguns assessores necessários ao seu aconselhamento, atribuir-lhes telefones domésticos, telemóveis, carros de serviço e garrafa de Martin's 20 anos na Cova da Onça a par com ordenados que lhes permitissem sobreviver sem terem vergonha dos vizinhos.

Não satisfeito com os resultados, foi mais longe. Congelou as compras de material de expediente, as esferográficas Bic cristal novas passaram a ser distribuídas aos funcionários contra a apresentação das já gastas, nenhum poderia exceder o consumo trimestral de uma caixa de clips e de outra de agrafes. Acabou com o mau hábito do café a meio da manhã, a expensas do município, e mandou que se conservassem apagadas as luzes do edifício e das redondezas passando o papel velho a ser utilizado para rascunhos, suprimindo a compra dos blocos anteriormente usados. Com a excepção de poderem adquirir aquilo que quisessem ele e os senhores assessores, aos quais os utensílios e o café eram perfeitamente indispensáveis para que funcionassem.

Apenas sendo conhecido na linha e nas docas, e mesmo assim apenas a horas tardias, achou por bem pendurar o retrato junto a cada buraco que tapava, a cada árvore que mandava podar, a cada cão que aprisionava no canil depois de ter sido apanhado em flagrante no Parque. Homem modesto e poupado com o seu dinheiro, foi gastando do que pertencia aos cidadãos, sempre na melhor das intenções. E hoje, de novo à custa deles, diz vir prestar-lhes contas e publica milhares de contos de publicidade em cinco jornais diários. Para dizer que tem gasto menos do que o seu antecessor e apontando-lhe o dedo acusador. Como se um qualquer ladrão pudesse ser ilibado do crime desde que denunciasse um ladrão ainda maior. É claro que o Dr. Santana não é um ladrão, as verbas envolvidas assumem tal dimensão que se lhe dará certamente outro nome. Roubo, como sabem, é de servente que se apropria de cinco contos. Quando se chega aos milhões já nem sequer se trata de desvio, tão pouco é condenável e, inversamente, contribui decisivamente para a construção do currículo.

Amanhã, e como isso é à custa do munícipe, o Dr. Santana deveria mandar inserir publicidade idêntica a prestar igualmente contas daquilo que a Câmara tem gasto em habitação social, em saneamento básico das zonas mais degradadas, em recuperação de edifícios situados nas mesmas zonas, no combate ao tráfico e consumo de drogas, no tratamento dos toxico-dependentes e na melhoria das condições de vida do lisboeta em geral, incluindo o ensino. Deveria fazê-lo para que os mal intencionados - como eu, que nem sequer, graças a Deus, sou seu munícipe! - não venham a interpretá-lo erradamente. E digo isto porque de fonte segura sei que se tem preocupado muito com as questões enunciadas. Especialmente à mesa do Gambrinus e nos bares das docas, sempre com companhia e com um copo de Martin's de 20 anos na mão. Amén!

A segunda armada invencível e o coliseu da cidade

Algumas dezenas de pequenas embarcações artesanais de pesca, vindas de Setúbal onde se encontravam inactivas por força de benefícios comunitários que indemnizaram os proprietários e mandaram para o desemprego os pescadores que nelas trabalhavam, aportaram ontem ao Cais das Colunas e, à força dos remos, subiram até ao topo do Campo Grande, onde se detiveram.

A orgia estava preparada e, sabendo o que os esperava, os maltrapilhos, ainda mal acabados de chegar, aos gritos e carregando remos, varapaus, trancas, pedras e o mais que tiveram à mão, em desordenada correria, invadiram o coliseu da cidade, réplica rigorosa do Coliseu de Roma. A pequena multidão que se acumulava nas galerias pôs-se de pé, invetivando os intrusos e chamando-lhes nomes às mães. Não se deixaram estes intimidar e um pescador mais corpulento, vindo de Matosinhos, pôs-se à cabeça do grupo como um Ben-Hur a ganhar mais de cinco mil euros por mês.

Depois foi o que se viu. A arena estava mal tratada com erva que ali parecia ter medrado nos últimos três meses. Fossem os leões herbívoros, o que neste caso teria dado jeito, e já a teriam pastado toda. Para próximos eventos que, como este, venha a ser organizado pela D. Cinha Jardim, sugere-se que oito dias antes do espectáculo se mandem vir coelhos da Madeira, peça de caça que o Dr. Alberto João não aprecia. Ficará a arena mais própria para a degola dos inocentes, podendo ver-se de forma muito mais excitante o sangue que lhes escorrerá das entranhas. O desenlace foi o oposto do que se desejava e, à custa de pauladas, arremesso de pedras e mesmo de força braçal, os meliantes exterminaram em hora e meia os reis da selva de cuja ferocidade vinha tratando o engenheiro Santos, que conseguiu escapulir-se no fim.

A sociedade portuguesa dos animais emitiu ainda ontem um comunicado repudiando os acontecimentos e reclamando que os leões sejam deixados em paz, bem como todos os outros bichos, mesmo voadores ou cuspidores de chamas. Exige também o mesmo comunicado que os maltrapilhos plebeus se confinem às margens do Sado onde se poderão dedicar a ouvir as poesias ordinárias do Sr. Bocage e, se assim o desejarem, a queimar em piras de lenha de pinheiro os infiéis que tenham faltado à missa de domingo ou atentado ao pudor, mijando atrás de alguma palmeira da avenida Luísa Todi.

Nos mares fomos nós sempre os primeiros

E vamos continuar a ser, custe o que custar. Depois, é claro, do Francis Drake a que esses bastardos ingleses continuam a tratar por "Sir", como se ele fosse o Elton John. Foi assim que iniciámos a longa e gloriosa cruzada, ao encontro do desconhecido, para tantas descobertas, tantas glórias, tantos carregamentos de pimenta e de cravinho para governo de el-rei, nosso senhor! Partindo da "ocidental praia lusitana" para a incomensurável epopeia que o nosso Camões acabou cantando em versos alexandrinos.

Começámos por chegar à Madeira, conjunto de ilhéus escarpados e agrestes, vazios de tudo como hoje são as desertas. Não havia nada, nem vinho porque os ingleses chegaram para o fazer já depois de nós, nem bananas porque ainda se não conheciam as bananeiras, nem sequer Alberto João nenhum, porque nenhumas escavações arqueológicas tinham sido feitas. E colonizámos o arquipélago que, naturalmente, explorámos. Naus e naus carregadas de nada aportaram a Lisboa, para deslumbramento da nobreza e trabalhos de descarga da plebe faminta, rota e descalça. Exactamente como hoje, de onde, com fartura desmedida, nos continuam a chegar pedidos de dinheiro e de voos mais baratos para os indígenas virem ao continente ver a bola. Que a Dra Manuela, digna herdeira do Conde de Oeiras, se apresta a satisfazer para glória da república e satisfação do gentio.

Passámos pelos Açores onde não havia vivalma que soubesse o que era o mau tempo no canal, que pudesse experimentar-lhe a insana violência ou descrevê-lo como Nemésio. E seguimos expedição a expedição, costa de África abaixo, plantando padrões pelas praias, dobrando o Cabo da Boa Esperança e chegando à Índia e ao Japão. Onde, de espanto, os naturais presentearam os nossos antanhos e ficaram de olhos em bico, até hoje. Deixámos marcas que o tempo não apagou, até mesmo pelo Brasil, onde Cabral acabou por aportar à força dos ventos que não eram de feição.

Agora, dois dias atrás, quando um navio de casco único, é localizado transportando carga perigosa a curta distância da nossa área exclusiva, fazemos justiça ao nosso passado e à nossa história. O Dr Portas assume-se como ministro da marinha e esquece-se, para esta campanha, da guerra do Iraque onde não são as suas forças que pelejam. Enverga, lesto e orgulhoso, o seu traje de marinheiro. Toca a reunir e agrupa, à falta de submarinos que ainda não comprou, toda a frota pesqueira que um sacana de um comissário europeu qualquer já tinha lançado em doca seca. Assume o comando da invencível armada, de peito exposto ao vento e às marés, sente que os olhos se lhe marejam de lágrimas patrióticas e segue a vigiar o perigo que ameaça poluir a zona. E, como Diogo Cão nos deixou mapas que lhe ensinam o caminho, segue a escoltá-lo até à Cidade do Cabo!