Analogia, casualidade ou nem por isso?
A Itália é uma península com o feitio de uma bota. Portugal é um deserto com uma bota que não sabe como descalçar.

Foi o nome do acidente geográfico que inspirou o nome do blogue. Para, com a sensatez que a ironia permitir ou com a ironia que a sensatez aconselhar, ir dedicando a este raso país alguma rasa prosa. O país não é tomado a sério. A prosa também não ambiciona sê-lo.
Os líderes dos principais partidos políticos, como é normal, não sabem a quantas andam. Mas, com a aproximação das eleições para o parlamento europeu, ainda se enervam mais, confundem datas, metem os pés pelas mãos e não sabem o que dizem.
O cidadão português não é exigente. É ignorante, convencido e injusto. Com a sobranceria dos trinta por cento de analfabetismo mantém a convicção de ser o melhor do mundo e acha ter sido tramado por tudo e por todos quando isso não acontece. E, como sabemos por experiência própria, nunca acontece.
Ainda agora, na edição de sexta-feira, o Jornal de Notícias publica uma fotografia do Sr José Eduardo Martins, ilustríssimo Secretário de Estado do Ambiente, e cola-lhe ao lado uma seta com o bico virado para baixo acompanhando-a do seguinte texto: "Mas que proposta! Como é que se pode multar quem não separa o lixo? Vigiando os caixotes? Remexendo os sacos à procura de indícios?". Para começar, a seta e o texto estão a mais: o jornal não tem que emitir opinião, tem apenas que noticiar. Um secretário de estado é um responsável político, como um presidente de uma junta de freguesia. É uma pessoa de respeito. O que pensa que faz, pensa sempre também tê-lo feito a bem da comunidade, no interesse nacional, patrioticamente. E, no caso vertente, já bastava o ar espantado do secretário de estado como se fosse perseguido por uma brigada completa da polícia de trânsito ou pelos cobradores de fraque da Dra Manuela Leite.
O Benfica é, a partir de hoje, também uma instituição centenária. Começou por ser um pequeno grupo, cresceu, ganhou estatuto, atravessou fronteiras. Acabou, como o país e à semelhança deste, a vogar num mar alteroso, pejado de dificuldades, indo além daquilo que era humanamente possível. Improvisando e acreditando que o improviso é a chave para o sucesso. É indiferente que tenha seiscentos mil ou seis milhões de adeptos. O Benfica é, honestamente, uma instituição que ganhou o estatuto de não pertencer à Travessa do Jardim do Regedor, de não pertencer à cidade de Lisboa e de não pertencer ao país que é Portugal. O Benfica para mim, que não sou sequer benfiquista, é uma instituição que pertence ao mundo porque, à sua medida e com a sua glória, se foi apoderando dele. Os centenários, sejam do que for, são para felicitar. E por isso, sinceramente, quero aqui lavrar o registo dessas felicitações.
Mas não deixei de me surpreender hoje com a evocação que durante um jantar de ontem foi feita dos ex-presidentes que ainda vivem e onde se integram nomes de grande admiração e prestígio. Chocou-me que não tivesse sido referido o nome de Vale e Azevedo, que toda a gente sabe estar preso. Condenado num caso, suspeito noutros. Também aqui que ele seja herói ou vilão é perfeitamente irrelevante. Ninguém pode apagar a sua história e ninguém o deve fazer. Ninguém omite da história nacional que temos os reis que julgamos indignos do país que somos. Concorde-se ou não com as suas ideias e com a sua prática, Salazar foi presidente do Conselho de Ministros e figura dominante do século passado. Bom ou mau, honesto ou não, inocente ou culpado, Vale e Azevedo foi presidente do Benfica. O Benfica foi, é e será sempre superior a quem o serve e muito mais a quem dele, eventualmente, se tenha servido ou pretendido fazê-lo. A sua glória é superior à de qualquer pessoa e prevalecerá intacta, aconteça o que acontecer.
Boa noite a toda a blogosfera. Com licença do Dr António Lobo Antunes, boa noite também às coisas aqui em baixo. Hoje voltei a Ourém e acabo de regressar. A cidade continua intransitável, com obras em pleno centro, que nunca mais terminam. Tudo ao mesmo tempo, tudo no período de inverno, tudo a monte e fé em Deus, segundo a táctica do José Maria Pedroto.
O largo, o do alentejano Manuel da Fonseca, nesta transição para o Ribatejo, em frente ao Café Central, morreu. As árvores foram arrancadas, calcetou-se tudo de novo, num arranjo que não diz com os edifícios fronteiros. Com pretensões de grande cidade, onde a mesma solução é ainda mais estúpida, plantaram-se pinos cuja função, teoricamente, será impedir o estacionamento em transgressão. Não impedirão coisa nenhuma, serão torcidos, partidos e arrancados como vem acontecendo nas cidades onde já foram adoptados. Porque também nisso Ourém é única: não há onde estacionar em lado nenhum. Mas, mesmo assim, há parcómetros ao longo de toda a avenida que, recorde-se, é a estrada que liga Leiria a Tomar.
À falta das conferências, renovou-se a tourada. Já não só de Verão, às quintas-feiras, transmitidas em directo nos serões da RTP. Já não há pachorra para assistir à barbárie de carregar sobre touros indefesos, espetar-lhes ferros afiados no dorso e, depois de sangrados, retirá-los da arena para abate e venda como carne para bife nos supermercados. Não! A tourada, arrogante, convencida e inútil, transferiu-se para o hemiciclo de S. Bento. Onde, de mês a mês, comparece o governo como quem presta contas à mulher a quem, ao modo antigo, nunca sequer deu mesada para o governo da casa.
Na última quarta-feira as atenções do país concentraram-se no novo estádio do Dragão, no Porto, onde se disputava o encontro de futebol entre Futebol Clube do Porto e o Manchester United. Como habitualmente os políticos apinharam-se, pondo-se em bicos de pés e esticando perigosamente os pescoços como se fossem girafas, na expectativa de que alguém conhecido lhes acenasse com o rectângulo mágico de um convite para a entrada.
Durante anos a fio andámos a apregoar, em termos de competição olímpica, o facto raro de termos ganho uma medalha nas provas de vela. Depois, pela mão do eterno Mário Moniz Pereira, o atletismo português adquiriu visibilidade, garantiu estatuto e largou Carlos Lopes pelo mundo fora a ganhar competições e medalhas.
Sua excelência a ministra da Justiça, Dra Maria Celeste Cardona, anunciou ontem no parlamento, solenemente, a intenção de eliminar os baldes higiénicos nas prisões até ao fim de 2006, como uma das medidas de grande alcance que se enquadra na reforma de todo o sistema prisional. Recorde-se que na semana passada a deputada do PSD Teresa Morais tinha apresentado um projecto de resolução com vista à erradicação do balde até 2005. Sua excelência, que funciona muito organizadamente por encomenda, foi ontem sensível à questão e assumiu o compromisso.
O serviço público é diariamente invocado no caso específico da televisão e dos dois canais que continuam a ser propriedade do Estado. Para benefício do cidadão? De maneira nenhuma! Apenas para benefício ilegítimo do Estado e do poder político que o governa. A televisão de serviço público não é diferente da privada que, aliás, reclama também para si o estatuto de serviço público. Faz por competir com ela, nas dezenas de minutos de publicidade, nas anunciadas 500 horas sobre um campeonato de futebol, na aquisição de concursos que não revestem nenhum interesse cultural e, muitas vezes, nem sequer de simples entretenimento. E na contratação de apresentadores pelos dois palmos de cara, pelo compadrio, pelo favor puro e simples.
A privatização deu os resultados que se conhecem. A empresa é um monopólio poderoso e, como um polvo, foi criando tentáculos sucessivos no campo das telecomunicações móveis, da televisão por cabo e dos acessos à internet. As receitas foram aumentando e o número de empregados reduzido, com a institucionalização do trabalho precário, seja sob a forma de contratos a prazo, seja sob a forma ilegal dos chamados recibos verdes. A qualidade dos serviços decresceu assustadoramente. O atendimento não existe. A prepotência é o lema da empresa. O monopólio consolida-se e a ténue concorrência que, nalguns sectores, chegou a sonhar, protesta e abandona o campo. Para que qualquer luta seja justa é preciso que os contendores, no mínimo, possam dispor de armas idênticas. Não é o caso.
Com isto tudo acabamos a confundir alhos com bugalhos e, frequentemente, toucinho com velocidade, coisa que não faz sentido nem para o Michael Schumaker. Com a erudição de gente letrada, que muito escreve para jornais e que muito fala de cátedra em conferências pagas, vem sendo ultimamente referida com insistência a hipótese de se verificar nas sociedades no nosso tempo uma perigosa tendência anti-semita. Não o cremos e, bem ao contrário, não se vem fazendo a confusão de coisas distintas. O problema de Israel não pode confundir-se com a generalidade semita. Que o Sr W. Bush se não oponha, não diga palavra, sobre os métodos que o Sr Sharon vem seguindo é apenas sinal daquilo que todos já sabemos. Fá-lo por ignorância, por dependência e por impotência. Não cremos que o problema do médio oriente - ou da Palestina, para sermos mais exactos! - se venha a resolver com os atentados suicidas que se têm repetido. Mas, seguramente, não hão-de também resolver-se pela construção de muros de betão armado, tenham eles oito ou vinte metros de altura. O muro resolverá tanto com resolveu o de Berlim. Do qual, não sabemos a que propósito nem com que intenções, um bocado está em exibição no santuário de Fátima. Como se fosse coisa que se adorasse!
Ninguém esperava, mesmo hoje, terça-feira gorda, que o esqueleto da Dra Manuela Leite pudesse esconder a caveira atrás de uma máscara da Barbie, a brincar de ministra das finanças numa terra de faz de conta. Aquele ar sisudo, o sobrolho carregado, as sobrancelhas densas e o fato tradicional não auguram nada de bom. Mas não era preciso chegar a tanto, o dia era de folia mesmo que o Dr Barroso ache que o país está de tanga e que o tempo, francamente, não tenha convidado muito ao seu uso, por causa dos resfriados.
Segundo as notícias que foram sendo divulgadas, sem que hoje seja o dia das mentiras, foi salientado que, devido a sinais exteriores de riqueza, o fisco está a apertar o cerco a 200 portugueses. Que descanso terão, doravante, os prósperos industriais e competentes gestores do vale do Ave que, à custa de grandes sacrifícios e muita poupança, conseguiram construir uma modesta moradia de cem mil contos e comprar automóveis para a família no valor de mais cinquenta mil? Mesmo que honestamente tenham inteiramente declarado o salário mínimo que auferem e as despesas de farmácia que suportam com a sogra, reumática, com quem coabitam?
Os denominados empresários portugueses têm andado demasiado activos. Coisa rara, atendendo, na generalidade dos casos, à provecta idade que o bilhete de identidade lhes confere e ao merecido descanso de que, há longo tempo, estão necessitados.
Depois, ainda segundo os jornais, reuniram-se 500, muito religiosamente, no convento do Beato. No seguimento de uma iniciativa patriótica do Dr Carrapatoso que, como toda a gente sabe, é o maioral da portuguesíssima Vodafone, acidentalmente com sede numa qualquer obscura "street" londrina. Para bem do país e tranquilidade das consciências enunciaram trinta princípios essenciais, tão vazio o primeiro como o último. Para preservação da espécie reclamaram, mais uma vez e com acrisolado patriotismo, a liberalização dos despedimentos. Auto-denominaram-se "compromisso Portugal" e regressaram, triunfantes, ao remanso das famílias e ao seio descaído das mulheres.
O tempo é de descontracção e divertimento até amanhã, às 24 horas. Tão falhos de imaginação como os treinadores de futebol, ocupamo-nos como eles. A dizer mal dos árbitros e a plagiarmos tácticas alheias que nos levem a pensar sermos incorrigivelmente divertidos como as gentes dos climas quentes. Enchemos o olho com o que, em tempo real e sem fingimento, nos manda o Brasil. E para reduzirmos a depressão crónica com que nascemos, juntamos aos ansiolíticos a companhia passageira e paga de figuras de telenovela. Com a crise financeira já utilizamos, em alguns casos, prata da casa, havendo que recrute concorrentes do Big Brother, dos Ídolos e, se calhar, do Quem quer ser milionário.
O destaque da primeira página diz que a economia portuguesa andou dois anos para trás em 2003, segundo a conclusão de um qualquer estudo. Brincadeira de carnaval, mal disfarçada, em letras grandes, ainda por cima na página de acolhimento. Desde logo, como conclusão de um estudo, como se alguém pudesse levar isso a sério. Em Portugal não se estuda, nem nas escolas e mesmo nestas, o pouco que se estuda não serve para nada. Depois a economia a andar para trás! Para trás mija a burra, isto é um país prafrentex, há dois anos que ninguém nos aguenta, estamos a caminho de sermos um dos países mais desenvolvidos da Europa. Se aquilo não fosse uma grosseira brincadeira de carnaval nem o Dr Santana Lopes queria ser presidente da República e andava a desafiar o professor Cavaco para a porrada.
A senilidade é sempre extemporânea e inconveniente. Apesar da idade daqueles que visita é, mesmo assim, invariavelmente prematura. Como neste caso.
O Porto já se habituou a não se admirar com nada e a interpretar tudo como fatalidades do destino. Não se admira que o Futebol Clube do Porto ganhe campeonatos seguidos apesar do Sr Mourinho se queixar da rudeza dos adversários e da parcialidade dos árbitros. Não se admira com a extensão das escavações que cada vez mais se espalham pela cidade e, se lhe disserem que são feitas a pesquisar petróleo, acredita e acha que está tudo bem. Não se admira que o Dr Dias da Cunha diga que as faces visíveis do intrincado sistema do futebol nacional são as dos Srs Pinto da Costa e Valentim Loureiro, embora estranhe que o Dr Pimenta Machado não tenha lugar no pódio. Não se admira de que o Porto tenha obtido o estatuto de património mundial, meio mundo tenha dito publicamente que o facto era uma grande vitória e que, até hoje, se não tivesse dado rigorosamente por nada. Não se admira sequer que o ex-presidente da Câmara, Dr Fernando Gomes, venha manipular números e conceitos teóricos para dizer que o norte - e naturalmente o Porto - estão mais pobres do que eram. Esquecendo-se que foi presidente de câmaras, deputado, ministro e eurodeputado e que da sua acção política em todos os cargos deveriam ter resultado, pelo menos, responsabilidades solidárias. Porque, de resto, não resultou coisa nenhuma a não ser o lugar cativo na tribuna vip do estádio do Dragão.
Não podemos é tolerar, nem que desenterremos a Maria da Fonte, é que um qualquer presidente da Câmara de Lisboa, que nem sequer figura na hierarquia, possa beneficiar de protecção pessoal por parte de agentes especiais da PSP. Por isso eles faltam onde são necessários, os roubos às bombas de gasolina aumentam, os esticões são mais que muitos, os documentos pessoais aparecidos no entulho, com fotografias irreconhecíveis, não têm conta. Enquanto isso, a quarta figura do estado percorre a pé, sozinho, apenas sob o olhar distraído do seu motorista, os vinte metros que separam o lugar de estacionamento do seu automóvel de serviço da porta que utiliza para entrar na Câmara. Ao fim de semana se vai comer uns camarões a Matosinhos - um concelho hostil, governado pelo régulo Narciso Miranda! - fá-lo por sua conta e risco e se decide ir beber um copo à ribeira de Gaia - outro concelho hostil, mas sem governo nenhum! - nunca sabe se regressará a casa são e salvo.
A investigação leva dez anos, recolheu milhares de páginas - um desperdício de papel inqualificável - que indiciam inúmeras fraudes. Visados, entre outros, o então Director Geral de Florestas e o actual Presidente da Câmara de Boticas. Terão sido indevidamente pagos valores significativos na alegada prática de crimes de corrupção, - que toda a gente sabe não existir em Portugal. O único que discorda é o Dr Dias da Cunha! - peculato, participação económica em negócio, falsificação de documentos, abuso de poder e favorecimento pessoal.
Crisóstomo Teixeira é o presidente da CP onde, mesmo não havendo lucros, não ganhará o salário mínimo e não prescindirá do uso de carro de serviço, topo de gama, e de cartão de crédito que, como se sabe, são ferramentas essenciais a qualquer inovador método de gestão. Mas ao menos este justifica tudo o que se investir, pelos métodos verdadeiramente inovadores que vem implantando na empresa.
O vitalício presidente da Câmara de Matosinhos, Narciso Miranda, visitou ontem a Escola Secundária de Augusto Gomes no âmbito de uma qualquer invenção sua a que chama "Câmara Aberta" e que, de acordo com as suas palavras, visa estimular os jovens para o exercício da cidadania. O Dr Garcia Pereira, de modo menos refinado, diria que a visita foi feita na qualidade de grande educador das gerações futuras porque, enquanto Narciso sobreviver aos pleitos eleitorais, não haverá sequer gerações presentes!
Um pequeno apontamento, por exemplo, recorda-me hoje que em 1996, vitimado por um "very light", morreu no estádio nacional um adepto do Sporting que dava pelo nome de Rui Mendes. Os tribunais condenaram a Federação Portuguesa de Futebol, a que preside o Dr Gilberto Madail - um vilão, está à vista! - a indemnizar a família. De recurso em recurso a Federação tem-se eximido a pagar aquilo a que a justiça a condenou. O que significa que a Federação apenas reconhece e aceita a justiça que passa pela cabeça oca do seu presidente. Que à custa de dinheiros alheios vive como um nababo, viaja nos aviões em classe executiva, hospeda-se em hoteis de luxo e é seguido por grupos de paquetes a carregarem-lhe as bagagens para que se não canse.
Não nos importaríamos que o país pudesse ser comparado a um circo, se este fosse da qualidade dos de Moscovo ou de Monte Carlo. Mas não é assim. Este nosso circo nacional emprega outros artistas mas, para o público, só actuam os palhaços e, infelizmente, aqueles que melhor fariam em procurar outra actividade.
O Porto, com a mania das contas à sua maneira, tem aspectos rídiculos e provincianos que, como o Dr Rio e os seus antecessores, nos fazem rir. Mas também tem coisas sérias, que devem ser respeitadas, com que se não deve brincar. Antigamente, segundo diziam, uma delas era o trabalho. Nos dias que correm são os desempregados. Daqui a pouco o único homem que trabalha no Porto é o engenheiro Belmiro de Azevedo. Porque precisa e, por isso, o faz mesmo no dia de aniversário. E sendo quase o único a trabalhar vai fazendo crescer o seu pecúlio à custa de incapazes a calaceiros a quem, ainda por cima, paga.
Ontem, por razões de ordem pessoal, não estive no Porto. Mal eu sabia o que iria perder porque, se o adivinhasse, poderia o governo cair, o Dr Vasco Pulido Valente publicar a sua crónica antes de tempo ou mesmo o Sr Luís Delgado divulgar os resultados das presidenciais daqui a dois anos e picos que eu não arredaria pé. Queria estar na primeira linha, a gozar o espectáculo e a agitar freneticamente uma bandeirinha da cidade, gritando vivas a Portugal e ao Porto 2001, capital europeia da cultura.
Voltaram a sair, voltaram a entrar, o Sr bispo esgotou a água benta, o Sr major tinha o braço cansado de tanto sinal da cruz, o Dr Rio convocava a vereação e falava em sabotagem, os populares apinhavam-se no cimo da subida para verem a geringonça e o ministro. Alguns já comiam do farnel que tinham trazido, algumas crianças impacientavam-se, queriam era uma pastilha elástica, choravam, as mães prometiam-lhes porrada. Pela quarta vez o Sr ministro deu à coisa - salvo seja! - e surpresa, a geringonça iniciou-se lentamente na subida, os dez passageiros agarraram-se uns aos outros para não baldearem, os mais medrosos encomendaram-se a Deus e aos Santos, pediram a benção ao Sr bispo, foram rezando discretamente para os julgarem valentes, como sempre fica bem nas cerimónias públicas.
O desmentido é sobre uma prédica dominical do professor Marcelo e sobre declarações públicas do Dr Júdice, bastonário dos advogados. Ambos disseram que o Dr Barroso era um super-ministro da justiça e que a Dra Celeste Cardona, como ministra, não existia. Já figurava apenas na lista telefónica do Dr Portas, para a eventualidade de algum recado. É mentira! A Dra Celeste Cardona existe, de carne, osso e funções como ministra. Ainda ontem a vi na televisão e esta manhã soube que, afinal, está de facto empenhada na mais elevada reforma da justiça de que há memória. E começou por cima, a nomear pessoal dirigente para cargos onde nós, contribuintes, lhes pagamos ordenados na casa dos 5.500 euros, o equivalente a 1.100 contos. Um dos nomeados é autenticamente um JDEP - entenda-se jovem director de elevado potencial - de apenas 29 anos de idade e apenas licenciado há três. Como experiência profissional, tem a que o tempo lhe permitiu adquirir: nenhuma. Limitou-se a levar à escola os netos da ministra e em passar por sua casa a certificar-se de que o cachorro estava sossegado e ainda tinha ração e água. Mas tem uma vontade incontrolável de se entregar às suas novas funções, acelerando a máquina a que tem direito e utilizar o cartão de crédito no marisco barato que servem em Huelva.
A pergunta, embora um pouco tardia, é sobre a telenovela das presidenciais em que iremos maioritariamente abster-nos daqui a mais de dois anos. Disse publicamente o Dr Santana que nunca foi influenciado e nunca cedeu a pressões, fosse de quem fosse. Aqui já eu estava a rir, o que até é raro acontecer-me. Mas disse ainda que sempre pensou por si, sempre decidiu pela sua cabeça. Aqui desatei à gargalhada, num riso pegado, que ainda não parou. Então quem não tem cabeça para nada, ela serve-lhe para decidir o quê?
Defeito meu, se calhar congénito, não há nada a fazer. Muitas vezes tenho grandes dificuldades em compreender determinadas situações e outras há que, de todo e por mais que me esforce, não consigo entender. O Tribunal de Aveiro mandou ontem em paz 17 arguidos que foram julgados por alegada prática de aborto clandestino, por não ter reunido provas suficientes para condenar nenhum deles. Até aqui, tudo bem. Os tribunais são independentes do poder político e devem continuar a sê-lo. Com a certeza de que essa independência não seja comparada à do Dr Bagão Felix perante o partido que o indicou para o governo porque esta é verdadeiramente falsa. Dr Portas nenhum indica para um cargo de ministro uma pessoa que não esteja sintonizada com o partido e que não seja da sua inteira confiança. A falta de filiação partidária - entenda-se a falta de cartão - não tem o mínimo significado. Não se passa a ser mais benfiquista quando se apresenta um proposta para sócio ou quando a direcção a aprova!
A presença de políticos profissionais é diferente. E sendo diferente é estultícia, porque não quero crer que a Dra Odete Santos tivesse marcado presença como artista de teatro e o Dr Miguel Portas como economista. É-o por se terem enganado na porta, ainda por cima sabendo-o. Não tenho, por mim, uma ideia definitiva e consolidada sobre o aborto. Mas aceito que a respectiva legislação deva ser revista e mais, em resultado de novo referendo. O poder político, como se sabe, odeia os referendos quase tanto como os eleitores. Quer ser miguelista, perfeitamente absoluto, legitimando-se a si próprio como uma ditadura temporalmente limitada. Representativa sim, sem que se saiba de quê ou de quem. Participativa nunca, em nada e por ninguém.
No domingo passado o casal Pinto da Costa, terceira edição, viajou para Lisboa. Mais precisamente para o novo estádio da Luz, para assistir ao Benfica - Porto. O Sr Pinto da Costa, todas as câmaras o focaram, foi sentar-se no banco, na companhia dos Srs Mourinho e Reinaldo Teles, para fiscalizarem a equipa de arbitragem e darem uma ajuda aos jogadores se ela viesse a ser necessária. A senhora de Pinto da Costa III meteu à carteira um dos convites recebidos, solicitou o acompanhamento de uma equipa de guarda-costas e dirigiu-se ao camarote presidencial. O Sr Luís Filipe Vieira, que teve explicações de etiqueta com a D Paula, levantou-se solícito para receber Sua Excelência, cumprimentá-la, agradecer-lhe que tivesse vindo e indicar-lhe humildemente o seu lugar. Começou por estender-lhe a mão, baixa para que a senhora não pensasse que ele lhe ia dar algum estalo e para que os guarda-costas se mantivessem tranquilos, embora vigilantes. Ficou de mão estendida como se fosse um cachorro a obedecer às ordens disparatadas do dono porque a senhora achou que não tinha que cumprimentá-lo. Claro que não tinha, se tivesse ficado a ver o jogo na companhia do Bobby e do Tareco com quem, dizem, se entende às mil maravilhas. Nem por causa da ração se desentendem.
O Dr Manuel Monteiro é aquele rapaz magro, de óculos grossos e olhos míopes encovados nas órbitas, que militou na juventude do CDS até ser presidente. Dedicou-se ao partido, desleixou os estudos, foi subindo na hierarquia. Não se sabe como nem quando teve uma aberta, foi tirar o canudo, neste país sem se ser doutor não se consegue ser coisa nenhuma na vida. Nem vereador!
Já anunciou ser candidato à junta de freguesia, à câmara municipal, ao parlamento europeu. De novo à presidência do partido, - como querido líder - ao parlamento nacional. Sem ninguém lhe pedir nada não quis correr o risco de se esquecer e anunciou o seu apoio a um dos candidatos, que não existem, à presidência da república. Nos últimos dias reafirmou o seu apoio ao candidato que, só Deus sabe, há-de ser ou não ser. E adiantou que se não fosse, ele próprio avançaria com a sua candidatura. Espera-se a reacção do herege Santana Lopes que, se for muito mais burro do que é permitido por lei, há-de optar por se manter na arena. Para ser tratado abaixo de cão na TVI e seguramente humilhado nas urnas pelo Dr Monteiro. Enquanto, em fundo, o Sérgio Godinho continuará a cantar o "arranja-me um emprego".
A peixeirada laranja das presidenciais já começou
Dizia a minha avozinha, que Deus tem porque era uma santa, quando se referia aos naturais da freguesia que tinham demandado Lisboa e que por lá se entretinham a empinar copos de três ao balcão das tabernas do Cais do Sodré, a coçar o cu das calças pelas paredes da estação do Rossio e a conspirar contra o regime do Dr Salazar porque, apesar dos excedentes de produção, não baixava o preço do copo, que eram pessoas que não prestavam, que por lá andavam, na política. Sempre lhe dei razão embora nunca concordando com ela. Sempre lhe dei razão porque o respeitinho era, nessa época, uma coisa muito bonita. Respeitavam-se os pais, os avós, os professores, o pároco e, de um modo geral, toda a gente. Hoje a palavra deixou de ter significado, caiu em desuso, não consta dos dicionários e até a erudita Dra Edite Estrela se não recorda já muito bem de quando deixou de a aplicar.
Mas a mais de dois anos de distância, quando o Dr Sampaio, à bolina, navega tranquilo a meio do seu segundo mandato, há gente nervosa, que se infiltra como agentes secretos nos copos de água dos casamentos para que não receberam convite, faz por ser vista à entrada das igrejas, gesticula por um lugar na tribuna das manifestações culturais que são os desafios de futebol e lamenta não poder ser filmado ao lado do Sr José Mourinho quando o mesmo, sabiamente, se pronuncia sobre o estado da erva e a desordem da areia em que a mesma medra.
Todos contra o incauto espectador
Notícias do Porto 2001, capital europeia de cultura
Se alguém nos ler será legítimo que estranhe que venhamos aqui afixar notícias do Porto 2001, capital europeia da cultura, quando decorre o terceiro ano posterior ao termo daquele em que o acontecimento se verificou. Mas isso acontece porque, como o país, esses poucos leitores têm andado mais distraídos do que deviam.
Mas a próxima quarta-feira vai ser dia de festa. No âmbito do Porto 2001 construiu-se aquilo a que se chamou depois o Funicular dos Guindais, com 286 metros de extensão e um desnível de 61 metros. As cabines têm capacidade para 25 pessoas e, supunha-se, serviriam para trazer gente da beira rio para cima e inversamente. Acabadas as obras ninguém sabia quem e como iria a geringonça ser explorada. Tinha custado uma fortuna e ninguém a queria. Dificilmente poderá ser rentável. Lá se acabou por impingir a exploração daquilo ao Metro do Porto. Há poucos dias, mas atempadamente porque o atraso não é assim tão grande, o Instituto Nacional do Transporte Rodoviário emitiu autorização para que a coisa funcione. Daqui a dois dias, coincidindo com a visita ao Porto de Sua Excelência o Senhor Ministro das Obras Públicas, professor Carmona Rodrigues, o funicular vai entrar em funcionamento. Nesse dia andará abaixo e acima, num corrupio, superlotado, com tantos passageiros que não caberão nas cabines. Todos à borla. D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto, que mora quase ao lado irá benzer a geringonça, as autoridades civis e militares. E aspergir água benta pelas imediações. Os sinos da velha Sé tocarão melodias de festa e os marginais fugirão Rua Escura abaixo, a fugir deles todos.