Por uma vez, tinha que ser! Hoje, finalmente, o
editorialista acaba por produzir uma peça que transborda de sarcasmo e de ironia. E isso, francamente, diverte-me, sendo certo que pretenciosamente acabo a pensar que o que me diverte a mim também diverte os outros. No seu dia a dia manifesta sempre uma intenção muito séria que termina, muitas vezes, por se não transformar numa muito séria intenção, depois da leitura. Simples questão da ordem da sementeira das palavras que não germinam ao gosto de quem paga mas de quem manda.
Mas a questão de hoje, levantando a hipótese - teórica, remota e impossível - de Portugal, este Portugalzinho colocado no extremo ocidental da Europa, com o cabo da Roca a pôr-se em pontas de pés reclamando os louros do triunfo, sofrer um sismo com a intensidade do que esbandalhou o Irão e sobre as possíveis consequências - teóricas, remotas e impossíveis - catastróficas, é para soltar à gargalhada. Então quem somos, de onde vimos, para onde vamos? Chegamos a esta altura do campeonato e temos dúvidas, é? As pessoas não atentam no humilde bom senso do Sr José Mourinho que repete insistentemente que o campeonato não está ganho, que há outros adversários na corrida, etc e tal e coisa. E só muda se por acaso um desses pretendentes disser que vai ele ganhar o campeonato para lhe retorquir: não ganhas, não ganhas, não ganhas!
Não faz naturalmente sentido perguntar seja a quem for se o país estaria preparado fosse para o que fosse, fosse quando fosse. O país, graças a Deus e aos orgãos de soberania, está sempre preparado para tudo. O português é conhecido nos quatro cantos do mundo como o campeão do desenrasca. Não se atrapalha por dá cá aquela palha e engendra sempre uma solução que é, muitas vezes, um primor de imaginação. Temos que ser fiéis ao nosso passado recente e recordarmo-nos dos bons exemplos que estão espalhados aí por todo o lado.
Centro Cultural de Belém: foi construído para nosso orgulho no cumprimento rigoroso dos padrões orçamentais impostos pelo professor de finanças públicas da Dra Manuela. Não houve desvios, não custou nem mais um cêntimo, - à altura eram centavos, embora caídos em desuso! - a comunidade internacional ainda hoje nos felicita pelo sucesso. Elogia-se-nos a preparação e o saber de experiência feito.
Expo 98: alguns anos depois o verdadeiro "know how" a vir de novo ao de cima, o mesmo sucesso, as mesmas felicitações, o mesmo enriquecimento para alguns mesmos bolsos. Desvios orçamentais, se os houve, sempre coisa ligeira, sem expressão, umas centenas de milhões, o que é isso comparado com o salário mínimo nacional, mesmo depois da última actualização? Ah!, essa dos barcos alugados para os turistas dormirem, os desvios irrisórios do tal guarda-livros da cooperativa. Ora, despeito e inveja, foi o que foi. O país encheu o peito de ar, respirou cagança, ainda hoje se congratula pela preparação e pelo saber de experiência feito.
O mundial de futebol da Coreia / Japão: mais um sucesso, a malta meteu nas malas de viagem os melhores fatos, as camisas mais garridas, centenas de camisolas com o nome do Luís Figo nas costas e o emblema das quinas colado à frente, bem sobre o sítio do coração, palpitante e eufórico. O presidente da república recebeu a comitiva - modesta, pouco mais de vinte jogadores e de oitenta burocratas, com o Dr Madail no comando - que lhe foi apresentar cumprimentos, o primeiro ministro foi lacónico mas imperativo: tragam a taça. Depois os Estados Unidos fizeram-nos meter no saco a guitarra portuguesa que leváramos e, de monco caído, os coreanos repatriaram-nos. Mas o país estava preparado para o caso de termos ganho e ainda hoje se nos enaltece o saber de experiência feito. Apenas se não sabe do Sr António Oliveira nem do cheque que, por desconhecer-lhe a nova morada, o Dr Madail teve de enviar-lhe para a posta restante.
Euro 2004: estamos já tão preparados que os dias se contam um a um. Faltam xis dias para a abertura, no estádio do Dragão. Até o Sr Pinto da Costa antecipou as coisas para estar completamente disponível na altura e, por isso, festeja hoje o seu 66.º aniversário. Parabéns! Vamos por diante, com sorte no sorteio, contra a Grécia. São favas contadas, a Grécia só já vai à nossa frente nessas histórias da União Europeia. No futebol? Isso é que era bom, estamos preparados, damos dois de partido, recrutámos um seleccionador que se propunha ganhar mundiais, quanto mais europeus, torneios regionais como se fosse em Arcos de Valdevez!
Agora essa do terramoto não lembra ao diabo. Ainda há poucos meses tivemos a experiência dos incêndios de Verão, temos presentes os procedimentos para as diversas emergências, o nosso ministro da confusão interna tem currículo, está habituado à crise, chamam-no a responder por ela, na assembleia dos deputados, quase todas as semanas, nunca se engasga e raramente gagueja. Um terramoto? Ora, isso é como dizia o Sebastião José em 1755: tratar dos vivos e enterrar os mortos. Para uns, assegura-o o ministro, já não há listas de espera nos hospitais. Para os outros, não faltam cangalheiros à porta das casas mortuárias. E pergunta-se se estaríamos preparados!...