O placard feito pelo nosso cônsul em Havana
Em Julho de 1871, já lá vão 133 anos, um tal de Eça de Queirós, acidentalmente nascido na Póvoa de Varzim e que passou à história como o nosso Cônsul em Havana, escrevia a meio de uma das farpas que cravava com a mestria de El Cordobés no lombo da sociedade portuguesa do seu tempo:
Houve este mês um pânico patriótico...
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Mas, meus senhores, antes de tudo, nós não temos marinha! Nós só temos marinha pelo motivo de termos colónias - e justamente as nossas colónias não prosperam porque não temos marinha! Todavia a nossa marinha, ausente dos mares, sulca profundamente o orçamento. Gasta 1.159.000$000!
Que realidade corresponde a esta fantasmagoria das cifras? Uns poucos de navios defeituosos, velhos, decrépitos, quase inúteis, sem artilharia, sem condições de navegabilidade, com cordame podre, a mastreação carunchosa, a história obscura. É uma marinha inválida. A D. João tem 50 anos, o breu cobre-lhe as cãs: o seu maior desejo seria aposentar-se como barca de banhos.
A Pedro Nunes está em tal estado que, vendida, dá uma soma que o pudor nos impede de escrever. O Estado pode comprar um chapéu no Roxo com a Pedro Nunes - mas não pode pedir troco.
A Mindelo tem um jeito: deita-se. No mar alto, todas as suas tendências, todos os seus esforços são para se deitar. Os oficiais da marinha que embarcam neste vaso fazem disposições finais. A Mindelo é um esquife - a hélice.
A Napier saiu um dia para uma possessão. Conseguiu lá chegar; mas exausta, não quis, não pôde voltar. Pediu-se-lhe, lembrou-se-lhe a honra nacional, citou-se-lhe Camões, o Sr. Melício, todas as nossas glórias. A Napier insensível, como morta, não se mexeu.
Das oito corvetas que possuímos são inúteis para combate ou para transporte - todas as 8. Nem construção para entrar em fogo, nem capacidade para conduzir tropa. Não têm aplicação. Há ideia de as alugar como hotéis. A nossa esquadra é uma colecção de jangadas disfarçadas! E este grande povo de navegadores acha-se reduzido a admirar o vapor de Cacilhas!
Têm um único mérito estes navios perante uma agressão estrangeira: impor pelo respeito da idade. Quem ousaria atacar as cãs destes velhos?
As coisas, felizmente, já não são bem assim. Salvo quanto a um certo pânico que, ao que parece, foi atavicamente herdado da mãe de D. Afonso Henriques. Ainda a semana passada! Com despropositadas intenções um navio de grande calado e maior tonelagem, navegando com a bandeira holandesa içada no mastro, quis utilizar as falinhas mansas como disfarce e invadir águas portuguesas como se fosse acostar ao porto da Figueira da Foz para descarregar sardinha miúda e jaquinzinhos. Armados de binóculos logo cinco vigilantes ministros se perfilaram ao longo da praia perscrutando o horizonte através do nevoeiro. Enquanto isso o ministro da pasta encomendava a redacção de um despacho lavrado em elegante cursivo inglês numa apresentável folha de papiro importado das margens do Nilo. Que solemente assinou perante a potência dos holofotes e as objectivas das câmaras de televisão. Para simplesmente decretar que não era dada autorização de acostagem por razões diversas e mais uma.
Como nunca se sabe aquilo que se pode esperar de holandeses - basta que se recorde Luanda a quem acudiu Salvador Correia de Sá! - o ministro mandou avançar duas corvetas para o limite das águas territoriais. Que logo largaram do Alfeite com um marujo à proa a largar corda braça a braça, até ao rigor das 12 milhas, nem mais uma polegada. Chegadas ao local estenderam na crista das ondas uma clara linha de fronteira em fio de pesca. Enquanto volteavem em círculo, vigilantes e atentas, com o comandante na ponte de comando bufando forte e grosso para um megafone avisos previdentes e sensatos. As peças de artilharia armadas, apontadas ao bojo do navio invasor e os marinheiros no convés, assestando armas, prontos para a abordagem, sem arredar pé, nem para mijar. Enquanto isso, envergando farda de almirante, o ministro apresentava-se nos estúdios de uma televisão de subúrbio, acompanhado de trinta e oito calhamaços de direito marítimo e mais onze pareceres jurídicos subscritos pelo ministro do ambiente. Porque nem o comentador das noites de domingo nem o assessor das gasolinas são juristas em que um ministro possa confiar, mesmo abrindo os cordões à bolsa no que respeita a honorários.
Para lá da linha, severamente mantido em respeito, o barco invasor balouça ao sabor das ondas com a numerosa tripulação alinhada na amurada. Nada menos que seis marinheiros disfarçados à civil, dos quais três travestidos de mulheres. Para o embuste, tentando simular um cavalo de Troia, a ver se pega!

Investido nas funções de primeiro ministro Santana Lopes aproveitou as passagens de borla para vir ao Porto. Como se sabe nunca antes tinha estado a norte da Figueira da Foz e, mesmo assim, de passagem, mantendo gabinetes para despacho na linha e nos estúdios da RTP. Aproveitou e fez-se acompanhar da comitiva composta por ministros, chefes de gabinete, assessores, secretárias e contínuos, assim no género de uma excursão de freguesia do alto Minho a Fátima, para assistir à missa na capelinha das Aparições e participar na procissão das velas.
Em Portugal, é da história, das enciclopédias e dos almanaques que os tomates faltam sempre quando mais se necessita deles. Seja pelo sumo natural para os que o apreciam, seja até pelas saladas em que se incluem nos dias quentes de Verão. Conjuntamente com os pimentos, a alface, a cebola e os pepinos. Pois sem tirar nem pôr o título, com a devida vénia, é retirado da edição de hoje do jornal Tal & Qual, de um texto de Ana Músico - até o nome, até o nome! - que começa assim:
Quase uma semana depois as hostes do glorioso Sport Lisboa e Benfica continuam, com a melhor das boas disposições e o mais elevado dos optimismos a celebrar o apuramento para a Taça Uefa. Salientando que, como se viu no jogo de Bruxelas contra o Anderlecht, o Benfica não deu, quanto à possibilidade dessa qualificação, a menor das hipóteses aos belgas. Nunca estes, nem de longe, nem de perto, estiveram em vias de garantir a qualificação para a citada competição. Pois!
Assessor de Rui Rio tem ordenado superior ao do Presidente da República. Pois, e daí? A mui nobre, leal e sempre invicta cidade do Porto não é, com o devido respeito, a segunda cidade do Biafra. É, com muito orgulho e o perfeito domínio do futebol profissional nas últimas duas décadas, a segunda cidade deste imenso Portugal que ainda há-de cumprir seu ideal. Membro, de pleno direito, da pujante União Europeia, liderada pelo também insuspeito José Barroso, também conhecido por Durão Barroso, actualmente com gabinete em Bruxelas e casa de praia no barlavento algarvio. Que há-de ser dentro de dez anos, segundo em tempos se decidiu em Lisboa, o maior e mais competitivo mercado do mundo, incluindo o Afeganistão, o Bangladesh e a Palestina.
Graças a Deus que está salva a honra do convento e recuperado o orgulho nacional ou a auto-estima para usar termo mais adequado a estes tempos modernos. Há dois dias atrás, depois de três jogos disputados, duas derrotas sem espinhas, três expulsões e a eliminação tardia eu próprio salientava que a comunicação social havia sido eliminada do torneio olímpico de futebol. Porque a comunicação social trata todos os assuntos como se estivesse a vender detergentes e com o mesmo rigor milimétrico que, a olho nu, se pode determinar a distância da Terra à Lua.
Não vale a pena invocar o Euro 2004. Se o país não aprendeu grande coisa em nove séculos de história não se pode esperar que o tenha aprendido em curtas duas semanas, com a Grécia a atravessar-se-nos no caminho por duas vezes de forma decisiva. Os nossos jovens partiram para as olimpíadas envergando uniformes desenhados por caros estilistas, de gravata ao pescoço e de colarinho desapertado, para cumprir calendário. Se se pudessem arrecadar as medalhas por correspondência teriam certamente participado a partir do Algarve, dominados os incêndios, enquanto petiscavam amêijoas à Bulhão Pato e se encharcavam em copos de cerveja.
O sentido do interesse nacional, da manutenção do cargo, do ordenado e das mordomias a qualquer custo, felizmente, contribuiu para que Gilberto Madail - uma indefinível figura de meio homem, meio lobisomem - que superiormente tutela a
Mais salgado do que insonso, tantos anos de trabalho queimando a vida e as pestanas. Para agora assim, acabar morto à má fila, às mãos sujas de um pequeno grupo de sacanas. Não chegam das duas mãos os dedos todos para contar os anos investidos. A escola primária, o rigor da professora, a força educativa da menina de cinco olhos e o exame brilhante, com distinção. O relógio de pulso ganho, dourado, a rebrilhar como se fosse ouro puro. Os parabéns do regedor, do abade e do padeiro. A vaidade, o orgulho, vale sempre mais ir à frente do que ser terceiro.
Meu dito, meu feito! Não há nada nem ninguém que me ultrapasse, sou definitivamente o maior, ainda posso brilhar como defesa central. O Ricardo Carvalho que se cuide, arranjei-lhe o contrato mas não lhe garanto a exclusividade do lugar. Nunca mais, até nova passagem do cometa Halley, conseguirá um presidente que tende a transformar-se no Alberto João das Antas, sob o meu comando, vencer a taça Uefa e a Liga dos Campeões. E, de seguida, encher os bolsos à custa das compras que, de saída, eu venha a propôr ao meu novo czar russo.
Estou desolado com o meu horóscopo para a semana que vai de 13 a 19 do corrente. E ainda mais desolado me confesso quando vejo serem as previsões obra de Miguel Sousa, que não conheço, mas que tem um ar simpático e marialva, com um penteado à anos sessenta, sorriso enigmático e cotovelo apoiado com a mão a segurar o queixo enquanto o polegar lhe afaga o rosto. Não são visíveis nem o telenóvel nem as chaves do carro, mas a camisa branca, com a gola passada por cima da gola do casaco escuro desportivamente desabotoado, acabam por denunciá-lo. Deve pelo menos ter um Mercedes ou um Audi, ou até ambos, arrumados numa garagem espaçosa na sua moradia da Malveira da Serra. Tudo indica que tem preparado bem os seus próprios horóscopos. Quanto a mim, mesmo que se anuncie como o vidente das estrelas, manifesto-me desiludido e desapontado.
Muitas vezes a custo o frade superior mantém a calma e impõe a disciplina, metendo a mão no fundo bolso do hábito singelo e recorrendo ao terço que lhe ofereceram em Fátima, benzido pelo Santo Padre. Persegue sempre, na fé de Cristo e na inquebrável devoção a Maria, o bem da congregação e dos irmãos que a compõem. Quando o entende necessário, como agora, emite uma nota pastoral a esclarecer a razão da sua fé e o porquê das suas convicções.
Por aquele tempo o Huambo era Nova Lisboa, o bairro de Benfica era o Bairro de Benfica, a
A cidade que Fernando Gomes diz orgulhar-se de ser património mundial cai aos bocados. Ele assobiava para o lado, quem lhe sucedeu mijava de alto, quem lá está parece que toca harmónica de boca. Um ou outro invisual, para não dizer cego, permanece sentado às esquinas, tocando concertina na expectativa esperançosa da moeda. Quando, por insondáveis razões da física, um edifício se desmorona o país para, os responsáveis abrem a boca de espanto e a polícia interdita a rua fronteira. Como a semana passada aconteceu em Lisboa onde o aluimento de ruínas a que ainda chamavam prédio e de que se cobravam rendas. Com tanto azar, segundo o presidente da vereação, que a física não cedeu aos apelos de que adiasse a queda por uma semana. Se o tivesse feito, teria sido derrotada. Hoje, religiosa e pontualmente, estariam a ser iniciadas obras coercivas, a mando da própria câmara. Ficaram desalojadas algumas cinquenta pessoas, o que não é nada se comparado com o número de metros que mede o raio da Terra ou mesmo com a lotação do estádio da Luz ou a quantidade de euros que albergam as contas bancárias do seu presidente.
Foi preciso que o governo se tirasse de cuidados, calçasse as tamanquinhas e fosse ao Porto - mais precisamente, à Rua de José Falcão - recrutar um ministro da justiça para que este descobrisse a verdadeira vocação do ministério: jogar na bolsa. Como todas as decisões inovadoras também esta, desde logo, desencadeou reacções contraditórias. Chegados do remanso bucólico da Quinta das Lágrimas ainda se ouvem os aplausos silenciosos do bastonário da ordem. Algures da tranquilidade tépida das águas do mar Egeu chega também, rápida e desabrida, a silenciosa recrimanção da ex-ministra, estendida ao sol na proa de um pequeno iate de família. De permeio, como habituais desmancha-prazeres, berram os funcionários enquanto manuseiam volumosos processos atados com cordeis e roídos pela traça. Mas, à cautela e para o que der e vier, vão dissimulando no meio das folhas amarelecidas pelo tempo alguns boletins do totoloto.
Estudantes despediram-se do Presidente cessante da República Dominicana, Hipólito Mejía, nas imediações da Cidade Autónoma de Santo Domingo, quando este tentava, num dos seus últimos actos oficiais, inaugurar uma biblioteca. O mandatário transmite ao sucessor, Leonel Fernandez, no próximo dia 16. Os estudantes explicaram a sua atitude por o chefe de Estado pretender inaugurar uma biblioteca sem livros. O incidente só não teve piores consequências por os guarda-costas de Mejía terem disparado para o ar e dispersado os jovens.
Vem isto a propósito daquilo a que o governo e os jornais chamam
Em Portugal as manifestações espontâneas são muito mais frequentes do que a canícula no Verão e o frio no Inverno. Mais frequentes até do que a facilidade com que se adormece militante de um partido político, mesmo com quotas em atraso mas com cartão retorcido arrumado a um canto da algibeira, e se acorda feito autarca como Narciso Miranda, deputado como Guilherme Silva ou ministro como Luís Nobre Guedes. Antigamente as manifestações espontâneas ocorriam na Quinta da Atalaia, no Chão de Lagoa e em Faro e eram sistematicamente acompanhadas de discursos berrados ao som ensurdecedor da música de Quim Barreiros e de uns copitos para colocar a voz e fazer fluir as palavras. Primeiro eram convocadas pelo padre da freguesia, no final da missa, antes da saída dos fieis, pelo presidente da junta ou até pelo cabo da Guarda. Menos frequentemente pelo chefe dos correios ou pelo carteiro do giro, antes de Horta e Costa se ter convertido à Opus Dei e desmantelado aquele serviço público a pretexto de preparar a privatização e aumentar a produtividade, colocando inactivas pessoas válidas e recrutando, sem concurso, os incompetentes que o partido lhe indica como comissários políticos ou afilhados do padrinho.
Se fosse vivo 