E de palhaços?
Agora estão outros no circo e não contem comigo para números de trapézio.

Foi o nome do acidente geográfico que inspirou o nome do blogue. Para, com a sensatez que a ironia permitir ou com a ironia que a sensatez aconselhar, ir dedicando a este raso país alguma rasa prosa. O país não é tomado a sério. A prosa também não ambiciona sê-lo.
Agora estão outros no circo e não contem comigo para números de trapézio.
Sobre a crença, é preciso voltar a acreditar em tudo, como se tivéssemos permanentemente a soprar-nos aos ouvidos o ex-bancário, agora bispo e proprietário do cinema Vale Formoso, Edir Macedo. Acreditar nos méritos do Sr. Trapattoni como treinador e na qualidade da equipa principal do Benfica para ganhar o campeonato. Acreditar na despoluição da ribeira dos Milagres e nas declarações do Sr. Madail sobre as dívidas do futebol ao fisco. Acreditar que o engenheiro Sócrates, uma vez empossado como primeiro-ministro, conseguirá a conversão do Dr. Soares e de sua excelsa esposa, relatando-lhes o último segredo de Fátima. Acreditar que a salvação da economia familiar está no euromilhões e não na porcaria de um qualquer emprego, com o código do trabalho tal como está ou ao gosto do Sr. Ludgero Marques.
Não são bons indícios para começo engenheiro Sócrates. O trabalho publicado na revista Visão já me pusera de sobreaviso. Por uma razão simples: quem envereda por uma vida pública não deve esconder nada, não deve ter nada para esconder, deve abdicar da sua vida privada. Porque esta vai ser acompanhada, vasculhada, devassada nos mais pequenos e insignificantes pormenores. E ninguém foi coagido a optar por essa exposição. Ela é voluntária e assim sendo deve ser transparente, sem nada na manga. O que naturalmente não dá liberdade de acção a que se lance a calúnia, se semeie a difamação, se propague o boato.
Luís Filipe Menezes era, até esta tarde, um homem que sabia demais e que era ignorado. Até ter apresentado a sua candidatura à presidência dos cacos que Santana Lopes deixará a título de herança. É lamentável que o PSD e o país tenham sistematicamente ignorado tão premonitória personalidade. Que está na política sem precisar, porque tem uma profissão. Que se candidatou a deputado garantindo ir exercer o mandato e que promete candidatar-se a uma câmara como presidente do PSD. Promete a reformulação do sistema político porque o conhece. Promete proeminentes militantes porque já subscreveu outras propostas. Promete ganhar eleições porque já as ganhou. Há oito anos que governa o município da margem esquerda do rio Douro com o sucesso que se conhece, que ele apregoa, que o Futebol Clube do Porto confirma e que o Dr. Rio contesta por egoísmo pessoal. Promete marchar sobre a área metropolitana de Lisboa, sem ajuda nem de cruzados nem de Pacheco Pereira, e reconquistá-la, autarquia a autarquia. Propõe a eleição directa pelos militantes, de forma mais democrática do que se elegem os presidentes do Benfica ou do Sporting onde, como se sabe, alguns sócios são mais sócios do que outros.
George W. Bush está hoje de visita à Alemanha. Para evitar o afluxo de curiosos, os pedidos de autógrafos e as sufocantes lambuzadelas de beijoqueiros, foram adoptadas medidas excepcionais de segurança. Isso permitirá ainda manter o dito W. Bush longe do contacto directo com vírus e bactérias a que o seu organismo possa não oferecer suficiente resistência. Desconhece-se ainda se a delegação alemã com quem manterá conversações será previamente esterilizada e forçada a usar máscara e bata branca. As ruas por onde passará foram rigorosamente encerradas ao trânsito de veículos, pessoas, mamíferos e outros animais, incluindo aves e invertebrados. Mesmo os serviços de meteorologia foram intimados a eliminar qualquer brisa, pingo de chuva, bruma ou ameaça de nevoeiro. Forças especiais de segurança, armadas até aos dentes, incluindo próteses, ocuparam telhados, sotãos, vãos de escada, estabelecimentos e passeios. Subterraneamente distribuiram-se por condutas de saneamento, impedindo os maus cheiros de chegar à superfície e ratos e toupeiras de se lançarem na perigosa aventura de escavar galerias onde quaisquer dejectos pudessem ter acolhimento. Apenas os painéis de boas vindas, envergados por cidadãos que, por precaução, foram mantidos fora de vista, amordaçados e de olhos vendados, se puderam agitar ao vento com o calor da mensagem: Not welcome Mr. Bush!
Chame-se-lhe choque ou plano tecnológico, à escolha. Mas o país vai ter muito que pedalar para se colocar ao nível dos mais avançados da União Europeia. O quadro que se apresenta, elaborado a partir de dados disponíveis no Eurostat, coloca-nos em 15º lugar na Europa a vinte e cinco, considerando os dados relativos ao ano de 2004. Os países em relação aos quais esses dados não foram disponibilizados não têm que necessariamente estar situados depois de nós. A Holanda apresenta dados muito superiores relativamente a 2002 e 2003 e é pouco ou nada provável que estejamos à frente da Bélgica ou da Suécia sobre os quais esses dados não existem.

Rei morto, rei posto. Não importa chorar sobre leite derramado. Mas fiquem, a título de rescaldo sem a profundidade da esperada análise de Luís Delgado, algumas curtas considerações.
Com vossa licença, perdoe-se-me o mau feitio, o arrufo e a grosseria. Mas exactamente agora, quando são passadas as zero horas de sábado, 19 de Fevereiro de 2005, completam-se duas semanas de merda. Durante este período nem a agricultura beneficiou, o tempo continuou frio, a seca persistiu, as sementeiras continuaram por fazer. Os nabos passaram a cortiça subterrânea, as cenouras perderam a cor e o alfobre. A concorrência entre feirantes intensificou-se, os lugares passaram a ser ocupados pelo grande capital, as bancas de venda de enchidos viraram grandes superfícies. Que editaram folhetos policromos, colaram cartazes por detrás do açougueiro, puseram música pimba a inundar os locais com potências que estilhaçaram vidros e derrubaram telhas dos prédios vizinhos.
O dia amanheceu cinzento. Varrido pelas nuvens baixas e pelo nevoeiro denso das sondagens dispondo sobre os resultados das eleições que hão-de ser. Soprando como vento em redemoinho, forte e sem sentido determinado, rodando como galinha tonta, oscilando como os propósitos patrióticos dos políticos medíocres que conduzem o país. Sete, segundo ouvi na TSF, onde um comentador político se pronuncia como se pilotasse uma aeronave sem instrumentos de navegação e sem ver a pista. Como no jogo da lerpa, vai lá no escuro, mesmo sem ter trunfo e sem ainda conhecer a mão.
Hoje realiza-se o único debate com a presença dos cinco maiores partidos com representação parlamentar. Por quanto se viu no período de pré-campanha, no anterior debate com a presença de Santana e Sócrates e no período de campanha já decorrido, um só debate é excessivo. Mascara-se o acto de democracia, sentando à mesma mesa quem tem 105 deputados, como o PSD, com quem dispõe de apenas 3, como o BE. Os partidos sem representação parlamentar, bem como os eleitores, ficam de fora. O sistema político limita-lhes a participação cívica à deposição de um papel num caixote de madeira, em data fixada pelo Presidente da República, e o forçado retorno à apagada e vil tristeza de todos os dias. Até ao próximo acto eleitoral.
Lúcia de Jesus, uma velha freira de quase noventa e oito anos, faleceu ontem em Coimbra na mesma clausura em que viveu as últimas décadas da sua vida. O português comum, aquele que se levanta meio de madrugada, que se apressa para apanhar os transportes, que ansiosamente espera pela hora para picar o ponto e sair do emprego, dificilmente ouviu falar desta religiosa. Identifica-a de imediato se lhe falarem dos pastorinhos de Fátima, aqueles que, nos idos de 1917, foram os privilegiados videntes das diversas aparições de Nossa Senhora na charneca da Cova da Iria.






A montanha pariu dois ratos. Não pela irreverência, pelo irrequietismo ou pela argúcia. Ao contrário: pela pequenez, pela falta de ideias, pela ausência de projecto. Mais do que isso: pelo medíocre comportamento. Bastou que lhes chegasse ao nariz o perfumado aroma de um queijo suíço para que tentassem correr à desfilada e se atirassem a ele de cabeça. Tão desajeitadamente que ambos acertaram num buraco, estatelando-se do outro lado, dando de costas no empedrado. O Gruyère manteve-se intacto, à espera de quem se fizesse acompanhar de uma bolacha adequada e soubesse saboreá-lo com o requinte que merece. Moral da história: há queijos que não merecem morrer ingloriamente nos caninos de qualquer rato.

Com a campanha eleitoral os colos que por aí mais abundam são de natureza política. Dispenso-os! Acolho-me a um regaço que me sirva algum entretenimento e consiga divertir-me alguma coisa: a vida está difícil, o ordenado curto, a retoma só chegou aos lucros da banca. Sintonizo a TSF onde lamento que o Sr. Jorge Perestrelo não possa ocupar toda a emissão, de 24 horas por dia, com entusiasmados e sabedores relatos da bola. Contento-me com uma coisa a que chamam fórum, no qual as pessoas podem participar desde que se inscrevam previamente, se disponham a perder uma hora agarradas ao telefone e vejam a chamada cair três vezes. O que ainda é pouco porque num programa que visa o entretenimento não se podem admitir participantes que pensam ser sempre sérias todas as palavras que dizem, mesmo quando repreendem os filhos ou ouvem o sermão do púlpito abaixo.
Paulo Portas foi hoje à RTP para a entrevista com Judite de Sousa. Dela já bem se sabe o que se pode esperar: pouco. Dele também já bem se sabe o que se consegue: nada. Não foi uma pobreza franciscana porque seria injusto estar a culpar da aridez do confronto a memória de S. Francisco, coitado. Mas, no conjunto, assistiu-se a mais um diálogo entre o burro e a Júlia Pinheiro, com o evidente triunfo daquele, que tem muito mais matreirice acumulada.

A Administração Regional de Saúde do Norte indica que nesta região do país há 60.000 pessoas em lista de espera para uma cirurgia. O Ministério da Saúde, que por acaso até tutela os primeiros serviços, diz serem apenas 45.000 pessoas. O resto é um edificante diálogo de surdos que decorre com a elevação da pré-campanha eleitoral, sem ataques pessoais e sem insinuações de nenhuma espécie.